O Estado de São Paulo (2020-06-11)

(Antfer) #1

O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 11 DE JUNHO DE 2020 A


JOÉDSON ALVES / EFE
Renata Cafardo
Daniel Weterman
Luci Ribeiro
Camila Turtelli / BRASÍLIA


Medida provisória (MP) edi-
tada ontem pelo presidente
Jair Bolsonaro permite que o
ministro da Educação, Abra-
ham Weintraub, escolha rei-
tores de universidades fede-
rais sem qualquer consulta
pública ou eleição durante a
pandemia. Segundo tabula-
ção do Estadão, a medida afe-
ta 25% das instituições, cujos
dirigentes estão com manda-
to para terminar até o fim do
ano. Após forte reação de rei-
tores, parlamentares e educa-
dores – que classificaram o
ato como “intervenção auto-
ritária e arbitrária” – o presi-
dente do Senado, Davi Alco-
lumbre (DEM-AP), ameaçou
devolver a MP ao Executivo.
Desde 1988, só três MPs fo-
ram devolvidas pelo Legislati-
vo, nos governos José Sarney,
Lula e Dilma Rousseff. Na ges-
tão Bolsonaro, não houve devo-
lução, mas anulação de efeitos
do trecho da MP que transferia
a demarcação de terras indíge-
nas para o Ministério da Agricul-
tura. Como presidente do Con-
gresso, Alcolumbre pode devol-
ver MPs que considerar incons-
titucionais. O Estadão apurou
que o senador pretende devol-
ver o texto ao Executivo.
Indagado, o presidente da Câ-
mara, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
disse que a medida é inconstitu-
cional, mas que a devolução se-
ria uma “decisão extrema”.
“Ideal era um acordo para derru-
bar nos pressupostos.”
Entre as 16 instituições que
seriam afetadas este ano estão a
Universidade de Brasília
(UNB), a Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), de São Carlos
(UFSCar) e do Paraná (UFPR).
Outras duas teriam troca de diri-
gente em janeiro. Há 68 institui-
ções federais de ensino supe-
rior, mas só 63 delas têm proces-
sos seletivos. As outras cinco fo-
ram criadas recentemente e es-
tão com reitores temporários.
A Constituição garante auto-
nomia às universidades, o que
significa ser responsável por es-
colher dirigentes e colegiados,
currículos e programas. A MP


979/2020 diz que “não haverá
processo de consulta à comuni-
dade, escolar ou acadêmica, ou
formação de lista tríplice para a
escolha de dirigentes das insti-
tuições federais de ensino du-
rante o período da emergência
de saúde pública de importân-
cia internacional decorrente da
pandemia da covid-19”. Os diri-
gentes temporários escolhidos
por Weintraub poderiam até in-
dicar diretores de unidades.

Reações. As cinco frentes liga-
das à Educação no Congresso
se articularam durante o dia pa-
ra pedir que Alcolumbre devol-
va a MP. Em nota, os parlamen-
tares chamaram o texto de
“mais um ato arbitrário, antide-
mocrático e inconstitucional”
do governo. Oito partidos apre-
sentaram ação direta de incons-
titucionalidade no Supremo
Tribunal Federal (STF) contra
a medida. Assinam o documen-

to PSB, PDT, PT, PSOL, PCdoB,
Rede, Partido Verde e Cidada-
nia, que veem violação ao princí-
pio constitucional da gestão de-
mocrática do ensino público.
“Há uma intenção de inter-
venção. A MP atenta de forma
absurda contra a democracia
do nosso País e a autonomia
constitucional das nossas uni-
versidades”, diz o presidente da
Associação Nacional de Dirigen-
tes das Instituições Federais de
Ensino Superior (Andifes) e rei-
tor da Federal da Bahia (UF-

