O Estado de São Paulo (2020-06-11)

(Antfer) #1

A14 QUINTA-FEIRA, 11 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


LONDRES


O Brasil não é o único país
que decidiu retomar as ativi-
dades econômicas sem ter
atingido o pico da pandemia.
Outros também optaram pe-
lo fim do isolamento rígido
no momento em que o vírus
mais avança. Presos entre as
catástrofes econômica e sani-
tária, a determinação de go-
vernos de América Latina,
África, de Estados america-
nos, além de Rússia e Índia, au-
menta o risco de agravamen-
to da crise.
Dois meses atrás, quando ha-
via 1 milhão de casos confirma-
dos de coronavírus no mundo,
a recomendação era quarente-
na, muitas vezes com um duro
lockdown, e fechamento de es-
tabelecimentos não essen-
ciais. Nesta semana, o número
de casos ultrapassou 7 mi-
lhões, com 136 mil novas infec-
ções detectadas só no domin-
go, recorde em um único dia
desde o início da pandemia. A
ordem do dia? Reabertura.
Para as autoridades de saú-
de, este é um momento perigo-
so. “Não é hora de nenhum país
pisar no freio”, alertou Tedros
Adhanom Ghebreyesus, dire-
tor-geral da Organização Mun-
dial da Saúde (OMS), em entre-
vista no início da semana. “A
crise está longe de terminar.”
Embora as taxas de infecção
nas grandes cidades america-
nas e na Europa tenham dimi-
nuído, o vírus vem se espalhan-
do pelo mundo. O pico global
de infecção pode demorar me-
ses a chegar. Na ausência de
uma vacina ou tratamento, a
única estratégia comprovada
contra o vírus ainda é limitar o
contato humano.
Mas administrar as incerte-
zas e a impaciência de um lock-
down não é tão simples na
maioria dos lugares. Em mui-
tos países, os governos temem
o impacto do vírus na econo-
mia, que limita a vontade políti-
ca de manter os estabelecimen-
tos fechados ou de decretar
uma nova quarentena.
Na terça-feira, o principal es-
pecialista em doenças infeccio-
sas dos EUA, Anthony Fauci,
descreveu a covid-19 como seu
“pior pesadelo”. “Em quatro me-


ses, devastou o mundo inteiro”,
disse. “E ainda não acabou.”
Dos 136 mil novos casos rela-
tados no domingo, 75% se con-
centraram em apenas 10 paí-
ses, a maioria no continente
americano e sul da Ásia – entre
eles Índia, Brasil, México e Áfri-
ca do Sul. Carissa Etienne, dire-

tora da Organização Pan-Ame-
ricana da Saúde (Opas), disse
que a crise “levou a América
Latina ao limite”.
O coronavírus vem se espa-
lhando rapidamente por paí-
ses governados por líderes
acostumados a suprimir infor-
mações para moldar a narrati-

va política. Na Rússia, o presi-
dente Vladimir Putin suspen-
deu o lockdown nesta semana,
mesmo com o número de infec-
ções detectadas aumentando
constantemente.
No México, o governo de An-
drés Manuel López Obrador
não vem registrando centenas
de mortes na Cidade do México
e demitiu os funcionários que
denunciaram que a capital tem
o triplo do número de óbitos
que é divulgado oficialmente.
Tudo indica que López Obra-
dor está de mãos atadas. Como
a maioria da população depen-
de do setor informal e não tem
uma rede de segurança estatal,
ele não consegue impor uma
quarentena rígida. Agora, no
momento em que o país regis-

tra recordes diários de mortos,
o governo decidiu reabrir esta-
belecimentos de forma gradual.
A Índia vive um drama pareci-
do. “Haverá proibição total de
sair de casa”, disse o primeiro-
ministro, Narendra Modi, no
dia 24 de março. “Todos os Esta-
dos, distritos, todas as ruas, to-
das as cidades estarão em lock-
down.” Logo, o desejo de isolar
1,3 bilhão de habitantes se mos-
trou ambicioso demais. A maio-
ria da população indiana é po-
bre, vive em áreas urbanas lota-
das, com falta de saneamento e
serviços de saúde ruins.
Agora, a Índia enfrenta a on-
da de infecções mais forte da
Ásia, com mais de 10 mil novos
casos diários e 290 mil conta-
minados. Enquanto especialis-
tas alertam para uma escassez
iminente de leitos e de médi-
cos, nesta semana, os indianos
foram autorizados a jantar fo-
ra, fazer compras e orar em
templos religiosos.
Na América Latina, os casos
de covid-19 estão aumentan-
do tanto em países que adota-
ram medidas de isolamento
precocemente, como Peru e
Bolívia, quanto naqueles que
ignoraram as recomendações
de saúde pública, como Brasil
e Nicarágua. Ontem, a África
ultrapassou a marca de 200
mil infectados – um quarto de-
les na África do Sul. Mesmo as-
sim, o governo sul-africano
anunciou na terça-feira que as
aulas serão retomadas na se-
mana que vem.
O manual de resposta con-
tra o vírus usado por europeus
e americanos parece não fun-
cionar em todos os lugares. So-
ciedades com economias infor-
mais não podem impor lock-
downs sem o risco de colapso
social. Mas o fenômeno não se
restringe aos países mais vul-
neráveis.
O New York Times informou
que, enquanto o país retoma as
atividades econômicas, o vírus
ainda está se espalhando por
21 Estados americanos. A situa-
ção é pior em Oregon, Texas,
Carolina do Norte, Califórnia,
Arkansas, Mississippi, Utah e
Arizona, que ontem pediu que
os hospitais estaduais reativas-
sem os protocolos de emergên-
cia. / WP e NYT

