O Estado de São Paulo (2020-06-12)

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A6 Política SEXTA-FEIRA, 12 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Caio Sartori /RIO


Desde o professor Darcy Ribei-
ro, eleito em 1982 na chapa de
Leonel Brizola, o Rio vinha ten-
do vice-governadores com his-
tórico político conhecido.
Francisco Dornelles, Luiz Fer-
nando Pezão, Luiz Paulo Con-
de e Benedita da Silva, os mais
recentes, já eram figuras atuan-
tes na política fluminense
quando foram eleitos. Com
Cláudio Castro, o vice de Wil-
son Witzel que pode se tornar
governador caso o impeach-
ment do mandatário avance, a
história é diferente. Sua atua-
ção se deu mais nos bastidores
do que sob os holofotes.
De semblante fechado nos
compromissos públicos, mas
simpático ao conversar, Castro
tem trajetória longa em outro
meio: o católico. Cantor, o ‘02’
do Palácio Guanabara já lançou
dois discos solo e, antes, inte-
grava a banda Em Nome do Pai.
É fácil achar vídeos – que até ho-
je são postados em seu canal no
YouTube – nos quais o vice exi-
be a cantoria. Num dos clipes
mais recentes, ajoelha-se dian-
te do Cristo Redentor.
Na política, antes de compor
a chapa do ex-juiz azarão, Cas-
tro era vereador de primeiro
mandato no Rio e tinha traba-
lhado como chefe de gabinete
na Assembleia Legislativa, a
Alerj, que abriu, anteontem, o


processo de impeachment de
Witzel. Chegou à parceria com
o atual governador meio por
acaso. O PSC, partido de am-
bos, não conseguiu compor
aliança com outras legendas pa-
ra a eleição, o que acabou levan-
do à indicação de um nome in-
terno para a vice. Sobrou para
Castro. Assim como a maioria
dos moradores do Estado, na-
quele momento o vereador não
tinha ideia de que eles pode-
riam ser eleitos.
O cantor católico assumiu
como missão, no início do go-
verno, de lidar com órgãos co-
mo o Detran, um dos mais co-
nhecidos pelos esquemas de
corrupção dos anos anteriores
no Rio. O departamento é um
dos que têm, hoje, influência
do Pastor Everaldo, presidente
nacional do PSC.
Durante a pandemia do coro-
navírus, Castro vinha coorde-
nando um mutirão de distribui-
ção de cestas básicas, e foi esca-
lado recentemente para correr
atrás do prejuízo político de
Witzel na Alerj – o governador
exonerou, há duas semanas, o
secretário de Casa Civil, André
Moura, responsável pela inter-
locução com os deputados.
Ou seja, está nas mãos do pri-
meiro beneficiado por um
eventual impeachment articu-
lar contra o impedimento. E a
situação é complicada. Todos
os 69 deputados presentes na
sessão concordaram com a
abertura do processo. Apesar
de os pedidos de afastamento
terem como base jurídica a
Operação Placebo, que atingiu
o governador após indícios de
corrupção na Saúde em plena
pandemia, a tentativa de tirar

Witzel do cargo também carre-
ga forte contexto político.
A relação do governador
com a Assembleia já vinha es-
garçada. Ex-secretário de De-
senvolvimento Econômico e
homem-forte do governador,
o advogado Lucas Tristão sim-
bolizava o que os deputados
consideram o modo desrespei-
toso com o qual o Executivo li-
dava com o Legislativo. Ele foi
exonerado na semana passada
numa tentativa de aceno à
Alerj, mas a iniciativa pode ter
sido tomada tarde demais.
Castro foi chefe de gabine-
te de Márcio Pacheco (PSC),
com quem também já dividiu
os palcos de shows católicos.
Líder do governo na Casa até
pouco depois da Operação
Placebo, o deputado entre-
gou a função após a exonera-
ção de André Moura. Até ago-
ra não há um novo líder esta-
belecido, e o que sobrou foi a
aposta na capacidade de diálo-
go do vice.
Assim como Witzel, Castro
não nasceu em terras fluminen-
ses. É de Santos, no litoral pau-
lista, e foi para o Rio ainda
criança. Entre os que o acom-
panham no trabalho, é tido co-
mo conciliador. Nas agendas
públicas do governador, está
sempre lá, mas pouco fala.
Há uma grande preocupa-
ção, entre aliados, em evitar
que ele seja acusado de traição


  • algo comum num País que
    tem história conturbada de vi-
    ces. O vice, dizem interlocuto-
    res, jamais imaginava que po-
    deria assumir tão cedo o gover-
    no. O horizonte mais próximo,
    na sua avaliação, seria a elei-
    ção de 2022, caso Witzel de fa-


to concretizasse o desejo de
concorrer à Presidência.

