O Estado de São Paulo (2020-06-12)

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A12 SEXTA-FEIRA, 12 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Esportes

Liberou. Fifa, Comitê Olímpico e federações dos EUA abraçam a


ideia de atletas poderem se manifestar politicamente em eventos


Uma tendência toma conta
do esporte mundial. Entida-
des importantes que contro-
lam modalidades de peso se
dobram à vontade de seus
atletas e derrubam normas
que proibiam manifestações
políticas em meio às dispu-
tas. Não se pode afirmar que
será assim a partir de agora,
mas existe a possibilidade. Fi-
fa e COI levantam a bandeira.
A federação mais recente a
adotar tal posicionamento foi a
de futebol dos EUA, país epicen-


tro das manifestações contra o
racismo e violência policial por
causa da morte de George
Floyd, um cidadão norte-ameri-
cano de Minneapolis, negro,
morto por um policial militar
branco, cujo joelho da perna es-
querda o sufocou enquanto ele
tentava dizer que “não conse-
guia respirar”. Foram 8min43s
de sofrimento. O episódio pro-
vocou uma onda de manifesta-
ção nos EUA primeiramente e
depois em países da Europa.
O gesto mais tradicional tem

sido se ajoelhar durante o hino
nacional. Foi esse que Conse-
lho de Administração da Federa-
ção de Futebol dos EUA decidiu
revogar, por meio de votação. A
regra que proibia os jogadores
de seleção nacional de protesta-
rem ajoelhando-se no gramado
durante a execução do hino não
existe mais. A medida foi divul-
gada ontem. A norma estabele-
cia desde 2017 que atletas de fu-
tebol deveriam “ficar de pé res-
peitosamente” durante a cele-
bração antes dos jogos.

Além de derrubar a regra, a
federação americana pediu des-
culpas aos atletas, especialmen-
te aos negros, e reconheceu que
a proibição não deveria existir.
“Está claro que essa norma es-
tava errada e prejudicava a im-
portante mensagem de que vi-
das negras importam”, reconhe-
ceu a Federação de Futebol dos
EUA, por meio de um comunica-
do oficial. A nova presidente da
US Soccer, Cindy Parlow Cone,
já havia sugerido a mudança.
A proibição de não ficar de pé

durante o hino tinha sido impos-
ta em fevereiro de 2017 depois
de a estrela da seleção norte-
americana e melhor jogadora
do mundo atualmente, Megan
Rapinoe, ter se ajoelhado no gra-
mado, repetindo o gesto de Co-
lin Kaepernick, jogador de fute-
bol americano, em protesto con-
tra a violência policial contra os
negros nos Estados Unidos.
Kaepernick virou um ícone
na luta contra o racismo e inspi-
rou diversos outros atletas, nor-
te-americanos ou não, como o

astro da NBA, LeBron James, a
se posicionarem diante da dis-
criminação racial. O ex-quarter-
back do San Francisco 49ers foi
boicotado pela NFL e, sem uma
equipe para jogar, concentrou
seus esforços no ativismo.
“Não fizemos o suficiente pa-
ra ouvir – especialmente os nos-
sos jogadores – para entender e
reconhecer as experiências
reais e significativas de negros e
de outras comunidades minori-
tárias no nosso país. Pedimos
desculpas aos nossos jogado-
res, especialmente aos negros,
funcionários, adeptos e a todos
os que apoiam a erradicação do
racismo”, completou a nota.
O Conselho dos Atletas de Fu-
tebol dos EUA, que inclui no-
mes como Alex Morgan e Ali
Krieger, além de ex-jogadores
como Landon Donovan, pediu
à federação que também se des-
culpasse pela política que havia
imposto a fim de promover
“uma relação positiva daqui pa-
ra frente”. “Então e só então,
sentiremos que um novo capítu-
lo pode começar entre a federa-
ção e seus atletas. Além disso,
pedimos que a federação desen-
volva um plano com ações foca-
das no combate ao racismo, que
seja compartilhado publica-
mente com seus atletas, mem-
bros-chave e fãs”, informou o
conselho semana passada. “En-
quanto a entidade não fizer is-
so, a própria existência da nor-
ma continuará perpetuando os
equívocos e o medo que abafa-
vam a importância e o verdadei-
ro significado de Kaepernick,
Rapinoe e outros atletas terem
colocado o joelho no chão – o
fato de as pessoas negras nos
EUA não receberem e continua-
rem a não obter as mesmas liber-
dades do que os brancos, e que
existe brutalidade policial e ra-
cismo sistêmico neste país”,
destacaram os futebolistas.
Fora dos Estados Unidos, re-
centemente, jogadores do Bo-
russia Dortmund e Liverpool
ajoelharam-se no gramado du-
rante uma sessão de treinamen-
to como forma de apoiar a luta
por igualdade racial. O atacante
do Borussia Mönchengladba-
ch, Marcus Thuram, filho do ex-
jogador campeão mundial pela
França, Lilian Thuram, tam-
bém ecoou as manifestações ao
escolher não comemorar um
gol e sim ficar de joelhos no cam-
po. A Fifa pediu para que as fede-
rações e clubes repensassem
em possíveis punições, derru-
bando regras que ela defendia
de não manifestação política.

