Estado de Minas (2020-06-13)

(Antfer) #1
COVID- 19
11

Conviver odia todo,dividir atecnologia paratrabalho,aula edivers ão:para


especialistas,novos relacionamentosdevem brotar das rusgas do isolamento


“Nãoestávamosadaptadosaesta
realidade.Osistemafamiliardeveser
repensado,paradarconta detudoisso.
Todosjuntos,cumprindoprazos,tare-
fas,demandasdiferentes,quasefazen-
dotudoao mesmotempo”,diz apsicó-
logaCibeleMarras.Paraela,firmar uma
rotinaéter segurança,enoçãodoque
vaiacontecerdepois.“A cordarnomes-
mohorário,manteras refeiçõespróxi-
masdahoraemqueeramfeitasantes,
oucompequenas mudanças.Éimpor-
tante haveralgumaconstância, consi-
derandoaindaqueacriançanãotem
todososnossosinstrumentosparali-
darcommudanças.Arotinafaz com
quese sinta segura.Cadafamíliavaiter
queencontraroseujeitodefazerisso,
aindaquelevetempo.Todosestamos
aprendendocomapandemia,precisa-
moschegaranovosarranjos,novas
adaptações”,explica.
Elalembraqueos processosvariam

conformecadacaso.“Paramuitospais,
oestudodosfilhosemcasageraestres-
se,namedidaemquepensamqueos
filhosdevemapresentaromesmode-
sempenhoquetêmnaescola,esecom-
paramaosprofessores”,analisa.Diante
dasituaçãoatípica,éprecisoentender
queéumaocasiãoderuptura.
Apsicólogacitaacriatividadeeafle-
xibilidadecomoqualidadesessenciais
nesteperíodo.“Énecessário pensarem
alternativas,fazerexperimentações,
nãoficarcongeladoemumadireção.
Nãoéprecisodaratividadesàs crianças
otempotodo.Tambémdevemficar
ociosas,paradarasasàimaginação,ea
criatividadeseráacionada.Ébomque
aprendamausarsuascapacidadesli-
vremente”,acrescenta.

EQUILÍBRIOCynthiaDeFilippoMe-
nicucci, de43,eomarido,Eduardo,de
49,já podemcomemorarpelomenos

umaconquistadessestemposdeiso-
lamento:afilhaCatherine,de7,
aprendeuaandardebicicletasemro-
dinhas.Ocasal,quetrabalhanaárea
deeducação,estáemmododetraba-
lhoremoto,eameninatambémvem
fazendosuasatividadespelocompu-
tador.Mas otempodolazeremfamí-
liaépreservado.
Odia deCatherinecomeçanasala,
ondeassisteefaz auladeginásticaar-
tísticacomas colegas,emtemporeal.
Emseguidavaiparaobanhoe, atéo
horário doalmoço,ospaisestabelece-
ramparaelaummomento exclusivo
paraleitura.Apósarefeição,vai parao
quartoparaas liçõeson-linedaescola.
Sãotrêscomputadoresnafamília.O
casal commáquinas da empresa eape-
quenacomumaquejá havianacasa.
Eduardo,queemépocasnormaispas-
sava muitosdiasforadeBeloHorizon-
te,agorapassatodoodia trabalhando

emcasa,emespaçopróprio deescritó-
rio. Cynthiatambémficatodootempo
nocomputador,mas atenta às necessi-
dades dafamília.
“Estamosmais unidosagora.Qua-
senãoficávamosemcasa,eratudo
umacorreria só.Observei benefícios
comessasituação,muitopontosposi-
tivos. Meumaridopassavamuitos
diasfora.Agoraestamosmais juntos
atéparaosmomentosdelazer”,diz.
Comovivememumprédiocompou-
cosmoradores,porvezesostrêsdes-
cemparaaáreacomum,brincamde
bola,queimada–efoi emumadessas
queCatherineaprendeuaseequili-
brarsobreabike. “A gora,almoçamose
jantamosjuntostodososdias.Uma
vezporsemana, assistimosafilmes.
Catherineestáassimilandobem.Ti-
nhaumarotinamuitopesada,quase
nãoparavaemcasa.Agoradizquees-
tá gostandodeficarcomafamília.”

Liçãodecasa: que família


vaisurgir da quarentena?