Internacional


lA União Europeia acusou on-
tem a China de espalhar informa-
ções falsas durante a pandemia

para dividir o bloco. “A pandemia
mostrou que a desinformação
não prejudica apenas a saúde das
pessoas, mas também a saúde de
nossas democracias”, disse Vera
Jourova, principal autoridade da
UE sobre Estado de Direito.
Em pelo menos duas oportuni-
dades, a China teria tentado cau-

sar discórdia. Em uma, enviou
suprimentos à Itália e disse que
os parceiros europeus não ajuda-
vam na crise. A outra foi quando a
embaixada chinesa na França di-
vulgou uma notícia falsa que fun-
cionários de asilos tinham abando-
nado seus postos e deixados os
idosos para morrer. / WP

Após 34 anos, Justiça diz que assassino de
Olof Palme é um homem que morreu em 2000

UE diz que a China


divulgou mentiras


para dividir bloco


Além do Brasil, outros países também


reabrem economia no pico da epidemia


Pressionados por prejuízos econômicos causados pelo isolamento, governos de América Latina, África, de vários Estados americanos,


além de Rússia e Índia, ignoram alertas de especialistas e retomam atividades não essenciais, mesmo correndo risco de agravar a crise


lCautela

SUÉCIA ENCERRA


MISTÉRIO DA


MORTE DE PREMIÊ


Risco. Funcionário prepara abertura de loja em Calcutá, na Índia: pressão econômica cresce junto com o contágio do vírus

M


ais de 30 anos após
o assassinato do pri-
meiro-ministro
Olof Palme, a Justiça da Sué-
cia anunciou ontem o arqui-
vamento do caso, com a reve-
lação de que o principal sus-
peito está morto.
Stig Engstrom, conhecido
por participar de grupos que
faziam oposição às políticas
de esquerda de Palme, mor-
reu em 2000, aos 66 anos –
ele teria cometido suicídio. A
família nega que Engstrom
seja o autor do crime.

Palme, o carismático líder so-
cial-democrata, foi assassinado
a sangue frio, com um tiro pelas
costas, em Estocolmo, no dia 28
de fevereiro de 1986, aos 59
anos, quando caminhava ao la-
do da mulher Lisbet, após sair
do cinema – ele havia dispensa-
do os seguranças.
Mais de 10 mil pessoas foram
interrogadas nos últimos anos,
e ao menos 134 confessaram o
crime. Os documentos das in-
vestigações ocupam 250 me-
tros de estantes. A arma do cri-
me nunca foi localizada. Hans

Melander, principal investiga-
dor, disse que, ao longo dos
anos, o caso gerou mais de 22
mil pistas pouco conclusivas.
O assassinato causou um
trauma entre os suecos. O atual
primeiro-ministro, Stefan Lof-
ven, classificou a morte de Pal-
me como uma “ferida aberta”
na sociedade. Com o arquiva-
mento do caso, ele disse espe-
rar “que a ferida cicatrize”.
O promotor que assumiu a in-
vestigação em 2017, Krister Pe-
tersson, disse que há pouco o
que fazer daqui para frente. “Co-
mo Engstrom está morto, não
posso abrir um processo ou in-
terrogá-lo. Por isso, decidi arqui-
var o caso.”
Engstrom, um designer gráfi-
co de uma companhia de segu-
ros, que na época do assassinato
tinha 52 anos, foi interrogado co-
mo testemunha. A polícia o con-
siderou pouco confiável, por-
que ele mudava a versão o tem-
po todo. Hoje, acredita-se que a
intenção dele era justamente
confundir as investigações.
Engstrom ficou conhecido co-

mo “a testemunha da Skandia”,
nome da empresa em que ele di-
zia estar no dia do assassinato,
localizada em um prédio perto
da cena do crime. Marten Pal-
me, filho do premiê, acredita
que Engstrom seja culpado e de-
clarou a uma rádio que a decisão
de arquivar o caso foi certa.

Um outro homem, Christer
Pettersson, um viciado em dro-
gas acusado de pequenos rou-
bos, chegou a ser apontado como
o assassino, em julho de 1989, de-
pois de ser identificado pela mu-
lher de Palme. Ele foi liberado
poucos meses depois por falta de
provas e morreu em 2004.

Ontem, o promotor disse
que Engstrom agiu sozinho,
mas não descarta a possibili-
dade de ele ter tido ajuda de
um cúmplice. “Não encontra-
mos nenhum motivo para
apoiar a tese de um complô,
mas é possível que ele possa
ter feito parte de um”, disse
Petersson.
A morte de Palme provo-
cou uma série de teorias cons-
piratórias, que iam desde do
envolvimento dos serviços
de segurança da África do Sul,
passando por extremistas
curdos, até um crime enco-
mendado pela CIA, a agência
americana de inteligência.
Engstrom, segundo o pro-
motor, era um alcoólatra que
tinha sérios problemas finan-
ceiros e participava de clubes
de tiro. Petersson disse que o
assassino era um extremista
de direita que criticava as po-
líticas de Palme, que era con-
tra a Guerra do Vietnã, o apar-
theid sul-africano e apoiava
os regimes de Cuba e da Nica-
rágua. / AFP e REUTERS

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


“Não é hora de nenhum país
pisar no freio. A crise está
longe de terminar”
Tedros Adhanom Ghebreyesus
DIRETOR-GERAL DA ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE (OMS)

RUPAK DE CHOWDHURI/REUTERS

ANDERS HOLMSTROM/REUTERS-12/12/

Mistério. Olof Palme, premiê da Suécia, em foto de 1983

Caso arquivado
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