BA), João Salles. Ele também de-
fendeu a devolução da MP e que
os mandatos dos reitores atuais
sejam prorrogados.
Há ainda a possibilidade de elei-
ção online, como já ocorreu du-
rante a pandemia na Federal do
Sudeste e Sul do Pará (Unifess-
pa). Outras estão começando
articulações. Seis dos 16 reito-
res que terminam o mandato es-
te ano precisam deixar o cargo
em setembro ou outubro. Ricar-
do Fonseca, reitor da UFPR cu-
jo mandato acaba em dezem-
bro, diz que dirigentes temporá-
rios, sem escolha da comunida-
de, não têm legitimidade, o que
prejudica o trabalho.
Outra alegação jurídica con-
tra a MP é que a Constituição diz
que não se pode reeditar medi-
da que tenha sido rejeitada ou
perdido sua eficácia. Em dezem-
bro, o governo editou MP que
fixava pesos diferentes de voto
para professores, funcionários e

alunos na eleição dos reitores.
Na prática, isso restringia a auto-
nomia das instituições porque
muitas adotam paridade na vota-
ção. Mas a MP não foi aprovada
pelo Congresso e perdeu a vali-
dade. “Não vejo fundamento ju-
rídico – nem do ponto de vista
da urgência e relevância nem
com relação à lei da covid-19”,
diz a professora da Faculdade
de Direito da Universidade de
São Paulo (USP) Nina Ranieri.
Weintraub já acusou as fede-
rais de promover “balbúrdias”
e foi alvo de protestos nas ruas
em 2019 após corte de verbas da
Educação. Ele tem indicado rei-
tores temporários que não fo-
ram eleitos pelas universida-
des, como ocorreu no Rio Gran-
de do Norte. “Enquanto o gover-
no pressiona para a retomada
das aulas, diz que é impossível
fazer consulta para eleição de
reitor. Um paradoxo”, diz o pre-
sidente da Andifes.

Ministro anuncia enquete e


Enem pode ficar para 2021


N


ão é de agora que o governo Bolsona-
ro tenta intervir na autonomia das
Instituições Federais de Ensino Supe-
rior (Ifes). No fim do ano passado, editou
medida provisória (MP) alterando o peso
dos três segmentos (professores, alunos e

funcionários) que elegem os candidatos a
reitor, vice-reitor e diretores dos centros
acadêmicos quando da consulta à comuni-
dade acadêmica. E mais grave: deixou ex-
plícito que não respeitaria necessariamen-
te o resultado desta consulta em termos do
candidato mais votado.
Fui reitor eleito e reeleito da Universida-
de Federal de Pernambuco nos períodos de
1996 a 1999 e de 1999 a 2003. Aprendi que
autonomia casa com legitimidade, e sem
esta última pouco ou nada se pode fazer. A
primeira coisa de um líder universitário é

ter o respeito de sua comunidade.
Aproveitando a pandemia, o governo Bol-
sonaro edita mais uma MP proibindo as
Ifes de realizar processos de seleção para a
escolha de reitores e vice-reitores por meio
virtuais. Estima-se que 16 instituições se-
rão afetadas por esta MP, com destaque pa-
ra a Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Estima-se também que esta MP deve vigo-
rar por 60 dias, prorrogáveis por mais 60.
É não só um mecanismo de pressão para
que as instituições retornem às atividades
presenciais em plena pandemia, mas tam-

bém uma afronta direta ao artigo 207 da
Constituição Federal, que prevê a autono-
mia das universidades federais. Pelo visto,
o governo Bolsonaro não quer mesmo cons-
truir uma agenda positiva com as Ifes.
Quem perde é o País, especialmente num
momento em que mais precisamos da ciên-
cia, da tecnologia e da inovação para a sobe-
rania do Brasil.

]
É TITULAR DA CÁTEDRA SÉRGIO HENRIQUE FERREIRA
DA USP RIBEIRÃO PRETO

O ministro da Educação, Abra-
ham Weintraub, anunciou em
uma rede social que a nova data
do Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) poderá ser defi-
nida por meio de uma enquete
com candidatos ao exame. As
opções incluem datas até maio
do ano que vem. O Enem estava
marcado inicialmente para no-


vembro, mas foi adiado por cau-
sa da pandemia de coronavírus.
Estudantes, parlamentares,
secretários de Educação e uni-
versidades pressionaram pela
alteração da data, sob argumen-
to de que há defasagem na
aprendizagem, principalmente
em escolas públicas, que têm di-
ficuldade de dar aulas online.