Leandro Silveira

Advogado atuante no espor-
te há mais de duas décadas,
Marcos Motta usa sua expe-
riência para apontar que a
crise financeira provocada
pela pandemia do coronaví-
rus servirá para ajustar o
mercado de negociações e
acelerar processos e mudan-
ças de hierarquia em função
da redução do dinheiro. Em
sua avaliação, a próxima ja-
nela de transferências no fu-
tebol europeu terá seu fluxo
reduzido em quase 2 bi-
lhões de euros (R$ 11 bi-
lhões) nas principais ligas, o
que trará efeitos danosos pa-
ra clubes mal organizados,
como alguns brasileiros,
que dependem da receitas
dessas transações. Ele acre-

dita que negociações sofrerão
queda nos valores. Isso provo-
cará mudanças de patamar,
com a ascensão de clubes mé-
dios e a queda de nível de ti-
mes tradicionais, mas endivida-
dos, além do aumento do pro-
tagonismo dos gigantes. Com
a experiência de ter participa-
do da aquisição de Neymar pe-
lo PSG em 2017, por 222 mi-
lhões de euros (R$ 817 mi-
lhões) junto ao Barcelona, diz
que transação por aquele valor
nunca mais será feita. Motta,
que já foi dirigente do Fla em
1997, trabalha como consultor
jurídico em casos de disputas
contratuais, comerciais e disci-
plinares e regulamentares.

lComo o mercado do futebol vai
se comportar ao fim da crise?
O mercado vai beneficiar aque-

les que tiverem inteligência e
educação administrativa, co-
mo Flamengo e Grêmio, no
Brasil. Os grandes europeus
vão passar por essa. Quem não
está preparado, vai ter dificul-
dade. No Brasil, ainda mais,
porque somos vendedores. O
mercado vai se ajustar. Vai ter
mercado, mas ele vai mudar.
Não faz sentido quando cor-
pos estão sendo contados, um
clube que cortou salários, não
renovou contratos, fazer uma
contratação de 100 milhões de
euros. Seria ruim até para a
sua imagem pública.

lHá uma previsão sobre quanto
o mercado de transferências vai
encolher na próxima janela?
Com as contas estranguladas
nesse momento, há previsão
de queda de 28% no valor das
transferências das cinco gran-
des ligas. Veja o caso do Icardi.
Ele foi comprado agora pelo
PSG por 50 milhões de euros,
sendo que seu valor de merca-
do na outra janela era de pelo
menos 70 milhões de euros. Is-
so vai retirar do mercado qua-
se 2 bilhões de euros (R$ 11 bi-
lhões) na compra de atletas.

lQual será o efeito desse enco-
lhimento do mercado europeu

para times brasileiros?
A única vantagem é o câmbio.
Mas tem clube acabando com
as divisões de base. Preferem
apostar em medalhão. Vai ter
time ficando pelo caminho,
que não vai conseguir superar
a crise, principalmente se o fu-
turo financeiro depender da
venda de jogador. Os clubes
menores vão estar à mercê dos
maiores. O mercado estava in-
flacionado. Só que a bolha es-
tourou. O mercado vai reto-
mar valores realistas.

lComo os clubes vão adequar
seus investimentos?
A gente vai ter o merca-
do mais sofisticado,
pontual, exigente. Não
dá mais para testar. A
transação vai ser cer-
teira. O modelo será
realinhado. Mas o mer-
cado será retomado por-
que o futebol conjuga
bem os aspectos
sociais, econô-
micos e cultu-
rais. Todo mun-

do investe no marketing espor-
tivo porque não tem esse po-
der de comunicação e capilari-
dade do esporte em outros se-
tores.

