O Estado de São Paulo (2020-06-12)

(Antfer) #1

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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 12 DE JUNHO DE 2020 Política A


ELIANE


CANTANHÊDE


S


aúde e Educação são áreas sen-
síveis e estratégicas, com cor-
porações mobilizadas e gran-
de capacidade de fazer barulho. Pois
a Saúde foi obrigada a recuar e parar
de esconder os números da pande-
mia e, já no dia seguinte, a Educação
entrou na roda com uma medida pro-
visória do presidente Jair Bolsonaro
que quebra a autonomia universitá-
ria e dá poderes a Abraham Wein-
traub – inimigo número um das uni-
versidades – para nomear reitores a
bel prazer durante a pandemia.
É assim que o Brasil vai vivendo
aos trancos e barrancos. Bolsonaro

manda maquiar o número de mortes.
Epidemiologistas, sanitaristas, infec-
tologistas, cientistas e associações
médicas gritam. O Congresso, a mídia
e o ex-ministro Luiz Henrique Mandet-
ta providenciam estatísticas indepen-
dentes. E o Supremo determina a volta
da metodologia internacionalmente
aceita. Aí o governo recua.
Sem se dar tempo para respirar, Bol-
sonaro já providencia automaticamen-
te a nova crise. Se aquela era na Saúde,
que sofre um desmanche à luz do dia,
esta é na Educação, onde o ministro
Abraham Weintraub nunca explicou a
que veio, brinca no twitter de “Cantan-

do na chuva” (com guarda-chuva e tu-
do), provoca os chineses com um ví-
deo trocando os “R” pelos “L” e ataca
professores, alunos e universidades,
enquanto massacra a língua pátria.
A Saúde recuou da chocante troca de
metodologia dos números da pande-
mia num dia e já no dia seguinte Bolso-
naro anunciava uma medida provisó-
ria com a novidade: Weintraub, que
despreza as universidades (onde só há
“balbúrdia” e “plantações de maco-
nha”), vai adquirir superpoderes, pas-

sar por cima do corpo docente, do cor-
po discente e dos funcionários e indi-
car quem ele bem entender para ocu-
par temporariamente as reitorias que
vagarem durante a pandemia. Só de
pensar no tipo de gente que ele nomea-
rá, ou nomearia, dá um frio na barriga.

A reação no caso da Saúde se reprodu-
ziu no da Educação: Congresso, mídia,
professores, alunos, entidades de edu-
cação e partidos estão botando a boca
no trombone. Além do principal – Wein-
traub escolhendo reitores à sua ima-
gem e semelhança?! –, há a questão ju-
rídica, porque a MP do presidente atin-
ge a autonomia das universidades, lo-
go, é inconstitucional. Assim como re-
cuou na sonegação de dados da covid-
19, é muito provável que Bolsonaro re-
cue também no caso das universidades.
Enquanto faz da Saúde e da Educação
gato e sapato, Bolsonaro vai desdizen-
do o que disse na campanha de 2018 e o
que acaba de declarar, em 30 de abril, à
Rádio Guaíba: “Não existe nenhum mi-
nistério sendo oferecido para ninguém,
como aconteceu no passado, nenhuma
presidência de banco oficial e tampou-
co estatais”. E ainda ressaltou: “Esse é o
nosso trabalho e vai continuar sendo fei-
to dessa maneira. O resto é intriga.”
Então, intrigantes, o que aconte-
ceu? Além de ter nomeado indicados

do Centrão para fundos milioná-
rios (atenção!) da Educação e da
Saúde, o presidente também deu a
eles o Banco do Nordeste (o indica-
do caiu em 24 horas, em mais um
recuo) e acaba de brindá-los com
um ministério. Não um já existente,
mas um recriado: o das Comunica-
ções. O deputado Fábio Faria vem
aí! Ele é do PSD do ex-prefeito Gil-
berto Kassab, que integra o Cen-
trão, e genro do dono do SBT, Silvio
Santos. Uma combinação perfeita,
uma síntese da “nova política”.