Diálogo. A abertura ao diálogo
é um elogio feito por aliados
de diferentes esferas, como
prefeitos do interior que preci-
sam de interlocução com o go-

verno e também parlamenta-
res. Ambos os grupos recla-
mam da dificuldade de conver-
sar com Witzel e classificam
Castro como uma espécie de
antítese dele. “Sabe conversar
e aprimorar ideias, sabe o lu-
gar que ocupa”, comenta um

prefeito, referindo-se ao fato
de o governador ter se perdi-
do no cargo. “Witzel está sen-
do vítima de si mesmo.”
Nessa tentativa de não pare-
cer um traidor, há quem esteja
aconselhando o vice a mode-
rar no nível de defesa que faz
do governador. Isso porque,
caso os supostos crimes come-
tidos pelo mandatário sejam
provados no futuro, Castro po-
de acabar sendo pintado como
alguém que defendeu um con-
denado pela Justiça.
No curto período como ve-
reador, o vice tinha bom trân-
sito entre políticos de diferen-
tes visões ideológicas. Entre
os projetos apresentados, or-
gulha-se do que destina 10%
da arrecadação das multas de
trânsito para pessoas com defi-
ciência.
Convicto de que ele e Witzel
não seriam eleitos para o go-
verno, Castro caiu na gargalha-
da quando o resultado da apu-
ração do pleito de 2018 come-
çou a aparecer na televisão.

A Justiça de São Paulo decretou
a quebra do sigilo bancário do
escritório de advocacia do Mi-
nistro do Meio Ambiente, Ricar-
do Salles, e da mãe dele, Diva
Carvalho de Aquino.
Em decisão proferida na se-
gunda-feira passada, o juiz Mar-
cos de Lima Porta, da 5.ª Vara da
Fazenda Pública, atendeu a pedi-


do do Ministério Público de São
Paulo, que solicitou acesso aos
documentos no âmbito de uma
investigação, aberta em julho do
ano passado, sobre suposto enri-
quecimento ilícito de Salles. O
ministro nega irregularidades
em suas contas.
Os sigilos fiscal e bancário do
próprio Salles já haviam sido

quebrados em novembro, após
recurso do Ministério Público
apresentado junto ao Tribunal
de Justiça paulista.
A investigação apura como o
patrimônio do ministro saltou
de R$ 1,4 milhão para R$ 8,8 mi-
lhões entre 2012 e 2018. Nesse
período, Salles foi secretário
particular do então governador

de São Paulo, Geraldo Alckmin
(PSDB), e chefiou a Secretaria
de Meio Ambiente no governo
do tucano.
Em uma declaração feita à
Justiça Eleitoral em 2012, quan-
do foi candidato a vereador, Sal-
les informou possuir R$ 1,4 mi-
lhão em bens, que consistiam
em aplicações financeiras, 10%

de um apartamento, um carro e
uma moto.
Em 2018, o então candidato a
deputado federal pelo partido
Novo, informou à Justiça possuir
dois apartamentos de R$ 3 mi-
lhões cada, R$ 2,3 milhões em apli-
cações e um barco de R$ 500 mil –
alta de 335% em cinco anos, corri-
gidos os valores pela inflação.

Procurado, Salles afirmou
que “todos os dados estão à dis-
posição da Justiça”. “A apura-
ção irá mostrar que não há nada
irregular.”

Pepita Ortega
Fausto Macedo


O juiz Adriano de Oliveira
França, da 28.ª Vara Federal
do Rio de Janeiro, suspendeu
a nomeação de Larissa Rodri-
gues Peixoto Dutra como pre-
sidente do Instituto do Patri-
mônio Histórico Nacional
(Iphan). O magistrado enten-
deu que Larissa, mulher de
um ex-segurança do presiden-
te Jair Bolsonaro, não possui
formação e experiência pro-
fissional compatíveis com a fi-
nalidade determinada por lei
para o instituto – a promoção
e proteção do patrimônio cul-
tural brasileiro.
Larissa é graduada em Turis-
mo e Hotelaria e cursa especiali-


