Estado de Minas (2020-06-12)

(Antfer) #1

()



  1. ESTADO DE MINAS Sexta-feira,^12 dejunhode^2020


●Edição:CarlosMarcelo●Ediçãodearte:JúlioMoreira●Revisão:AdemarFulgêncio●Contato:[email protected]

19

84

20

20

“Quem controla opassado controla ofuturo;


quem controla opresente controla opassado”


“Oinimigodomomento semprerepresentavaomal absoluto, com
oresultadoóbviodequetodoequalqueracordopassadooufuturo
comeleera impossível.”

“E se todososoutrosaceitassemamentiraimpostapeloPartido–
se todososregistroscontassemamesmahistória -, amentira
tornava-sehistória eviravaverdade.”

“Diaadia equaseminutoaminutoopassadoeraatualizado.Desse
modoerapossível comprovar comevidênciasdocumentaisque
todasas previsõesfeitaspelopartidohaviamsidoacertadas;sendo
que,simultaneamente,todovestígiodenotícia oumanifestaçãode
opiniãoconflitante comas necessidadesdomomento eram
eliminados.Ahistória nãopassavadeumpalimpsesto,raspadoe
reescrito tantasvezesquantasfossenecessário.”

“A oreajustarosnúmerosdoMinistério daPujança,aquilonem
falsificaçãoera.Tratava-seapenas deumsubstituirumabsurdopor
outro.”

“Nãointeressase aguerraestádefato ocorrendoe, vistoser
impossível umavitória decisiva,nãoimportase aguerravaibem
oumal. Aúnicacoisanecessária équeexistaumestadodeguerra.”

“Seosfatosatestaremalgodiferente,entãoéprecisoalteraros
fatos.Dessaforma, ahistória éconstantemente reescrita.Essa
falsificaçãodiária dopassado,levadaaefeitopeloMinistério da
Ve rdade,étãonecessária paraaestabilidadedoregimequanto o
trabalhoderepressãoeespionagemrealizadopeloMinistério do
Amor.”

“Nãopermitimosqueosmortosse levantemcontranós.”


Últimoemaisimportantelivrodo
jornalistaeescritorEric ArthurBlair
(1903-1950),queadotouopseudônimo
GeorgeOrwell, 1984 foilançadoemju-
nhode 1949 eganhouduasversõespa-
ra ocinema. Mesmosendolivresadap-
tações,refletembemamensagemdis-
tópicadaobra.Aprimeiraéde1 956 e
devesercompreendidanocontextoda
épocadesuaprodução.Foi filmadaem
1955 naInglaterrapelodiretoringlês
MichaelAnderson(1920-2018),ainda
sobasombratraumáticadohorrordo
nazismoedaincipiente eameaçadora
GuerraFria.Logofoiinterpretadaco-
mocríticaferozàditaduracomunista
deJosefStálinnaURSS,mesmoporque
opróprioOrwellhaviasedecepciona-
docomoregimedoqualerasimpati-
zante emsuajuventude.
Emboranuncatenhasidoconfir-
madooficialmente,ofilme–assimco-
moArevoluçãodosbichos,outraobra
distópicadeOrwelladaptadaparao
cinema–teria sidofinanciadosecre-


tamentepelaCIA,oserviçodeinteli-
gência dosEUA,eusadocomoinstru-
mentopolíticonaguerraideológica
daCasaBrancacontraoseumaiorini-
migo,aURSS.Tantoquefoiretirado
decirculaçãopeloespóliodeOrwelle
disponibilizadonovamenteapenas
décadasdepois.
Aproduçãotemaltosebaixos.Afo-
tografiaempretoebrancodeC.M.
PenningtonRichardsampliaoaspecto
sombrio domundototalitário deOcea-
nia,vigiadopeloGrandeIrmão.Desta-
quetambémparaasatuaçõesdoator
americanoEdmondO’Brien(1915-
1985)comooprotagonistaWinston
Smith,edabelaatriz, tambémameri-
cana, JaneSterling(1921-2004),como
suanamorada.Eaindaparaojávetera-
noatorbritânicoDonaldPleasence
(1919-1995),quasesempreinterpretan-
dovilões,masnãoaqui.
Os(d)efeitosespeciaisdofilmees-
tãoentreospontosfracos,compreen-
sível paraaépoca,quandoaindaeram

precáriosnocinema. Osequipamentos
deespionagemdoGrandeIrmãopare-
cemlanternas,holofotes,lustres,pe-
quenasTVsportáteisoucoisassimila-
res,nãofazemrirporqueofilmeéde
horrorpsicológico.Masopioréafalta
deemoção,aapatiasentimentalque
nãoenvolveoespectador.Mesmo
quandoSmithétorturado,porqueou-
souamar emassacradopeloMinistério
doAmor,faltaessafunçãoidentitária.
Apesardotemapesado,nãoéumatra-
maassombrosacomoaoriginal pro-
põeàimaginaçãodoleitor.