Se a moda pega. O general Mark
Milley, chefe do Estado Maior Con-
junto e principal autoridade militar
dos EUA, pediu desculpas por ter
participado de uma presepada de
Trump que nada tem a ver com For-
ças Armadas: “Minha presença (...)
criou uma percepção de envolvi-
mento dos militares na política in-
terna”, lamentou. Bingo. Já imagina-
ram no Brasil? Ia ter fila.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @ECANTANHEDE
ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E
SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Bolsonaro emenda crises:
recuou na Saúde e já partiu
para cima das universidades

Ex-aliados veem


traição à retórica


da campanha


Rayssa Motta


A Justiça suspendeu portaria do
governo federal que, em abril,
triplicou o limite para a compra
de munições aos portadores de
arma de fogo. A autorização te-
ve como base um parecer de um
general que já tinha sido exone-
rado e não tinha função.
Em decisão liminar de terça-
feira, o juiz Djalma Moreira Go-


mes, da 25.ª Vara Cível Federal
de São Paulo, atendeu a um pedi-
do feito pelo deputado federal
Ivan Valente (PSOL-SP) em
uma ação popular.
Para o magistrado, a medida
não teve “motivação” plausível.
O juiz destacou ainda que, ape-
sar de ter sido editada por auto-
ridades legalmente autoriza-
das, a portaria apresenta “ví-
cio” de legalidade e desvio de
finalidade, uma vez que deixou
de consultar o Comando do
Exército, por meio de seu órgão
de fiscalização de armas e de-
mais produtos controlados, pa-
ra obter um parecer técnico so-
bre o texto. Com a medida, o
limite para a compra de de balas

passou de 200 para 600, por re-
gistro de arma de fogo.
O Estadão mostrou, com ex-
clusividade, que a portaria do
governo foi fundamentada em
pareceres de três linhas, um de-
les assinado pelo general Eugê-
nio Pacelli, quando ele já estava
exonerado do cargo de diretor
de Fiscalização de Produtos
Controlados.
No despacho, o juiz afirmou
ainda que a portaria foi editada
um dia após a reunião ministe-
rial do dia 22 de abril, no Palácio
do Planalto. Nela, o presidente
Jair Bolsonaro (sem partido) co-
bra do ministro da Defesa, Fer-
nando de Azevedo e Silva, e do
então ministro da Justiça, Sér-

gio Moro, providências para ar-
mar população contra o que ele
chamou de “ditadura” de prefei-
tos de governadores.
“Por isso que eu quero, minis-
tro da Justiça e ministro da De-
fesa, que o povo se arme”, disse
o presidente na gravação, que
foi tornada pública por decisão
do Supremo Tribunal Federal.

Em entrevista ao Estadão, o
ex-ministro Sérgio Moro admi-
tiu ter sofrido pressão de Bolso-
naro para aprovar a medida e
revelou que não se opôs ao pre-
sidente para não abrir um novo
“flanco” de conflito no mo-
mento em que tentava evitar a
troca no comando da Polícia
Federal.

PERFIL


Felipe Frazão / BRASÍLIA


O novo ministro das Comuni-
cações, deputado Fábio Faria
(PSD-RN), entra no governo
Jair Bolsonaro com um papel
de pacificador da relação do Pa-
lácio do Planalto com o Con-
gresso e a missão de melhorar
o relacionamento do Executi-
vo com imprensa.
Aos 42 anos, o deputado que
está em seu quarto mandato
na Câmara é de família tradi-
cional na política potiguar e
foi escolhido por seu trânsito
nos bastidores do Palácio do
Planalto. Faria tem a simpatia
do clã Bolsonaro, por suas rela-
ções com o setor de mídia e la-
ços familiares. É genro de Sil-
vio Santos, dono do SBT, casa-
do com Patrícia Abravanel,
uma das herdeiras e apresenta-
dora do canal. Ela é dona tam-
bém da TV Alphaville, um ca-
nal por assinatura que leva o
nome do bairro de luxo onde
moram, em Barueri, na Gran-
de São Paulo. Ministro e a mu-
lher também são sócios numa
empresa de produção artística
ligada à TV aberta, a New Be-
ginnings.
Um tipo de emissário infor-
mal do sogro em Brasília, Faria
acompanhou o presidente nu-


