O Estado de São Paulo (2020-06-11)

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B8 Economia QUINTA-FEIRA, 11 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Negócios


ENTREVISTA


Fernando Scheller
Mônica Scaramuzzo


Acionista de uma das maiores
empresas de papel e celulose
do mundo, a Klabin, o econo-
mista Horário Lafer Piva, ex-
presidente da Federação da In-
dústria de São Paulo (Fiesp),
vê um país sem lideranças ca-
pazes de promover as mudan-
ças necessárias para enfrentar
o coronavírus e atravessar a re-
cessão de 2020. “Acho que Bra-
sília desconhece a gravidade
dessa crise. Quando olho as
propostas atabalhoadas, as in-
trigas palacianas e essas inter-
ferências nos últimos dias so-
bre o número de casos (do coro-
navírus), fico muito tenso”, dis-
se. O empresário participou
ontem da série de entrevistas
ao vivo Economia na Quarente-
na, do Estadão.
Para o executivo, a figura
que tem o poder de unir todos
os Poderes é o presidente da
República. “Quando o Executi-
vo deixa as coisas ao Deus da-
rá, sempre me lembro dos fil-
mes dos irmãos Coen: um pro-
bleminha vai crescendo, cres-
cendo...”. Segundo ele, há um
conjunto de medidas dos go-
vernos federal, estaduais e mu-
nicipais que estão descompas-
sadas. “Quem poderia unir o
País? O presidente da Repúbli-
ca.” Ele destacou, porém, que
o presidente Jair Bolsonaro pa-
rece estar em negação sobre os
problemas atuais do País.
Leia, a seguir, os principais
trechos da entrevista.


lComo a Klabin tem enfrentado


a pandemia? A empresa é privile-
giada por ser exportadora?
A Klabin tem, de fato, situação
mais privilegiada por ser uma
exportadora e trabalhar com
mix de produtos com muita de-
manda em épocas como essa –
como celulose para produção
de papel e papelão ondulado,
que têm um crescimento ra-
zoável por conta do e-commer-
ce. Isso tudo acabou manten-
do a nossa atividade. As empre-
sas estão revendo o seu mode-
lo de trabalho e a sua cultura
organizacional neste momen-
to do coronavírus e também
para planejar o retorno ao tra-
balho.

lHá desalinhamento entre o go-
verno federal e de parte dos go-
vernadores sobre o fim do isola-
mento. Como o sr. avalia isso?
Vejo com preocupação. Tenho
uma preocupação sobre a exa-
ta compreensão que o governo
federal tem da crise. Acho que
Brasília desconhece a gravida-
de dessa crise. Quando olho as
propostas atabalhoadas, as in-
trigas palacianas e essas inter-
ferências nos últimos dias so-
bre o número de casos (de coro-
navírus), obviamente fico mui-
to tenso. Tendo a achar que os

governadores estão tendo um
comportamento melhor do
que o governo federal. Eles se
cercaram melhor de técnicos.
Não gostaria de ver esse confli-
to acontecendo, mas dada a fal-
ta de liderança neste momen-
to e essa quase negação do pre-
sidente no seu núcleo duro,
acho natural que haja conflito.

lEsse desalinhamento também
existe entre os empresários?
Estamos percebendo nessa cri-
se uma democracia muito
mais frágil e uma nação mais
pobre, dividida e confusa. Ex-
ceto na solidariedade. Mas, do
ponto de vista do enfrentamen-
to da crise, vejo posições dife-
rentes. Há um núcleo pequeno
de empresários que criou essa
relação com Brasília mais for-
te, mas que não tem força
quantitativa para representar
o empresário de geral. Esse
grupo (mais próximo a Brasília)
tem uma visão parecida com a
do presidente, infelizmente.

lO sr. escreveu um artigo crítico
à Fiesp, questionando a represen-
tatividade dessa entidade na eco-
nomia atual. As entidades de
classe têm sido de alguma forma
relevantes nesses tempos de
pandemia?
Esse artigo tentava mostrar es-
sa confusão que muitas vezes
existe no Brasil entre a política
e a representação. Muitas vezes
o representante empresarial aca-
ba, por seu desejo de participar
da política, misturando as coi-
sas. Isso diminui sua capacida-
de de representação porque ob-
viamente o próprio representa-
do começa a desconfiar das ra-
zões por trás de tudo aquilo.
Nossa proposta não era simples-
mente criticar, mas fazer uma
provocação sobre como a gover-
nança precisa mudar num mo-
mento em que tudo se transfor-
ma com rapidez.

