O Estado de São Paulo (2020-06-12)

(Antfer) #1

Mariane Morisawa
ESPECIAL PARA O ESTADO


Depois de três meses de parali-
sação, as produções de cinema
e televisão podem voltar ao tra-
balho a partir de hoje, 1 2, na Cali-
fórnia, anunciou o governador
Gavin Newsom (Partido Demo-
crata) na sexta-feira passada,
dia 5, segundo seu plano de rea-
bertura gradual depois da fase
de distanciamento social. A de-
cisão final vai ser tomada por
cada condado, de acordo com
os dados sobre a pandemia em
cada um dos locais. Mesmo
amargando prejuízos, a respos-
ta de Hollywood é: muita calma
nessa hora. “Não, a indústria
não vai reabrir na segunda”, dis-
se ao jornal Los Angeles Times
Steve Dayan, do sindicato
Teamster Local 399. “Estamos
trabalhando noite e dia para fa-
zer acontecer, mas precisamos
proteger nossas equipes e tam-
bém o público.” O site Deadline
descreveu a reação da indústria
como de “espanto” com o anún-
cio de Newsom.
Uma série de medidas preci-
sa ser colocada em prática para
isso acontecer. Um documento
de 22 páginas elaborado por de-
zenas de membros da indústria,
incluindo os sindicatos de ato-
res e diretores e os estúdios,
bem como Amazon, HBO e Net-
flix, além de especialistas da
área de saúde, foi distribuído pa-
ra os governos da Califórnia,
Nova York e outros estados
americanos onde ocorrem mui-
tas filmagens, como a Geórgia.
Hollywood, apesar de ser o no-
me de um bairro de Los Ange-
les, é um lugar imaginário que
abrange ainda Canadá e Reino
Unido, entre outros países.
As regras para o retorno in-
cluem testagem em massa, me-
dição frequente de temperatu-
ra, uso de equipamentos de pro-
teção individual, higiene das
mãos e eliminação de bufês,
com refeições, pratos e talheres
embalados individualmente –
tudo fiscalizado por pelo me-
nos uma pessoa no set. No caso
de atores, cabeleireiros e ma-
quiadores, os testes serão ainda
mais frequentes. As reuniões de-
vem ser feitas remotamente
sempre que possível. Cenas que
pedem contato próximo de ato-
res, como aquelas de beijo, sexo
ou luta, precisam ser com míni-
mo contato. Cenas com muitos
figurantes e rodadas nas ruas
também devem ser evitadas, as-
sim como aquelas filmadas em
outras cidades ou países. Tudo
isso faz com que roteiros preci-
sem ser revistos e reescritos, e
efeitos digitais sejam emprega-
dos para simular multidões,
por exemplo.
No caso da Geórgia, onde são
rodados muitos longas dos Es-
túdios Marvel, além da série
The Walking Dead, só para ficar
nos mais famosos, o governa-
dor Brian Kemp (Partido Repu-
blicano) deu autorização para a
retomada em 22 de maio. Ainda
assim, o produtor, diretor e ro-
teirista Tyler Perry, que tem
um estúdio próprio em Atlanta,
disse à revista Variety que só rei-
nicia a produção de suas séries
Sistas e The Oval em julho. Am-
bas têm tempos de produção
bem reduzidos, de duas sema-
nas e meia em média para uma
temporada completa – em ge-
ral, uma série dramática leva en-
tre 7 e 9 dias por episódio.
As equipes vão ser drastica-
mente reduzidas e serão testa-
das assim que voltarem ao set e
outras quatro vezes durante as
gravações. Todos usarão másca-
ras, e cenas em grupo vão ser
feitas somente após o quarto
dia, quando todos forem testa-
dos novamente. Os membros
da equipe e do elenco que não


moram em Atlanta voarão no
avião particular de Perry e mo-
rarão dentro do estúdio, que
possui casas de verdade.
Dois outros estúdios da cida-
de se prepararam para a volta
pós-pandemia. No Pinewood,
foram instalados pontos para a
lavagem das mãos – os banhei-
ros costumam ficar longe e fora
das construções – e um sistema
de filtragem do ar como os utili-

zados pelos hospitais. Mesma
coisa com o Blackhall, que insta-
lou filtros no ar-condicionado e
capacidade de testagem de anti-
corpos. O CEO Ryan Millsap
também declarou à Variety o pla-
no de alugar um prédio com
300 apartamentos a cerca de 10
minutos das instalações para
que as equipes possam ser aloja-
das por até seis meses.
A região de British Columbia,

