O Estado de São Paulo (2020-06-11)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:B-4:20200611:


B4 Economia QUINTA-FEIRA, 11 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


P


assado o pico de tensão no
mercado financeiro em mea-
dos de marco, os preços de ati-
vos tiveram importante valorização
desde então. O gatilho veio de fora,
como sempre ocorre. São fatores ex-
ternos que preponderantemente di-
tam as reversões de ciclo aqui. Fato-
res domésticos estão mais associa-
dos à intensidade do movimento, pa-
ra o bem e para o mal.
Do lado externo, as políticas de
estímulo dos bancos centrais foram
um fator chave para a reversão das
expectativas. O grande destaque foi
o Fed, que anunciou um pacote de
injeção de liquidez no mercado e so-

corro a empresas (mesmo as mais arris-
cadas) ainda mais potente e amplo do
que o da crise de 2008.
Nas últimas semanas, o movimento
de valorização de ativos ganhou ímpe-
to por conta do relaxamento do isola-
mento social nas economias avança-
das, associado à expectativa de que
não haverá uma segunda onda de infec-
tados, pois o grau de contágio da co-
vid-19 está mais baixo.
Tudo isso combinado a dados positi-
vos esparsos de atividade econômica
(como a geração de empregos nos
EUA em maio) alimenta o cenário de
recuperação rápida nas economias
avançadas ou no formato da letra “V”,

usando o jargão dos analistas.
Certamente esse não é o quadro mais
provável para o Brasil, que deverá en-
frentar uma lenta e acidentada recupe-
ração pela frente. As dificuldades finan-
ceiras de empresas e as incertezas do
quadro econômico prejudicam o inves-
timento e, assim, o crescimento de cur-
to e longo prazos. Tampouco há razão
para otimismo dos consumidores tão
cedo, apesar de o impacto do auxílio
emergencial gerar a percepção de que o
pior já passou, ao menos no varejo.

A crise fiscal é um capítulo à parte
que poderá ameaçar a estabilidade ma-
croeconômica, alicerce do crescimen-
to sustentado, caso o Brasil não reto-
me tempestivamente as reformas para
o ajuste fiscal. A única forma de equili-
brar a significativa piora das contas pú-
blicas com juros baixos ao longo do
tempo será a perspectiva de conserto
adiante. Há uma agenda dura de redu-
ção de gastos obrigatórios a ser enfren-

tada por todas as esferas de governo.
Apesar do otimismo recente, o merca-
do financeiro dá sinais de que não está
alheio ao cenário de grandes desafios.
A recuperação da Bovespa se dá em
ritmo bem aquém do observado nas bol-
sas de emergentes – acumula queda na
casa de 17% no ano contra 9% nos emer-
gentes –, diferentemente do ocorrido
nos anos anteriores, quando a Bolsa bra-
sileira descolou favoravelmente das de-
mais, embutindo um cenário excessiva-
mente otimista de crescimento.
No dólar, ainda que o movimento de
valorização da moeda americana no
mundo tenha perdido ímpeto nas últi-
mas semanas, a cotação no Brasil man-
tém uma boa gordura na comparação
com uma cesta de moedas de emergen-
tes ou mesmo de países vizinhos. São
diferenciais comparáveis a situações
de grande estresse no governo Dilma,
quando o País estava sem rumo.
Quanto ao comportamento dos ju-
ros, houve importante recuo, alimenta-
do também pela possibilidade de inter-
venção do Banco Central neste merca-
do, conforme previsto na chamada
PEC do orçamento de guerra. No en-
tanto, a inclinação da curva de juros

(diferença entre os vencimentos de
longo e curto prazos) mantém-se
acentuada, apesar de a inflação espe-
rada pelo mercado no longo prazo
estar baixa. Fica evidente o descon-
forto com o elevado risco fiscal.
É possível que ainda haja espaço
para valorização dos preços de ati-
vos no curto prazo, com ventos favo-
ráveis do exterior e porque o merca-
do poderá vir a julgar que a gordura
em comparação aos preços em ou-
tros emergentes é excessiva. Ondas
de otimismo acontecem.
No entanto, é necessário cautela
diante da valorização já ocorrida. As
incertezas no cenário brasileiro são
elevadas e o ambiente é propenso a
acidentes. Não faltam motivos para
isso, dada a difícil situação atual epi-
demiológica, política, social e eco-
nômica.
O momento é critico. Há muito
trabalho a ser feito para melhorar as
perspectivas de crescimento e, as-
sim, a confiança de investidores.