JOANAGON TIJO

“Mãããe,vocêtá baixandoalguma
coisa?Ainternetficoumuuuitolenta!”
“Pai,você esqueceudecarregar onote-
book? Eutenhoauladeinglês...”“Façam
silêncio,papaivaientraremumareu-
niãodoserviço...”“Nocomputador,pai?
Emeujogo?”“A lguémpodetiraroca-
chorrodaqui?Estouemumaligaçãode
trabalho!”Sevocêouviuoupronun-
cioualgumadessasfrases–outodas
elas,ousuasmilharesdevariações–
nosúltimosmeses, nãosepreocupe:
significaapenas quevocê éumdos bi-
lhõesdehabitantesdeumplanetaem
quarentenafamiliar.Aboanotícia é
que,alémdasdisputaspornacosde
tecnologiaepor fatiasmaioresdosme-
gabitesdabandalarga, apandemia
trouxemaiorconvivência dentrodeca-
saepodedeixarcomolegadonovas
formas dese relacionar emfamília.
Éoqueacreditamespecialistas,ao
analisarconseqüênciasdoisolamento
domiciliarimpostopelapandemiado
novocoronavírus,queafetadiversosas-
pectos dodiaadia.Adultos trabalhando
emhome-office,criançasejovensestu-
dandosobomesmotetoimpuseram,
abruptamente,umdesafioparami-
lhõesdefamílias,quederepente se vi-
ramobrigadasaconciliarrotinas da pro-
fissão,ocuidadoeaeducaçãodosfilhos
comumaboaconvivência. Éumaques-
tãodeequilíbrio,masninguémdisse
queseria fácil –aindamais diante do
sentimento detensãoquepairanoar.
“Oisolamento socialcolocaparaas
famíliasumgrandedesafio.Deumaho-
ra paraoutra,surgeanecessidadede
reorganizaras demandasprofissionais,
comosfilhosemcasa,intensificando
umaconvivência quesemprefoirepar-
tidacomaescola.Osconflitospodem
eclodircommais facilidade,umavez
queonível de preocupaçãoepressãoso-
breospaisémuitoforte.Issotambém
acontececomas criançaseadolescentes,
queviramsuarotinaabsolutamente
modificada”,avalia FláviaVivaldi,douto-
ra emeducaçãopelaUnicamp, desta-
candoquesãonecessáriosajustespara
queessaconvivência sejaamaisharmô-
nicaeconstrutiva possível.
Aprofessorasugereestabelecer
umanovarotina, masfazerissodefor-
maconjunta.Considerar,por exemplo,
quantotempocadaumprecisado
computador,seháumoumaisemca-
sa,quaisespaçosserãoocupadospara
otrabalhoeaqueles quepodemserdis-
ponibilizadosparabrincadeiras,eoque
mais surgircomodemanda.Atémes-
modestinar umlocalnacasaondeos
filhospossamtentardigerir tudooque
estãosentindo.“Ospaisdevemenvol-
verosfilhos,paraqueparticipemdo
processodeconstruçãoderegrasne-
cessáriasparaestemomento diferen-
ciado”,ensinaFlávia.
Épossível trabalhar comosfilhos,
porexemplo,emqueperíodododia
vãose dedicaràs tarefasdaescola.“A l-
gumas coisasqueaconteciamantese
eramtidascomoregrassagradasagora
precisamserrevistas,sobretudoem
questõescomoorganizaçãoehorário.
Nãose podeabrir mãoédoconteúdo
voltadoparaaboasaúde,aboaeduca-
çãoeaqualidadedasrelaçõeshuma-
nas”,ressalta.Elalembraaimportância
dosfilhosse sentiremacolhidos,já que
emmuitoscasosficamconfusoscoma
situação.Oquenãosignificadeixarque
avida“corrasolta”.
Oqueaprofissional considerauma
vantagememmomento de convivência
intensificadaéjustamente arevisãode
valores.“Muitasvezes,ainteraçãoésu-
perficial,movidaporquestõesmate-
riais,desuprir necessidadesbásicas,eo
diálogoéesquecido.Parafamíliasque
vinhamse distanciando,agorahápossi-
bilidadederetomadadeaspectosfun-
damentaisparafortalecervínculos.Afa-
míliavaicrescerdoponto devistada
coexistência”,salienta.
Lançandomãodacriatividade,tan-
toquantoospaispuderem,ébom
proporsituaçõesquefavoreçamoen-
gajamentodosfilhos,ocupandoo
tempodeformaprodutiva. “Mesmo
quandoacasaépequena, dáparaabrir
umespaçoparaas criançasmenores,
paraquegastemenergia.”ParaFlávia,
éinteressante construirmemóriaspo-
sitivasdesteperíodo,paraque,quan-
dotudopassar,aslembrançasnãose-
jamapenas decoisasruins.