no Canadá, também anunciou
uma série de medidas de segu-
rança. Em Vancouver são grava-
das várias séries, como Riverda-
le, The Good Doctor e todas do
Arrowverse. O governo local dis-
se que a retomada é uma priori-
dade e deve acontecer ainda es-
te mês, já que a indústria de cine-
ma e televisão contribuiu com
US$ 3,2 bilhões para a econo-
mia no ano fiscal 2018/2019. O

problema é que só entram no
país trabalhadores essenciais e,
mesmo assim, eles precisam fi-
car em quarentena por 14 dias.
No Reino Unido, o governo
também deu sinal verde para a
retomada de produções como o
novo Batman, com Robert Pat-
tinson. Suécia, Dinamarca, Re-
pública Checa, Nova Zelândia e
Islândia são outros países com-
petindo pelas produções de
Hollywood.
Ted Saran-
dos, diretor de
conteúdo da
Netflix, afir-
mou que algu-
mas produ-
ções da compa-
nhia voltaram
ao set na Coreia do Sul e Islân-
dia. Entre as medidas, a cada
duas horas um membro da equi-
pe anuncia um intervalo para a
lavagem de mãos, maçanetas e
outras áreas são desinfetadas e
objetos de cena, limpos. Na Aus-
trália, a novela Neighbors voltou
a ser gravada, mas sem beijos,
abraços ou brigas.

Mudanças. As notícias são
bem-vindas, claro, já que a para-
lisação atrasou a estreia de 60%
das séries roteirizadas, colocan-
do em risco a chamada “tempo-
rada de outono” americana. A
Fox e a CBS, no entanto, confir-

maram suas novas temporadas.
O atraso na filmagem de lon-
gas-metragens, que têm um
tempo de produção bem maior,
ameaça desfalcar o calendário
do ano que vem. Sem falar no
adiamento de filmes prontos pa-
ra serem lançados, como Mulan
e Um Lugar Silencioso 2. Tudo
isso representa um prejuízo de
bilhões de dólares – só em bilhe-
teria de cinema, a previsão é de
mais de US$ 10 bilhões. A imple-
mentação das medidas, necessá-
rias antes de haver um tratamen-
to eficaz para a covid-19 ou uma
vacina, também vai custar di-
nheiro. Segundo uma análise da
JP Morgan, os custos de produ-
ção devem subir entre 10% a
15%. Um diretor de produção de
estúdio disse à Var iety estimar
um aumento de até 20% no caso
de uma produção grande.
A verdade é que os analistas
do mercado acham muito di-
fícil que filmes e séries que ne-
cessitam de muitos figurantes,
equipe numerosa e cenas de ba-
talha filmadas ao redor do mun-
do vão poder retomar as ativida-
des já. “Um filme não funciona
com máscaras e distanciamen-
to social. Todo o mundo está
grudado o tempo todo”, disse
um diretor,
em condição
de anonima-
to, também à
Variety. Há ain-
da a questão
do seguro.
Muitas compa-
nhias não acei-
tarão cobrir perdas relaciona-
das à covid-19, ou os valores se-
rão baixos. E, se alguém ficar
doente no set, existe o risco de
processo judicial.
Então é possível que, por en-
quanto, produções menores te-
nham mais espaço, tanto no ci-
nema quanto na televisão. Isso
tudo, é claro, se o coronavírus
não voltar a ser uma grande
ameaça na Califórnia, na Geór-
gia e em outros lugares. Nesta
semana, o jornal The New York
Times publicou informações de
aumento do número de casos
em 20 estados americanos, in-
clusive na Califórnia.

RETOMADA DE


PRODUÇÃO


PRODUÇÕES DEVEM
FICAR ATÉ 20% MAIS
CARAS POR CAUSA DAS
MEDIDAS DE SEGURANÇA

Paladar


Menu dos namorados com duplas clássicas PÁG. H6


Califórnia autoriza filmagens, mas estúdios


precisam se adequar às medidas de proteção


NA


QUARENTENA


Nova fase. Filmes e séries podem voltar a ser gravados em alguns locais, mas produtores ainda se organizam para garantir o retorno seguro das equipes

Paralisação. Estúdios fecharam as portas em março para conter o avanço do coronavírus

PATRICK T. FALLON/REUTERS

HUNTER KERHART/THE NEW YORK TIMES

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