lBolsonaro participou recente-
mente de uma live com empresá-
rios na Fiesp para pedir pressão
pela reabertura da economia.
Como o sr. vê isso?
O presidente da Fiesp (Paulo
Skaf) criou um grupo de presi-
dentes de empresas que se
aglutinou ali em razão dessa re-
lação dele com o Bolsonaro. Es-
sas pessoas não foram deman-
dadas por outros industriais
como seus representantes.

lO governo federal sofreu uma
série de baixas – a mais recente,
do empresário Carlos Wizard,
que nem chegou a assumir seu
cargo. Estamos em um barco
sem comandante?
Estamos em um momento
muito complicado. Temos um
regime presidencialista, um
modelo no qual quem tem a ca-
neta é o chefe do Executivo. Se
ele não tiver uma visão de país
que nos leve todos para um la-
do só, fica difícil. Sou a favor
de mudar a estrutura política e
retomar o tema da ética. Quan-
do o Executivo deixa as coisas
ao deus-dará, eu sempre me
lembro dos filmes dos irmãos
Coen: um probleminha vai
crescendo, crescendo... Você
vai criando vazios econômi-

cos, tensões sociais. E se vive
hoje uma situação de muito
ódio, polarização e empobreci-
mento. Falta uma liderança.
Precisamos alinhar todas as
forças para um lado só. Há ine-
xistência de debate público. E
isso corrói a sociedade, e isso
faz com que as políticas públi-
cas sejam malfeitas.

lAs declarações do ministro do
Meio Ambiente, Ricardo Salles,
durante a reunião ministerial do
dia 22 de abril foram muito criti-
cadas. Isso pode atrapalhar as
empresas brasileiras?
Li as declarações e há questões
que podem ter tido uma inter-
pretação diferente naquele
contexto. O ministro tentou fa-
lar dos obstáculos burocráti-
cos do Brasil – e ele tem algu-
ma razão. Agora, o tema da sus-
tentabilidade é muito sensível,
é necessário muito conteúdo e
muita consistência no que se
diz. A Amazônia é nossa, mas é
um patrimônio (global), inclu-
sive do ponto de vista de futu-
ro melhor aproveitamento da
biodiversidade pelo Brasil.

lEssa declaração provocou um
‘racha’ em uma das principais
entidades do agronegócio, a So-

ciedade Rural Brasileira (SRB). O
Brasil está mais dividido?
Na agroindústria, há claramen-
te um contingente de pessoas
mais conservadoras – que dis-
cutem coisas como porte de ar-
mas – e uma ala muito moder-
na, conectada com as deman-
das do mundo. A divisão na in-
dústria é menor. Tem pessoas
pedindo para tomar cuidado
com a abertura comercial, pa-
ra voltar logo ao trabalho...
Apesar disso, eu vejo mais con-
senso do que dissenso.

lA economia pode sofrer ainda
mais por causa da crise política?
Corremos grande risco de sair
de uma crise para uma depres-
são. Essa crise tem uma di-
mensão muito profunda. É sa-
nitária, econômica, política,
social e emocional. Muitas em-
presas e empregos não vão so-
breviver. Temos de pensar o
crescimento com mais igual-
dade de oportunidade. É ca-
paz dessa crise ser uma opor-
tunidade civilizatória. Mas
não estamos lidando bem
com isso até agora. Em vez de
criamos uma coalizão, vive-
mos o presidencialismo de co-
lisão e deixando as oportuni-
dades escaparem.

lCultura da agressão

Presidente Bolsonaro é


o único com chance de


unir o País, mas parece
estar em ‘negação’ sobre


a crise, diz empresário


ESPECIAL CORONAVÍRUS


IARA MORSELLI/ESTADÃO-04/12/2018

“E se vive hoje uma
situação de muito ódio,
polarização e
empobrecimento. Falta uma
liderança. Precisamos
alinhar todas as forças para
um lado só.”

“Corremos grande risco de
sair de uma crise para uma
depressão. Essa crise tem
uma dimensão muito
profunda. É sanitária,
econômica, política, social
e emocional.”

Brigas. Lafer Piva: ‘Em vez de criarmos coalizão, vivemos o presidencialismo de colisão’

‘Brasília desconhece


a gravidade da


crise que vivemos’


Horácio Lafer Piva, acionista do grupo Klabin

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