ma visita à casa da família de
Silvio Santos, em São Paulo,
no ano passado. Antes, Silvio
assistiu ao desfile de 7 de Se-
tembro na tribuna de honra
com o presidente. Nas redes
sociais, gosta de exibir a vida
em família com a mulher e os
três filhos. Vaidoso e com fa-
ma de galã, veste-se com ter-
nos bem cortados, costuma
deixar o cabelo mais longo,
mas em casa dá lugar aos tra-
jes esportivos. Uma de suas
predileções é fazer “lives” com
receitas e dicas de culinária.
Faria é conhecido como um
imitador entre os políticos.
Há vídeos dele imitando os
ex-presidentes Luiz Inácio Lu-
la da Silva e Dilma Rousseff.
Uma vez se passou pelo pró-
prio Silvio Santos, por telefo-
ne, para pregar uma peça em
familiares do dono do SBT. O
sogro acompanhava tudo ao la-
do do, agora, ministro. Nos
bastidores, aliados contam
que Faria também faz o perso-
nagem Bolsonaro.
O elo do novo ministro com
o setor vai além da relação
com a família Abravanel. O pai
dele, Robinson Faria, ex-gover-
nador do Rio Grande do Norte
e presidente do PSD local, é do-
no de rádios que operam no in-
terior do Estado e usam a mar-
ca Rádio Agreste. A família pos-
sui atualmente três outorgas,
duas FM e uma AM. O novo mi-
nistro foi sócio do negócio,
mas saiu formalmente da em-
presa Rádio Agreste em 2013 –
a Receita Federal ainda não re-

gistra a baixa.
Sua nomeação ocorre por
uma insatisfação com o setor
das comunicações. Chegaram
ao Planalto reclamações de de-
mora nos processos de outorga
de rádios e TVs, muitas contro-
ladas nos Estados por políti-
cos. Bolsonaro reconheceu que
o governo deixava a desejar.
Faria negou, há algumas se-
manas, que estivesse articulan-
do para que o PSD voltasse ao
comando do ministério. “Foi
uma indicação 100% pessoal,
nada a ver com o PSD”, disse
após o anúncio de Bolsonaro,
ainda no Palácio do Planalto.
Antes no PMN, Faria apoiou

e aconselhou os governos pe-
tistas de Luiz Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff. O líder
Diego Andrade (PSD-MG) dis-
se estar “pronto para ajudar
nas boas propostas do gover-
no”. O deputado Fábio Trad
(PSD-MS) foi mais crítico: “Ao
Fábio Faria, meus sinceros vo-
tos de que consiga preservar a
sanidade mental neste gover-
no e convença o presidente a
respeitar a imprensa”.
De atuação discreta no baixo
clero da Câmara, faz parte da
Mesa Diretora como terceiro-
secretário, sendo mais conheci-
do pelo trânsito nos bastidores,
inclusive com o presidente da
Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Atualmente, dedica parte de
seu tempo no papel de adversá-
rio político da governadora
Fátima Bezerra (PT), que der-
rotou o pai dele na tentativa
de reeleição, em 2018. O ex-go-
vernador ficou em terceiro lu-
gar. Faria recebeu 70.350 votos
na eleição de 2018, ocupando a
oitava e última vaga dos elei-
tos pelo Rio Grande do Norte.
Com base eleitoral no interior,

se formou há 20 anos no curso
de administração de empresas
pela Universidade Potiguar.

Lava Jato. Por duas vezes, o
deputado foi delatado em in-
vestigações contra corrupção
relacionadas à Operação Lava
Jato. Uma por executivos da
Odebrecht e outra pelos da
JBS. Os inquéritos foram arqui-
vados por falta de provas no
Supremo Tribunal Federal.
Parte das investigações se-
guiu, no entanto, na Justiça
Eleitoral com relação ao pai do
ministro. Os delatores disse-
ram que o deputado teria rece-
bido R$ 100 mil como caixa
dois na campanha de 2010.
Nas listas de propina, seu apeli-
do seria “Garanhão” ou ainda
“Bonitão”. Pai e filho negam ir-
regularidades.
Em 2009, Faria foi protago-
nista de um episódio de abuso
de dinheiro público, tendo usa-
do cota parlamentar para pa-
gar passagens de sua ex-namo-
rada Adriane Galisteu e de sua
mãe. Ele devolveu R$ 21 mil
após o caso vir à tona.

