O Estado de São Paulo (2020-06-11)

(Antfer) #1

H6 Especial QUINTA-FEIRA, 11 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


F


oi bom ver a Marina Silva, o
Fernando Henrique e o Ciro
Gomes, entrevistados pela Mi-
riam Leitão, falando na TV sobre uma
frente ampla para enfrentar o Caos,
que é como estão chamando o gover-
no do Brasil lá fora. Também foi bom
ver manifestantes na rua desfilando
pela democracia e contra a ameaça
fascista – uma ameaça que aumentou

alguns pontos depois que o último
general de fatiota moderado, o Mou-
rão, deixou cair a máscara, ou pelo
menos deixou de ser moderado.
Não se sabe bem o que represen-
tam hoje, em matéria de poder de
mobilização, os entrevistados da Mi-
riam. Se não representam muito, po-
liticamente, pelo menos represen-
tam a resistência que muita gente já

julgava natimorta, e que mostrou
que não apenas existe como se mani-
festa, ou começa a se manifestar.
“Frentes amplas” não têm uma
história muito inspiradora, no Bra-
sil. A última em que prestei atenção
reuniria, veja só, o Juscelino, o La-
cerda e outros descontentes com os
rumos da “Revolução” de 64, alguns
frustrados por terem ficado de fora,

outros por sincero desencanto com
o golpe. A frente, se me lembro
bem, não chegou a se criar e termi-
nou com a morte do Juscelino num
acidente de carro. Até hoje tem gen-
te que diz que o acidente não foi tão
acidental assim.
A Marina, o Fernando Henrique e
o Ciro Gomes merecem todos os
elogios por se recusarem a aceitar o
abismo para o qual estão querendo
nos arrastar, esperneando, e por da-
rem o exemplo, atraindo mais mani-
festantes para uma frente ampla e
viável. Não querendo ser chato: lem-

bremo-nos que na eleição do Bolso-
naro & Filhos, gente que sabia o que
viria preferiu se omitir a resistir.
Não faria muita diferença, o impen-
sável aconteceria de qualquer ma-
neira, mas quem se omitiu deveria
ter pensado melhor na sua própria
biografia. Pode-se dizer tudo de Bol-
sonaro & Filhos, menos que alguma
vez esconderam o que pensam e o
que pretendem.
Uma frente ampla, unida por uma
indignação comum pelo que estão
fazendo com a terra da gente, é pos-
sível. O abismo está aí.

