O Estado de São Paulo (2020-06-12)

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A8 SEXTA-FEIRA, 12 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


João Ker
Paloma Cotes
Sandy Oliveira
ESPECIAL PARA O ESTADO


O governador João Doria
(PSDB) anunciou ontem que
o Instituto Butantã, do gover-
no paulista, fechou parceria
com um laboratório chinês
para testar e produzir uma va-
cina contra o novo coronaví-
rus. O imunizante está na fa-
se 3 – a última antes da aprova-
ção –, e o acordo prevê testes
clínicos no País com 9 mil vo-
luntários a partir do mês que
vem. Segundo Doria, se a efi-
cácia da vacina for comprova-
da, a tecnologia poderá ser
fornecida para o sistema pú-
blico do País para produção
em larga escala já no primei-
ro semestre de 2021.
“O mundo contabiliza mais
de cem vacinas em desenvolvi-
mento, mas apenas dez atingi-
ram a fase de testes. A vacina do
Instituto Butantã, em parceria
com a Sinovac Biotech, pode es-
tar disponível no primeiro se-
mestre de 2021, e com ela pode-
remos imunizar milhões de bra-
sileiros”, comentou o governa-
dor, em entrevista coletiva ao
lado de Dimas Covas, diretor
do Butantã. O imunizante foi ba-
tizado de coronavac.
De acordo com Dimas, a vaci-
na passou pelas fases 1 e 2 na
China. “É uma das vacinas mais
avançadas (em desenvolvimen-
to). Ela contém fragmentos do
vírus e tem uma tecnologia que
o Butantã domina. A da dengue
já é produzida assim, e por isso
a oportunidade deste acordo.”
A vacina é formada pelo vírus
Sars-CoV-2 isolado, multiplica-
do e inativado no laboratório
chinês. Segundo o microbiólo-
go e virologista Rômulo Neris,
da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), a ideia das
vacinas é apresentar para o orga-


nismo pedaços ou agente infec-
cioso inteiro antes da infecção
para que o nosso sistema imune
desenvolva uma “memória”
imunológica e consiga gerar
uma resposta mais rápida quan-
do a gente for de fato infectado.
Dimas explicou que os testes
iniciais foram feitos em maca-
cos e os resultados, publicados
na Revista Science. Depois, o imu-
nizante foi testado na China
com 144 voluntários e agora ou-
tros 600 são acompanhados, se-
gundo o diretor do Butantã.
“Até a fase 2, ela se mostrou mui-

to efetiva. Agora temos o desafio
de campo, ver se protege e qual é
o grau de proteção dela.”
A fase de estudos clínicos cus-
tará R$ 85 milhões ao governo
do Estado de São Paulo. Os gru-
pos prioritários para aplicação
da vacina devem ser os de maior
risco, como idosos e pacientes
com comorbidades, segundo o
governo do Estado.
Confirmada a eficácia, a vaci-
na terá de ser registrada pela
Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa). “Num pri-
meiro momento, ela pode vir da

China e depois passará a ser pro-
duzida em grande escala aqui pe-
lo Butantã”, disse Dimas. Todos
os imunizantes produzidos pelo
Butantã são destinados ao pro-
grama nacional, promovido pe-
lo governo federal por meio do
Sistema Único de Saúde (SUS).

Testagem. O Brasil se tornou
um bom local para a realização
de testes de vacina porque é
atualmente o epicentro da
doença – o País registrou na últi-
ma semana a maior média diá-
ria de mortos, acima dos Esta-

dos Unidos e do Reino Unido.
“Em breve, teremos a resposta
que toda a comunidade científi-
ca espera ter. Essa vacina deve
ter uma eficácia importante, de
pelo menos 85%. Nas fases 1 e 2,
ela apresentou essa superiorida-
de. Agora precisamos ver como
vai se comportar com os voluntá-
rios”, afirmou Sergio Cimerman,
ex-presidente da Sociedade Bra-
sileira de Infectologia e colunista
do Estadão, que participou da
entrevista a convite de Doria.
Ex-secretário executivo do
Ministério da Saúde e atualmen-

te membro do Centro de Con-
tingência contra a Covid-19,
João Gabbardo mostrou-se
preocupado com os movimen-
tos antivacinas, que cresceram
nos últimos anos na esteira da
polarização política. “Espero
que, dentro desse processo de
polarização que a gente passa
diariamente, não se crie um mo-
vimento contra a vacinação. Es-
pero que a gente tenha a união
do País. E que nós tenhamos a
possibilidade de proteger nossa
população”, disse Gabbardo. /
COLABOROU GONÇALO JÚNIOR