Ex-aliados do presidente Jair Bol-
sonaro criticaram a recriação do
Ministério das Comunicações e
a indicação do deputado Fábio
Faria (PSD-RN) para encabeçar
a pasta. Pelas redes sociais, anti-
gos apoiadores do presidente –
como Janaína Paschoal (PSL-
SP) e o ex-ministro Sérgio Moro


  • viram contradição de Bolsona-
    ro com suas promessas de cam-
    panha. A escolha de Faria para o
    cargo foi interpretada como
    mais um gesto de aproximação
    do presidente com o Centrão.
    “Foi para isso que eu apoiei
    esse presidente? Foi para isso
    que fomos às ruas para derrubar
    Dilma?”, escreveu a deputada es-
    tadual por São Paulo Janaína
    Paschoal (PSL) em seu Twitter.
    “Bolsonaro se ilude, pensando
    que esse pessoal do Centrão vai
    blindá-lo. Melhor seria ficar fiel
    aos princípios que defendeu na
    campanha eleitoral! Dilma che-
    gou a ter mais de 30 ministérios.
    Fosse fiel ao que prometeu, esta-
    ria muito mais forte. É triste!”
    Sem comentar a escolha do
    nome para comandar a pasta, o
    ex-ministro da Justiça e Segu-
    rança Pública Sérgio Moro criti-
    cou a criação de mais um minis-
    tério. O ex-juiz federal chamou
    a pasta das Comunicações de
    “Ministério da Propaganda”.
    “Recriado o Ministério da Pro-
    paganda. Quais serão os próxi-
    mos?”, escreveu.
    O deputado federal Júnior
    Bozzella (PSL-SP) lembrou a
    promessa de campanha do pre-
    sidente de reduzir o número de
    pastas do Executivo federal.
    “Mais um dos tantos atos que
    comprovam que Jair Bolsonaro
    se utilizou de um discurso em
    campanha. Na prática é o opos-
    to. Recria ministérios e loteia
    cargos. Nunca foi um reformis-
    ta. Nem um homem de pala-
    vra”, escreveu em seu Twitter.
    Rompida com o governo e al-
    vo constante de críticas do pre-
    sidente e de seus filhos, Joice
    Hasselmann (PSL-SP) também
    criticou o presidente e a esco-
    lha do novo ministro. Em uma
    série de tuítes, a deputada disse
    que Bolsonaro faz “aparelha-
    mento” emissoras de televisão
    simpáticas ao seu governo. /
    RENATO VASCONCELOS


Justiça suspende aumento do


limite para compra de munição


TCU pede auditoria


nas despesas do


cartão corporativo


Atraindo raios e trovoadas


lConselho

Ministro é visto como


emissário informal de


Silvio Santos em Brasília;


pai possui emissoras que


operam no interior do RN


SD ANGELO/EXERCITO BRASILEIRO–25/3/

Autorização. General Eugênio Pacelli, que assinou parecer

Para juiz, portaria com


base em parecer de
três linhas de um


general que já tinha sido


exonerado tem “vício”


lO Tribunal de Contas da União
(TCU) determinou a realização
de uma auditoria nos gastos sigi-
losos do cartão corporativo da
Presidência da República. A apu-
ração vai do período desde janei-
ro de 2017, quando Michel Te-
mer era presidente, até agora,
compreendendo um ano e meio
da gestão de Jair Bolsonaro. Co-
mo revelou o Estadão em maio, a
fatura das despesas nos quatro
primeiros meses de 2020 dobrou
na comparação com a média dos
últimos cinco anos – em um total
de R$ 3,76 milhões. A gestão Bol-
sonaro disse que gastou menos
que as anteriores. / BRENO PIRES

LUIS MACEDO/AG. CAMARA–1/8/

“Ao Fábio Faria, meus
sinceros votos de que
consiga preservar a
sanidade mental neste
governo e convença o
presidente a respeitar a
imprensa”
Fábio Trad (PSD-MS)
DEPUTADO FEDERAL

Nova função. Ministro Fábio Faria terá a função de agilizar concessões de rádios e TVs

Na herança


familiar de


Faria, rádios


e política


Fábio Faria (PSD-RN), ministro das Comunicações

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