zação em gestão estratégica de
marketing, planejamento e inte-
ligência competitiva.
“Embora pareça notório a es-
te órgão jurisdicional que a pro-
moção e proteção do patrimô-
nio cultural não se enquadra
dentro da expertise dos igual-
mente relevantes profissionais
formados em turismo e hotela-
ria, como a primeira ré – poden-
do por vezes até haver contrapo-
sição de interesses – em breve
busca de informação na inter-
net constata-se que todos os ex-
presidentes do Iphan, pelo me-
nos de 1988, não se formaram
em turismo e hotelaria, mas sim
em história, arquitetura ou an-
tropologia”, escreveu o juiz.
A decisão foi dada no âmbito
de uma ação popular apresenta-

da pelo deputado federal Marce-
lo Calero (Cidadania-RJ). Ele
argumentou que a nomeação
de Larissa afrontava os princí-
pios da legalidade e da eficiên-
cia da atividade administrativa,

bem como desvio de finalidade,
uma vez que ela não possuiria
diversos requisitos preestabele-
cidos para o cargo. O Ministério
Público Federal também en-
trou na Justiça contra a nomea-
ção e deu parecer favorável à
suspensão no âmbito da ação
apresentada por Calero.
Intimada, a União defendeu a
legalidade da nomeação, argu-
mentando que Larissa pertence
aos quadros do Ministério do
Turismo há 11 anos, onde era Di-
retora do Departamento de De-
senvolvimento Produtivo da Se-
cretaria Nacional de Integração

Interinstitucional.

Reclamação. Larissa foi em-
possada em 11 de maio, duas se-
manas depois da reunião minis-
terial na qual Bolsonaro recla-
mou que o Iphan “para qual-
quer obra” no Brasil, e citar co-
mo exemplo a construção de
uma loja da Havan, de Luciano
Hang – amigo e doador da cam-
panha eleitoral do presidente, e
um os empresários investiga-
dos no inquérito das fake news.
O cargo estava vago desde a
passagem relâmpago da arquite-
ta Luciana Feres, em 2019, cuja

nomeação foi feita em 11 de de-
zembro e cancelada no dia se-
guinte pelo então secretário da
Cultura Roberto Alvim. Antes,
quem comandava a autarquia,
desde 2016, era Kátia Bogéa. Ela
foi demitida depois de Hang re-
clamar no Twitter, em 7 de agos-
to de 2019, que o Iphan teria em-
bargado a obra de uma loja sua.
Na decisão, França afastou a ale-
gação de que a nomeação foi rea-
lizada para atender a interesses
privados.
A reportagem não conseguiu
contato com a defesa de Larissa
Dutra.

l Foi tudo meio por acaso. Pri-
meiro, doenças; depois, prisões;
por último, a confusão do bolso-
narismo. Hoje responsável por
abrir o processo de impeach-
ment contra o governador Wilson
Witzel (PSC), o petista André Ce-
ciliano chegou à Presidência da
Assembleia Legislativa do Rio
para um mandato-tampão em
novembro de 2017. Foi reeleito
no início do ano passado, em ple-

no auge do bolsonarismo, num
Estado em que o PT quase inexis-
te a nível local. Bem relacionado


  • já foi considerado, inclusive,
    aliado do governador –, Ceciliano
    está na Alerj desde 1999, com
    uma pausa no período em que
    assumiu a prefeitura do municí-
    pio de Paracambi. Em 2019, com
    o pragmatismo e a tentativa de
    agradar a todos que lhes são ca-
    racterísticos, foi um importante
    articulador para Witzel enquanto
    o mandatário via o bolsonarismo
    se esvair da base governista. A
    sessão que autorizou a abertura
    do processo ficou marcada pelos
    elogios ao deputado. /C.S.


lHistórico

Justiça quebra sigilo de escritório de Ricardo Salles


Petista, ex-aliado


de governador


deu aval a processo


NA WEB
Despacho.
A quebra de sigilo
do escrítório

estadao.com.br/e/despachosalles
6

ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA–27/4/

Vice. Castro é visto como mais aberto ao diálogo que o governador do Estado, Wilson Witzel

PERFIL


Cantor católico, vice é


a antítese de Witzel


Apontado como político


conciliador, Cláudio


Castro vira articulador


contra o impeachment


do governador na Alerj


Cláudio Castro, vice-governador do Rio (PSC)


IPHAN

Nomeação


da chefe


do Iphan é


suspensa


“Constata-se que todos
os ex-presidentes do Iphan,
pelo menos de 1988, não
se formaram em turismo
e hotelaria.”
Adriano de Oliveira França
JUIZ FEDERAL

Juiz entende que formação da turismóloga


Larissa Dutra não é compatível com o cargo


Iphan. Casada com ex-segurança de Bolsonaro, Larissa é formada em Turismo e cursa uma especialização em Marketing
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