Imunizante contra novo coronavírus será testado em 9 mil voluntários brasileiros a partir de julho. Segundo governador João Doria, se


eficácia for comprovada, haverá fornecimento da tecnologia para sistema público e produção em larga escala no 1º semestre de 20 21


Gonçalo Júnior


A parceria do Instituto Butantã
com o laboratório chinês Sino-
vac representa mais uma etapa
da corrida pela vacina no mun-
do. Entre as 136 candidatas em
estudo atualmente, dez estão
em fase clínica, com testes em
humanos, e apenas uma já se en-
contra na fase 3, o momento de
testagem maciça. Mesmo com
o ritmo acelerado das pesqui-
sas, especialistas preveem que
campanhas de vacinação de-


vem ficar para o ano que vem.
Atualmente, três pesquisas –
do Reino Unido, da China e dos
Estados Unidos – lideram a cor-
rida. Segundo cientistas, uma
vacina é considerada mais pro-
missora ou adiantada quando
se mostra eficaz em mais etapas
dos testes pré-clínicos (ani-
mais) e clínicos (humanos).
Mas não significa necessaria-
mente que ela seja a mais próxi-
ma de ser bem-sucedida.
“Quanto mais vacinas em es-
tágios avançados, melhor. Ela
vai ser necessária no mundo to-
do. Existe muita pressa, mas tu-
do tem de ser feito de acordo
com os protocolos de pesqui-
sa”, afirma a infectologista Rosa-
na Richtmann, do Instituto de
Infectologia Emilio Ribas.
A vacina da Universidade de

Oxford, no Reino Unido, está
na fase mais avançada das testa-
gens. Ela vai aferir a eficácia em
pelo menos 10 mil pessoas a par-
tir do fim deste mês. É o momen-
to decisivo de teste da eficácia.
A vacina é feita com um vírus
(adenovírus) atenuado da gripe
comum que infecta macacos. Es-
se vírus serve de vetor para levar
ao organismo humano uma có-
pia produzida em laboratório de
uma proteína presente no novo
coronavírus. A ideia é que o orga-
nismo comece a produzir anti-
corpos capazes de reconhecer e
atacar o vírus verdadeiro em ca-
so de uma infecção real.
Especialistas apontam que a
vacina da Oxford, a mais adianta-
da, deve iniciar a produção em
larga escala até o final do ano.
Com isso, a imunização poderia
começar, em um cenário otimis-
ta, em abril. Além do desenvolvi-
mento, há fases importantes, co-
mo ampliação da capacidade de
produção, política e estratégia
de vacinação e distribuição.

SP anuncia acordo com laboratório


chinês para testar e produzir vacina


Dez de 136 candidatas


estão em fase clínica


Ana Paula Niederauer
Fabiana Cambricoli

Em uma live anteontem com
pesquisadores, Dimas Covas, di-
retor do Instituto Butantã e ex-
diretor do Centro de Contingên-
cia para a covid-19 do governo
paulista, criticou a reabertura
do comércio neste momento. Pa-
ra ele, o plano de reabertura não
deveria ocorrer e foi “precoce”.
“Não era para ser feita a aber-
tura agora, está certo. Era uma
possibilidade do plano. Porque

na realidade é o seguinte: quan-
do você faz um planejamento,
você tem de prever quando que
vai sair daquela situação. Mas ne-
nhum especialista, nenhum in-
fectologista, nenhum epidemio-
logista fala pra você que você po-
de sair com curva em ascensão.
Quer dizer, isso não faz muito
sentido, você está entendendo?
E no Estado de São Paulo, nós
não temos nenhuma curva em
descenso”, disse Dimas em ví-
deo exibido pela TV Globo.
Segundo Covas, a reabertura
do comércio incentiva a circula-
ção de pessoas e pode gerar o
segundo pico da doença. “Se vo-
cê abre, você de novo propicia a
circulação e aí você vai ter o se-
gundo pico. Quer dizer, tá esti-
mulando isso”, disse ele.
Ainda de acordo com Dimas, a