]
CONSULTORA E DOUTORA EM ECONOMIA
PELA USP

ZEINA


LATIF


Há muito trabalho a
ser feito para melhorar as
perspectivas de crescimento

DEFLAÇÃO

FONTE: IBGE INFOGRÁFICO/ESTADÃO

IPCA no mês Acumulado em 12 meses
EM PORCENTAGEM EM PORCENTAGEM

Por grupos
EM PORCENTAGEM

JAN
2000

MAI
2020

● Índice oficial de preços do País, o IPCA teve em maio o
segundo menor resultado desde o início do Plano Real

-1

0

1

2

3

4

-0,38
JAN
2000

MAI
2020

0

5

10

15

20

1,88

ABRIL MAIO

Alimentação e bebidas
Habitação
Artigos de residência

Vestuário
Transportes

Saúde e cuidados pessoais
Despesas pessoais
Educação

Comunicação
Índice geral

1,79

-0,1
-1,37
0,1

-2,66
-0,22
-0,14

0
-0,2
-0,31

0,24

-0,25
0,58
-0,58

-1,90
-0,10
-0,04

0,02
0,24
-0,38

0

Célia Froufe
CORRESPONDENTE / LONDRES


Já é certo para a Organização
para Cooperação e Desenvolvi-
mento Econômico (OCDE)
que o Brasil passará por uma re-
cessão “profunda” este ano por
causa das consequências da
pandemia de coronavírus. A en-
tidade, com sede em Paris, pre-
vê, no relatório Perspectivas
Econômicas divulgado ontem,
que a queda do Produto Interno


Bruto (PIB) será de 7,4% em
2020, mas poderá chegar a 9,1%
se houver uma segunda onda de
covid-19 no País no último tri-
mestre do ano.
“A economia estava finalmen-
te se recuperando de uma longa
recessão quando o surto de co-
vid-19 atingiu o País e, agora, a
previsão é que sofra uma reces-
são profunda”, diz o documen-
to de 333 páginas, das quais cin-
co são reservadas para dados re-
lativos ao Brasil.
Para a entidade, passada a pan-
demia, o PIB brasileiro deverá se
recuperar em 2021 de forma
“gradual e parcial”. As projeções
pressupõem uma flexibilização
gradual das medidas de isola-
mento adotadas no País a partir
da primeira metade de junho.

A OCDE apresentou dois ce-
nários para o impacto do coro-
navírus sobre a economia brasi-
leira. O mais pessimista, com
uma segunda onda da pande-
mia, pressupõe um retorno das

medidas de isolamento no fim
do ano e uma contração da eco-
nomia de 9,1% em 2020. A recu-
peração em 2021 seria modera-
da nesse quadro, com cresci-
mento de apenas 2,4% do PIB, e

a taxa de desemprego subiria pa-
ra um pico histórico de 15,4% ao
longo do ano que vem. Um
maior déficit fiscal acrescenta-
rá mais de 10 pontos porcen-
tuais do PIB à dívida pública bru-
ta, que ultrapassará 90% do PIB
no fim de 2020.
No cenário sem uma segunda
onda, a OCDE prevê contração
de 7,4% no PIB de 2020 e cresci-
mento de 4,2% em 2021. A dívi-
da pública bruta se aproximaria
dos 90% do PIB, nesse caso.
“No contexto de perda de em-
pregos, diminuição das horas
trabalhadas e redução significa-
tiva das possibilidades de renda
para trabalhadores autônomos,
o consumo privado e o investi-
mento impulsionam a desacele-
ração, embora tudo isso seja ate-
nuado pela resposta política.”
As estimativas da OCDE suge-
rem que o impacto no consumo
privado poderia ter sido de 2 a 3

pontos porcentuais ao ano a
mais na ausência de medidas de
apoio à renda das famílias.