Énesseespíritoqueocorremalgu-
masdas “noitadas”nacasadagerente
detecnologiaFrancislaineSouza,de
40 anos,edomarido,ogerente depro-
jetosFernando,paisdeTéo,de8,eEn-
zo,de4.Trabalhandoemcasa,ocasal
estátendodese reinventar paracon-
ciliaranovarotinacomas atividades
escolaresdos filhos,quetambémnão
foraminterrompidas.
Umadas soluçõescriativasfoi ex-
plorarumapaixãodeEnzo, queadora
dançar.Agora,naprogramaçãodafa-
mília,já viraramleiasnoitesde“bala-
da”.“Apagamosaluz,eumdeles éoDJ.
Fazemostiragostoelanche,coloca-
mosmúsica.Tambémbrincamosjun-
tosemcasamesmo,deesconde-es-
conde,piquepegaevideogame”,rela-
ta Francislaine.
Quandooassunto ésério,osadul-
tosusamcomputadoresdisponibili-
zadospelaempresaemquetraba-
lhameofilhomais velhousaamá-
quinaquejá existianacasaparaas-

sistiràsaulas.Depoisqueacorda,
brincaumpoucoerelaxa,apósoal-
moçoTéoficanocomputadorcolo-
cadonamesadejantarparaestudar.
Ospais ficampor perto, trabalhando,
mastambématentosaoqueofilho
precisa.“Eleacaboudeconcluirase-
manadeprovas”,conta amãe.“Con-
seguimosnosorganizareacompa-
nhar deperto.Maséalgonovopara
todosnós”,diz Francislaine.
Nasnovas formas deconvivência
emcasa,Fernandoassumiuas rédeas
dacozinha, enquanto Francislainefi-
ca mais porconta dacasaedecuidar
darotinados garotos.Nocomeço,eles
nãoentendiamporqueos paispassa-
vamodia nafrente docomputador.
Agora,já aprenderamquese trata do
trabalho.Masnãogostammuitoda
ideiadenãopoderverosavóseos
amigosdaescola.“Foitudomuito
abrupto.Elessentiram,principalmen-
te ocaçula.Derepente sumiutodo
mundo.OEnzoàsvezesacordaassus-

tado,chorando,ficoubemtriste.Pego
nocoloetrabalhocomelenos braços.
Souobrigadaacumprir otrabalho,
mastenhoqueacolhermeufilho.Ho-
je eleestámais tranquilo”,conta Fran-
cislaine.Poroutrolado,ela dizque,an-
tesdapandemia,quasenãoacompa-
nhavaos filhosemseudiaadia, eque
agoraéumarelaçãoestreita.

■■TRATARDESIPARA
CUIDARDOSFILHOS

Emtempodelaçosestreitados,há
quese viveremespaçosemocional-
mente estáveiseumponto parase ter
harmoniaéquetambémosadultos
reservemumtempoparacuidardesi
próprioseter momentosdeprazer.
“A dultossegurostransmitemsegu-
rança.Senãose cuidaremdesi, não
poderãocuidardosfilhos”,diz apsicó-
logaCibeleMarras.
LeilaDeLuca,de46,trabalhacom
terapiasalternativas eartesplásticase

háumanoemeiose separoudopro-
fessordefilosofiaDanielDeLuca,tam-
bémde46.OsdoissãopaisdeManue-
la, de15,eCaio,de11. Alémdeofere-
cerleituradetarôpelowhatsapp,no
momento,Leilaestádebruçadana
produçãodeumlivro,elaboraum
projetoligadoaarteeeducaçãoeusa o
únicocomputadordacasaprincipal-
mente noperíododanoite,atémes-
moentrandopelamadrugada.
Eladivideamáquinacomafilha,
queprecisamais, paraestudar.Oca-
çulasóusa ocomputadordevezem
quando,geralmente parajogar.Quan-
toàsatividadesescolares,Caiofaz
exercíciosqueamãe recebedaescola
eimprime.Oex-maridoestápresente
narotinados filhostodosos dias.“Ve-
mosdoqueelesestãoprecisando,
orientamos.Estamosgostandodepas-
sarmais tempojuntos.Pensoemco-
movaiser depoisqueapandemiaaca-
bar.Achoquevamossentirfalta des-
sesmomentos”,resumeLeila.

‘O sistema familiardeve serrepensado’


Balada eDJparaescapar da rotina


FrancislaineSouza,
comFernandoeos
filhosTéo eEnzo:
noitescommúsica,
dançaelanchesem
conjunto viraram
regrapara
enfrentar a
quarentena

Cynthia De Filippo,com omarido,
Eduardo,eafilha Catherine:“Quase
nãof icávamos em casa, eratudo
uma correria só. Observeibenefícios
comessa situação”

FOTOS: ARQUIVOPESSOAL/DIVULGAÇÃO

Énecessáriopensar


emalternativas,fazer


experimentações,não


ficarcongeladoem


umadireção.Nãoé


precisodaratividades


àscriançasotempo


todo.Tambémdevem


ficarociosas,paradar


asasàimaginação”


■■CibeleMarras,psicóloga
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