volta do comércio está aconte-
cendo por pressão dos prefeitos
que estão em campanha para
eleição municipal. “Eu acho que
o timing da abertura aconteceu
por pressão dos prefeitos. Prefei-
to está em ano de eleição, quer
dizer que é outro complicador
né. (...) Quer dizer, vai falar para
o prefeito contrariar a base dele,
contrariar os lojistas, os donos
dos negócios, os financiadores.”
Questionado ontem em coleti-
va, Dimas disse que contexto
das frases era outro. “O contex-
to que eu mencionei não foi esse
contexto que você mencionou.”
Em nota oficial, a Secretaria de
Estado da Saúde informou que
“as decisões do governo em rela-
ção à abertura lenta e gradual da
economia são pautadas por ma-
nifestação do Centro de Contin-
gência, formado por 18 especia-
listas. As opiniões pessoais dos
integrantes podem divergir,
mas a decisão que prevalece é o
do colegiado, que são baseadas
em dados técnico-científicos”.

Apresentação. Plano foi divulgado pelo governo ontem. Epicentro da doença, País se tornou um bom local para os testes

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Mesmo com ritmo


acelerado de pesquisa,


especialistas preveem


que aplicação deverá
ficar para o ano que vem


Dimas Covas considera


reabertura ‘precoce’


Sérgio Cimerman, ex-presidente
da Sociedade de Infectologia

COMO SE FAZ UM IMUNIZANTE


GOVERNO SP

Novo teste de laboratório e Sírio-Libanês custará R$ 95. Pág. A09 }


Nenhum infectologista
ou epidemiologista
sugere medida com
curva em alta, diz diretor
do Instituto Butantã

Metrópole





Como funciona a tecnolo-
gia da vacina coronavac?
A coronavac utiliza o ví-
rus inativado – ela não con-
tém vírus vivos, só fragmen-
tos. Na produção, um corona-
vírus é introduzido em uma
célula cultivada em laborató-
rio, ele se multiplica e é inati-
vado e incorporado na vacina.





A vacina está na fase 3.
Como funciona a fase?
A fase 3 será feita no
Brasil, com 9 mil pessoas. Nas
fases iniciais, teve eficácia su-
perior a 90%. É preciso obser-
var se na fase 3 teremos eficá-
cia acima de 85%. Essa porcen-
tagem já seria excelente.
Quando se fala de vacina, o
100% é muito improvável.





Estar na fase 3 significa
chances de sucesso?
Fases 1 e 2 avaliam se a
vacina é factível para usar em
seres humanos, enquanto a
fase 3 é a hora em que se vê se
ela vai funcionar mesmo. G.W.

3 PERGUNTAS PARA...

l Identificação
A primeira coisa a fazer é identifi-
car o agente causador da doen-
ça, no caso o coronavírus. O coro-
navírus tem esse nome porque
possui "espinhos" como uma co-
roa. O vírus usa os espinhos para
se conectar ao receptor ECA 2
das células humanas.


l Fragmentação
Há várias estratégias testadas. A
vacina pode usar o vírus atenua-
do ou inativo ou um gene dele
inserido em outro vírus, entre
outras, para produzir antígenos
que irão estimular o corpo a pro-
duzir anticorpos contra a doença
e evitar sua ligação com a ECA 2.

l Testes em laboratório
Na fase exploratória ou laborato-
rial, os testes são restritos aos
laboratórios. Nesse momento
são avaliadas até milhares de
moléculas para se definir a me-
lhor composição da vacina. De-
pois de experimentos in vitro, são
realizados testes em animais.

l Testes em humanos
São três as fases de testes em
humanos. Na primeira, pequenos
grupos de voluntários sadios rece-
bem o imunizante com objetivo de
avaliar a segurança e a eficácia
das respostas no sistema imunoló-
gico. Na segunda, os testes ocor-
rem com centenas de pessoas.

l Testes finais
Na fase 3, os testes da vacina
ocorrem em milhares de pessoas
e tem por objetivo primordial ava-
liar a eficácia do imunizante em
condições naturais de presença
da doença. Por isso, locais com
alta prevalência de casos são im-
portantes nessa avaliação.

l Fabricação
Se os resultados mostrarem se-
gurança e eficácia, a vacina é sub-
metida a autoridades regulatórias
para, em seguida, ser produzida
em larga escala, com mecanis-
mos de controlo de qualidade e
acompanhamento para detecção
de eventuais efeitos adversos.
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