lOs tipos de negociações entre
clubes podem mudar?
A gente vai ver operações de
empréstimo com opção de
compra ou obrigação de com-
pra, operações criativas, como
venda com opção de recom-
pra. Isso se dará pela necessida-
de de se realizar ajustes contá-
beis. Mas o topo da pirâmide
precisa das grandes movimen-
tações, dos ídolos. A personali-
zação é importante. Ela
que faz a comunicação
com o mercado, conver-
te e engaja. Vai ter
grandes contratações,
mas diferente. O aces-
so ao crédito está di-
fícil. Vai demandar
gente com visão.

lQuanto
tempo leva-
rá para o
valor re-
corde da
venda
do Ney-
mar ao
PSG

ser superada?
Esse recorde não será bati-
do, por uma série de meca-
nismo de controle do merca-
do, como o fair-play finan-
ceiro. O mercado apertou o
botão “reset”, vai ter um rea-
juste, uma deflação. O mer-
cado vai se reajustar por per-
da de receitas de direitos de
transmissão, da receita do
“matchday”.

lInternamente, como você
imagina que passará a se com-
portar o mercado nacional?
Haverá troca de atletas, em-
préstimo com opção de
compra. Clubes com mais fi-
nanças, mais organizados,
como Bahia, Flamengo, Ath-
letico-PR, vão se destacar.
Vai acentuar a mudança da
dinâmica da hierarquia bra-
sileira. Clubes tradicionais
vão dar espaço para outros
que eram de meio de tabela.

lComo o futebol brasileiro
pode se tornar mais competiti-
vo em um cenário de crise?
Quando a Uefa flexibiliza o
fair-play e o Brasil não faz
nada, você tem mais dificul-
dade. Defendo a volta do ter-
ceiro investidor nos direitos
(econômicos) do jogador.
IARA MORSELLI/ESTADÃO-18/11/

APOIO

]A Espanha deu ontem mais um
importante passo em sua retomada
após a pandemia da covid-19. De-
pois de paralisação geral, a

bola voltou a rolar com a vitória do
Sevilla por 2 a 0 sobre o Bettis. A dis-
puta pelo título está entre Barcelona
e Real Madrid. O time madrilenho en-
cara o Eibar somente no domingo,
enquanto a equipe de Lionel Messi
visita o Mallorca amanhã.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


ENTREVISTA | A retomada econômica do futebol – Capítulo 2

‘MERCADO VAI PERDER


R$ 11 BI DE COMPRAS’


LeBron puxa a fila


e incentiva o voto


dos negros nos EUA


REUTERS-16/5/

NA VOLTA DO FUTEBOL
NA ESPANHA, DEU SEVILLA

SEVILLA TWITTER

Marcos Motta, advogado especialisado na área esportiva

Motta.
O dinheiro
vai sumir do
mercado

Especialista acredita que setor de transferência
de jogadores é que vai mais sofrer com a pandemia

l Em meio a uma onda de in-
dignação contra o racismo,
LeBron James e outros atle-
tas e celebridades uniram for-
ças em uma causa para pro-
mover o voto dos negros ame-
ricanos antes da eleição presi-
dencial de novembro. “Está
na hora de finalmente fazer-
mos a diferença”, disse o joga-
dor do Los Angeles Lakers ao
jornal The New York Times.
Com o nome de “Mais do que
um voto”, a associação incen-
tivará os afro-americanos a
se registrarem como eleito-
res e a votar nas eleições de
3 de novembro. Ao mesmo
tempo, os membros da asso-
ciação usarão redes sociais
como plataforma para alertar
sobre qualquer tentativa de
interferir no direito de voto
das minorias nos EUA. “Sim,
queremos que você saia e vo-
te. Daremos o tutorial”, disse
o jogador da NBA.

LeBron James
Jogador do Los Angeles Lakers, da NBA

‘Está na hora de
finalmente
fazermos
a diferença.
Sim, queremos que
você saia e vote
(nas próximas
eleições para
presidente)’

Esporte se rende


ao direito de


protestar


Rapinoe. Voz das minorias

LUCY NICHOLSON/REUTERS-9/1/

LeBron.
Convocação
para negros
votarem nas
eleições dos
EUA para
presidente
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