HURTEBURTON


Asegundaversãode 1984 ,nãopor
coincidência,éde1984,oanoemque
adistopiadeOrwellnãoserealizou.É
dirigidapelobritânicoMichaelRa-
dford,hojecom 74 anos.Aprimeira
referência dofilme,quejá bastapara
qualificá-lo,independentementedo
roteiro,sãoasótimasatuaçõesdedois

dosmaioresatoresdoséculo20,os
britânicosJohnHurt (1940-2017)eRi-
chardBurton(1925-1984),quemorreu
logodepois.
Éimpressionante comoHurt seen-
caixanapeledeSmith,comsemblan-
te aomesmotemposofridoesagazem
contrapontocomseualgozinterpreta-
doporBurton,sempreestático,sem
moverummúsculodorostomesmo
nascenasmais dramáticas,típicode
umditador.Oembate entreessesdois
grandesatores/personagensjá “pagao
ingresso”daobra.Alémdisso,essaver-
sãoémuitomais realistaefielaolivro
doqueade1956,emboramenosassus-
tadoradoqueocontextodaépocada
primeira,quandoaindasetemiauma
guerraatômica.
Hoje,ooriginaldeOrwelleosdois
filmesprecisamservistosmuitoalém
dainterpretaçãorasteiracomocrítica
aocomunismo.Sãomuitomais doque
isso.Impressionantecomosãoobras
queseadaptamaocontextodecada

época.Agora,predominamasrealida-
desvirtuaiseasredessociais,porisso,
alémdoautoritarismo, 1984 também
se tornacríticoaocapitalismo,aolucro
aqualquercusto,àexposiçãoexacer-
badaeàpublicidadesemlimites.Tudo
oquevocêcomprapelainternet,por
exemplo,écontroladoporolhosvir-
tuais.Nãoàtoainspirouosrealitysho-
ws,queusurpamonomedolivro.
E, opiordetudo,ainvasãodepriva-
cidade,ummundoemquesegredose
informaçõessigilosaspodemcairno
domíniopúblicoaqualquermomento,
sejaparafinsautoritáriosquandoo
fascismovoltaaassombraromundo,
oucomerciais.Eoshackers,sãoeles
tambémoGrandeIrmãodehoje?
Aindahoje,osprincípiosideológi-
cosde 1984 (Guerraépaz,Liberdadeé
escravidãoeIgnorância éforça)atiçam
oimagináriocomnomessugestivos
comoMinistério daPaz,Ministério do
AmoreMinistério daVe rdade,mas, na
prática,eufemismosfascistas.

Duasversões paraocinema


Ojornalista,ensaístaero-
mancista Eric Arthur Blair
(1903-1950)foihumanista,li-
bertário,críticodoautoritaris-
moepreocupadocomasdesi-
gualdadessociais.Nasceuna
Índiadominadapeloimpério
britânico,filhodeumoficiale
deumamulherdeorigemfran-
cesa.Foibolsistanafamosaes-
coladeEton,masnãosuportou
oelitismoeseguiuparaaBir-
mânia,em1922,antigacolônia
inglesa,ondeingressounaPo-
lícia ImperialIndiana. Masco-

mopolicialrejeitouasinjusti-
çasquetestemunhou,acabou
contraindodengueevoltoupa-
raaInglaterra.
Admiradordoespíritolivre
eaventureirodoescritoringlês
JackLondon,Orwell,comem-
pregosprecáriosesemdinhei-
ro,chegouavivernasruasde
LondreseParis, nasegundame-
tadedadécadade1920.Paris era
entãoocentrodaintelectuali-
dademundial.Acabouoptando
pelavadiagem,nosentidoexis-
tencial,comofilosofiadevida.

Foioperáriodefábrica,poron-
dese aproximoudetrabalhado-
res.EscreveuentãoNapiorem
PariseLondres,onderelata essa
vidadifícil, masdecertaforma
reconfortanteespiritualmente
pornãoaderir aocapitalismo.
Nestaépoca,renegouatéoseu
nomeeadotouopseudônimo
GeorgeOrwell,emhomenagem
aorioOrwell,daInglaterra.
Começouatrabalharcomo
jornalistaescrevendo artigos
emjornaisdeesquerda,surfan-
donaondacomunistaqueain-

davarria omundo.Aindainsa-
tisfeito,partiuparaaEspanha
paralutarcontraogeneralFran-
conaguerracivil,já nasegunda
metadedadécadade1930.Feri-
donopescoço,voltouparaaIn-
glaterra.Aderrotadosrevolu-
cionáriosoaproximoumais da
esquerdaparaenfrentaronazis-
mo,masasatrocidadescometi-
daspeloditadorJosefStálinna
URSSoafugentaramdoideário
marxista,eOrwellabraçouo
anarquismo.
QuandoestourouaSegunda

GuerraMundial,foicorrespon-
dente darádioBBC.Apósocon-
flito,sededicouàliteraturaees-
creveusuasobrasmáximas,A
revoluçãodosbichose 1984 .Aos
47 anos,aindacomfuturopro-
missor,morreudetuberculose.
Emboratenhaescritoslivros
consideradosessenciaiseque
aindahojetêmgrandevenda-
gemereverberemnapolítica
mundial,Orwellémaisrespeita-
dopelacríticaporseusensaios
etextosjornalísticosdoquepe-
lo trabalhoficcional.

Um homeminconformado


PAULONOGUEIRA


TRECHOS DO LIVRO

Free download pdf