Reação. A organização elogiou
as respostas do governo à crise,
mas destacou que a reação fis-
cal deve ser claramente “tempo-
rária”. “As políticas econômi-
cas adotadas em resposta à pan-
demia foram oportunas e decisi-
vas, causando um impacto real
em milhões de famílias vulnerá-
veis”, diz o documento.
Esse auxílio, conforme a OC-
DE, deverá continuar enquanto
a pandemia restringir as oportu-
nidades de renda. Para a institui-
ção, com a flexibilização das me-
didas e a retomada das ativida-
des, a economia deverá se recupe-
rar parcial e lentamente, mas “al-
guns empregos e empresas não
vão sobreviver” e o desemprego
atingirá a máxima histórica an-
tes de recuar gradualmente.

A montanha-russa


do mercado


E-MAIL: [email protected]
ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Douglas Gavras

Mesmo após o segundo mês
consecutivo de deflação, pelo
Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA), a
alta dos preços dos alimentos –
de 0,24% em maio, vindo de um
aumento de 1,79% em abril – in-
dica que as famílias mais pobres
terão a renda ainda mais com-
prometida pela pandemia.
Quando os alimentos sobem
em um momento de alta de salá-
rios, esse gasto acaba amorteci-
do pelo ganho de renda. No ce-
nário atual, no entanto, a perda
de dinheiro das famílias, sobre-
tudo para as de menor renda, é
expressiva e a alta dos custos de
alimentação pesam ainda mais.
De acordo com o Instituto
Brasileiro de Geografia e Esta-
tística (IBGE), as famílias mais
pobres gastam cerca de 22% do
orçamento com alimentação. E
uma outra pesquisa, do Institu-
to Plano CDE, aponta que 50%
das famílias das classes D e E, de
baixa renda, perderam mais da
metade da renda desde o início
da crise causada pela pandemia
do novo coronavírus.
“A crise, do ponto de vista de
desigualdade de renda, é catas-

trófica. Muitos profissionais,
ainda com redução de salário,
puderam se adaptar para traba-
lhar em casa. Para os mais po-
bres, só restou tentar o auxílio
emergencial”, diz o economista
da Universidade de Brasília
(UnB) José Luis Oreiro.
Especialista em inflação, o
economista da Universidade de
São Paulo (USP) Heron do Car-
mo lembra que há um problema
de oferta de alimentos, por con-
ta do clima mais seco e muitos
produtos estão sujeitos a cho-
que de preços. “Pesou mais pa-
ra as famílias mais pobres. Co-
mo é um gasto básico, não há
uma queda abrupta do consu-
mo, mas o consumidor procu-
ra, na medida do possível, racio-
nalizar as compras.”
Pelo IPCA, itens como frutas
(-2,10%) tiveram queda de pre-
ços, mas houve altas de produ-
tos, como cebola (30,08%), ba-
tata-inglesa (16,39%), feijão ca-
rioca (8,66%) e carnes (0,05%).
André Braz, coordenador do
Índice de Preços ao Consumi-
dor (IPC) do Instituto Brasilei-
ro de Economia da Fundação
Getúlio Vargas (Ibre/FGV),
concorda que a alta dos alimen-
tos, apesar de destoar dos de-
mais preços, vem em um mo-
mento cruel. “A alta de 0,24%
poderia parecer pouco, se a ren-
da tivesse se mantida estável. O
problema é quando a renda de-
saparece, por conta da pande-
mia, e comer fica mais caro.”
Ele avalia que os preços dos
alimentos devem ter uma nova
alta em junho, por conta de um
aumento da demanda por car-
nes por parte da China, que já
começou o processo de reaber-
tura após a quarentena. “Essa
nova alta dos alimentos, po-
rém, ainda não deve ser suficien-
te para que a inflação como um
todo suba, devemos ter mais
um mês de deflação em junho.”