CIDADE ABRIGA BIENAL COM


PARTICIPAÇÃO DE BRASILEIRA


Verissimo


EVENTO SE ADAPTA AO ISOLAMENTO SOCIAL


Mesmo com a retomada


de suas atividades, bienal
precisou se adaptar à


nova realidade de


convívio social na França


Celso Filho
ESPECIAL PARA O ESTADO
AMSTERDÃ


Depois de levar seu trabalho à
Bienal de Veneza no ano passa-
do e a outros espaços no exte-
rior, como o Museu Stedelijk na
Holanda, Bárbara Wagner volta
à Europa como a única artista
brasileira entre os 47 nomes se-
lecionados para a programação
principal da Manifesta 13, em
Marselha. Na bienal, que teve
sua data de abertura prorroga-
da para 28 de agosto por conta
da pandemia, Bárbara estará de
novo ao lado do alemão Benja-
min de Burca apresentando um
filme inédito, produzido em co-
laboração com artistas na Irlan-
da e na França.
Bárbara e Burca trabalham
juntos desde 2013 e têm trilhado
uma carreira de destaque, com
premiações e exposições no Bra-
sil e no exterior. Em seus traba-
lhos audiovisuais de maior desta-
que, eles utilizam expressões
culturais periféricas, como o bre-
ga, a música evangélica e a swin-
gueira, para abordar diferentes
questões relacionadas à socieda-
de brasileira atual. No entanto,
eles preparam algo novo para
2020, seguindo um projeto ini-
ciado há alguns anos. Em proces-
so de finalização, a obra ainda
não possui um nome, mas o duo
deu alguns detalhes do trabalho
em uma entrevista ao Estadão
por videoconferência.
Se, em Veneza, assim como na
32.ª Bienal de São Paulo, a dupla
investigou as diversidades e tra-
dições culturais brasileiras por
meio da música e do corpo, para
a mostra em Marselha, eles
transferem essa pesquisa para
um foco na influência do norte
da África na construção das cul-
turas e idiomas europeus. “Eu
não quero imaginar que a nossa
prática esteja ligada a uma ideia
de nação”, explica Bárbara. Ape-
sar de o novo projeto se afastar
de uma realidade brasileira, co-
mum em trabalhos anteriores
dos artistas, o que está em jogo é
a mesma inquietação: entender
a influência e o embate de certas
expressões culturais dentro de
uma sociedade.
“A gente chegou a fazer dois
trabalhos fora do Brasil: um na
Alemanha e outro no Canadá.
Este vai ser o terceiro projeto
no exterior, que já estava pro-
gramado antes mesmo da Bie-
nal de Veneza”, conta Bárbara.
A pesquisa para a obra atual sur-
giu em meados de 2018 por


uma vontade de Burca de explo-
rar a cultura popular da Irlanda


  • o artista alemão possui ascen-
    dência irlandesa e morou por
    vários anos na ilha.
    Os pontos de partida do proje-
    to foram a resistência da cultura
    celta na região de Connemara,
    no oeste da Irlanda, e os traba-
    lhos do documentarista Bob
    Quinn, que pesquisa as ligações
    da formação histórica do país
    com povos do norte da África e
    do Mediterrâneo. “A história ir-
    landesa é muito complexa. A
    gente queria trabalhar com es-


sas complexidades num sentido
de se fazer um filme que toque
nessa história, mas sem cair nos
vários buracos que há no cami-
nho”, explica Burca.
Quando veio o convite da
Manifesta, esse projeto se en-
caixou bem com a proposta cu-
ratorial desta edição da bienal,
cujo tema central será ‘Trait
d’union.s’ (‘Traços de união’,
em português), levantando dis-
cussões sobre pontos de cone-
xões e propostas de solidarie-
dade em meio à instabilidade
do mundo atual. A dupla, en-

tão, decidiu expandir o proje-
to, abrangendo também uma
pesquisa sobre as influências
de diversos países do norte da
África em Marselha, a cidade-
sede da mostra neste ano.
Como em outras obras de Bár-
bara e Burca, a colaboração com
outros artistas também se tor-
nou uma peça-chave para esse
projeto. O filme vai contar com a
participação de cerca de 20 artis-
tas de países como Tunísia e
Marrocos. A ideia foi trazer suas
performances para locações his-
tóricas entre França e Irlanda
que possuem referências da do-
minação colonialista, como
uma antiga casa inglesa na re-
gião de Connemara.
O resultado será exibido no
Conservatório Nacional de
Marselha até 29 de novembro.
Com curadoria de Alya Sebti,
Katerina Chuchalina e Stefan
Kalmár, a programação da bie-
nal também ocupa outros espa-
ços da cidade, como o Museu
de História de Marselha e o Pa-
lácio Longchamp. Além de Bár-
bara e Benjamin, a programa-
ção principal conta com obras
comissionadas de outros artis-
tas de destaque na arte contem-
porânea, por exemplo, o fran-
cês Marc Camille Chaimowicz
e a egípcia Anna Boghiguian.

LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE
ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

AMSTERDÃ


Enquanto diversos países euro-
peus anunciavam processos de
reabertura e relaxamento das
medidas de distanciamento so-
cial, a Manifesta 13 foi um dos
primeiros grandes eventos no
continente a confirmar novas da-
tas ainda para este ano – de 28 de
agosto a 29 de novembro. Assim
como as feiras de arte Photo Lon-


don e Art Basel, a bienal também
ocorrerá no segundo semestre,
apesar das incertezas impostas
pela pandemia ao calendário cul-
tural que criou a uma onda de
cancelamentos e adaptações pa-
ra eventos digitais.
Mesmo com a notícia da reto-
mada de suas atividades, a bie-
nal, que este ano é em Marse-
lha, no sul da França, precisou
se adaptar à nova realidade de
convívio social na França. A pri-
meira modificação foi nas da-
tas de abertura. A programa-
ção será ainda mais descentrali-
zada, com um cronograma de
inaugurações programado de
maneira gradual ao longo de
três meses, ou seja, as mostras

vão abrir em dias diferentes en-
tre agosto e outubro.
“Essa foi a única solução – ou
um gesto – que nos permitiu
enfrentar o máximo possível
as complexidades que essa si-
tuação atual gerou”, explica a
fundadora e diretora da Funda-
ção Manifesta, Hedwig Fijen.
O funcionamento dos espa-
ços expositivos também vai se-
guir horários diferentes, com
controle de visitantes e agen-
damentos para se evitar aglo-
merações e para garantir a dis-
tância mínima de 1,5 metro en-
tre as pessoas.
“Ninguém pode prever co-
mo será o mundo em alguns
meses. Ao espalhar nosso pro-

jeto e programação, podemos
levar em consideração os dife-
rentes níveis de flexibilidade
que cada um desses projetos,
locais e participantes exigi-
rão”, afirma Hedwig.
No entanto, a disposição
desta edição da Manifesta de
manter sua programação ain-

da para 2020 também pode es-
tar relacionada às característi-
cas do evento, que segue um
modelo diferente das tradicio-
nais bienais de arte.
Autointitulada bienal nôma-
de europeia, a Manifesta é hos-
pedada a cada dois anos em
uma cidade diferente do conti-
nente – em 2022, ela será em
Pristina, no Kosovo. Desde
sua última edição em Paler-
mo, na Itália, o evento tem fo-
cado ainda mais em colabora-
ções com artistas, instituições
locais e com a população das
cidades-sede, algo que a Bie-
nal de São Paulo tem experi-
mentado há algumas edições.
Assim, a organização da Mani-

festa estima que cerca de 75%
dos visitantes em Marselha se-
rão moradores da região.
Além disso, mesmo as expo-
sições principais e a progra-
mação paralela seguem em vá-
rios espaços espalhados pela
cidade. Por exemplo, as
obras dos 47 artistas que
compõem o eixo central do
evento serão expostas em
seis locais diferentes. “Para
nós, a ideia de se adaptar sem-
pre integrou o núcleo de nos-
sas atividades e isso pode ter
nos ajudado a nos ajustar a
essa situação atual de incerte-
za. Talvez estejamos um pou-
co mais acostumados a uma
flexibilidade que agora nos é
exigida”, finaliza a diretora.
Mais detalhes sobre a pro-
gramação e adaptações serão
anunciados em breve. / C.F.

Manifesta 13. Ligação da África com a Irlanda entre temas

l]


Frente ampla


MARSELHA


lAdaptação

VOST MANIFESTA

‘A ideia de se adaptar sempre
integrou o núcleo de nossas
atividades e isso pode ter
ajudado a nos ajustar a essa
situação atual de incerteza’
Hedwig Fijen
DIRETORA DA FUNDAÇÃO MANIFESTA

Sede. Com 47 nomes selecionados para a programação principal, bienal teve a data de abertura prorrogada para 28 de agosto por causa da pandemia

Bárbara Wagner se une novamente ao alemão Benjamin de Burca e, juntos,


voltam à Europa com um trabalho inédito para a Manifesta 13, na França


OLIVIER SARRAZIN/VOST MANIFESTA
Free download pdf