Weintraub publicou em sua
conta no Twitter ontem que a
enquete ocorrerá entre os dias
20 e 30 de junho. Segundo ele,
as datas possíveis seriam 6 e 13
de dezembro, 10 e 17 de janeiro,
e 2 e 9 de maio. A escolha das
datas ocorrerá na própria pági-
na do Enem e apenas os estu-
dantes que vão participar da
prova poderão optar pela data.
“A iniciativa é importante pa-
ra dar oportunidade aos interes-
sados de sugerirem o melhor pe-
ríodo para a realização das pro-
vas e garantir transparência”,

explicou em nota o Instituto Na-
cional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep), o respon-
sável pela realização do exame.
“Entre os dias 20 e 30 de ju-
nho, os inscritos terão três op-
ções de datas para votar, distri-
buídas entre os meses de de-
zembro deste ano, janeiro ou
maio de 2021, considerando o
adiamento das provas em 30,
60 ou 180 dias das datas previs-
tas em edital”, afirmou o Inep.
No caso da opção pelos dias 6
e 13 de dezembro de 2020 para a
prova impressa, o Enem digital

ficaria para 10 e 17 de janeiro de


  1. Se a prova for realizada
    nos dias 10 e 17 de janeiro de
    2021, o teste digital seria aplica-
    do nos dias 24 e 31 de janeiro de

  2. E, na última opção, de pro-
    va nos dias 2 e 9 de maio de 2021,
    a versão digital ocorreria nos
    dias 16 e 23 de maio de 2021, de
    acordo com o Inep.
    Ainda não há definição sobre
    eventuais mudanças no Siste-
    ma de Seleção Unificada (Sisu),
    que reúne as vagas no ensino su-
    perior público e seleciona os es-
    tudantes com base na nota do


Enem. Outras universidades
aguardam decisão sobre as no-
vas datas do exame para definir
o calendário de vestibulares.

Inscritos. Principal porta de
entrada para cursos do ensino
superior, em universidades pú-
blicas e privadas, o Enem deste
ano tem mais de 6 milhões de
inscritos – a maioria (65%) indi-
cou que já havia concluído o en-
sino médio em anos anteriores.
Outros 23% estão no 3.º ano e
12% são estudantes que fazem a
prova como teste.

Governo autoriza MEC a impor reitores


em universidades; Congresso reage


Nomeações. Ministro da Educação, Abraham Weintraub, participa de solenidade em Brasília: universidades sem autonomia

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]
ANÁLISE: Mozart Neves Ramos

Medida pressiona


retorno presencial e


afronta autonomia


AFETADAS

“A MP (medida provisória)
atenta de forma absurda
contra a democracia do
nosso País e a autonomia
constitucional das nossas
universidades.”
João Salles
REITOR DA FEDERAL DA BAHIA

Medida provisória de Jair Bolsonaro prevê nomeação de dirigentes das federais pelo ministro Abraham Weintraub sem processo seletivo


durante a pandemia; Congresso ameaça devolver texto e partidos acionam o Supremo. Constituição prevê autonomia das instituições


Metrópole


PARA ENTENDER

Instituições


enviam lista


A escolha dos reitores das
universidades federais é fei-
ta em etapas. Primeiro, a co-
munidade acadêmica elege
a lista tríplice de candida-
tos, por meio de um proces-
so seletivo interno. Muitas
adotam paridade entre alu-
nos, docentes e funcioná-
rios nessa votação.
Depois de escolhidos os
três nomes, a lista é enviada
ao presidente, que nomeia
um deles. Tradicionalmen-
te, o mais votado da lista cos-
tuma ter seu nome sanciona-
do pelo presidente para um
mandato de quatro anos. Na
gestão Jair Bolsonaro, já hou-
ve escolhas de reitores que
não alcançaram maioria dos
votos nas universidades.
A medida provisória edita-
da ontem permite que a es-
colha de reitores seja feita
sem qualquer forma de con-
sulta pública ou eleição en-
volvendo a comunidade aca-
dêmica durante a pandemia.

l Universidade Federal Rural
do Semi-Árido (RN)
l Universidade Federal do
Rio Grande do Sul
l Universidade Federal do Sul
e Sudeste do Pará
l Universidade Tecnológica
Federal do Paraná
l Universidade Federal do Pará
l Univ. Federal de Mato Grosso
l Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul
l Universidade Federal do Piauí
l Universidade Federal de São
Carlos
l Univ. Federal da Paraíba
l Univ. Federal de Rondônia
l Universidade de Brasília
l Univ. Federal de Sergipe
l Univ. Federal de Itajubá (MG)
l Univ. Federal do Paraná
l Univ. Federal de Uberlândia
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