Daniela Amorim / RIO
Cícero Cotrim
Thaís Barcellos / SÃO PAULO


Em meio à pandemia do novo
coronavírus, os preços da eco-
nomia voltaram a recuar pelo
segundo mês consecutivo. O
Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA)
saiu de uma deflação de 0,31%
em abril para uma queda de
0,38% em maio, o menor re-
sultado em mais de duas déca-
das, informou o IBGE.
“Essa é a segunda maior defla-
ção do Plano Real”, ressaltou Pe-
dro Kislanov, gerente do Siste-
ma Nacional de Índices de Pre-
ços do IBGE.
Com um cenário inflacioná-
rio tão comportado, o Itaú Uni-
banco espera que o Banco Cen-
tral (BC) corte em 0,75 ponto
porcentual a taxa básica de ju-
ros, a Selic, na reunião de junho,
para 2,25% ao ano até o fim de
2020.
“A inflação não é um risco pa-
ra a política monetária, olhan-
do esse cenário benigno para
2020 e a propagação para 2021”,
resumiu a economista Julia Pas-
sabom, do Itaú Unibanco.
A queda nos preços dos com-
bustíveis e das passagens aé-
reas puxou a deflação em maio,
mas as famílias também gasta-
ram menos com habitação, ves-
tuário, saúde e despesas pes-
soais. Os alimentos subiram me-
nos, embora os preços ainda
persistam em patamar elevado.


Cenoura e frutas ficaram mais
baratas, enquanto cebola, bata-
ta-inglesa, feijão carioca e car-
nes pesaram mais no orçamen-
to. “O nível de preços continua
alto, e ficou um pouquinho
mais alto. Essa demanda eleva-
da também ajuda a segurar os
preços lá em cima”, lembrou Pe-
dro Kislanov, gerente do IPCA
do IBGE.
A taxa acumulada pelo IPCA
em 12 meses desacelerou de
2,40% em abril para 1,88% em
maio, ante uma meta de 4% per-
seguida pelo BC ao fim deste
ano. O resultado de maio foi o
mais baixo desde janeiro de
1999, quando a taxa em 12 me-
ses estava em 1,65%.
“De uma maneira geral, a de-
flação em maio e abril mostrou
a pressão da recessão causada
pelas medidas de distanciamen-
to social nos preços de serviços
e produtos. Mas, como parece
que abril foi o fundo do poço
para a atividade, já trabalhamos
com expectativa de uma taxa po-
sitiva em junho (no IPCA do
mês)”, afirmou o economista
sênior do Banco MUFG Brasil,
Carlos Pedroso.
Para Kislanov, os últimos rea-
justes dos combustíveis nas refi-
narias e a flexibilização das me-
didas de isolamento social po-
dem pressionar a inflação em ju-
nho. “Em relação ao isolamen-
to social, a gente tem de aguar-
dar para ver, pode ser que haja
maior movimentação na econo-
mia e que possa se refletir nos
preços de serviços”, disse.
De janeiro a maio, os combus-
tíveis contribuíram para conter
o IPCA. A gasolina acumulou
uma queda de preços de 14,64%
nos cinco primeiros meses do
ano de 2020. O etanol recuou
18,14% no período, enquanto o
óleo diesel diminuiu 14,43%.
O economista Vitor Vidal, da
corretora XP Investimentos,
acredita que a alta dos preços
de petróleo puxada pela retoma-
da econômica no mundo, e, em
consequência da gasolina, é o
maior risco de pressão sobre a
inflação neste ano. No entanto,
ele avalia que essa recuperação
da economia ainda deve ser len-
ta, mantendo os preços em ní-
veis bastante baixos.

ESPECIAL CORONAVÍRUS


WERTHER SANTANA/ESTADÃO

lGasto básico

TCU vê irregularidades nas contas do governo. Pág. B6}


Em cenário mais


pessimista, previsão é


que queda pode chegar
a 9,1% se houver uma


2ª onda de contágio


OCDE vê recuo de 7,4% na economia do País


Flexibilização. Retomada da economia será lenta e gradual

Alta de 0,24% no preço
dos alimentos em maio,
apesar de pequena, tem
impacto maior agora, por
conta da perda de renda

“Pesou mais para os
mais pobres. Não há uma
queda abrupta do consumo,
mas as famílias tiveram de
racionalizar as compras.”
Heron do Carmo
ECONOMISTA DA USP

Na crise, alimentação


pesa ainda mais para


as famílias pobres


Segunda maior


deflação do real


pressiona juros


IBGE mostra taxa negativa de 0,38% em maio, após outro resultado


negativo de 0,31% em abril; sequência pode derrubar Selic a 2,25%

Free download pdf