O Estado de São Paulo (2020-06-13)

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A12 Política SÁBADO, 13 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


E


m muitos fins de sema-
na desde que a covid-
chegou ao Brasil, os
apoiadores do presiden-
te Jair Bolsonaro reali-
zam manifestações em
Brasília e São Paulo, para demandar a
reabertura da economia, parcialmen-
te submetida a um lockdown, o fecha-
mento do Supremo Tribunal Federal
e do Congresso e o retorno do regime
militar dos anos 1964/1985. Alguns es-
tão armados. Em Brasília, Bolsonaro
com frequência se junta a eles, distri-
buindo abraços e apertos de mão e
desafiando as regras de saúde estabe-
lecidas. Nem ele e nem as pessoas
usam máscaras no rosto.
Desde que Bolsonaro, antigo capi-
tão do Exército com ideias de direita,
assumiu o governo, em janeiro de
2019, muitos brasileiros temem a
ameaça que ele representa para a de-
mocracia. Alguns argumentam que
as instituições do País são fortes o bas-
tante para freá-lo. Na verdade, o presi-
dente lotou o seu governo com ofi-
ciais militares. Mas eles são vistos co-
mo tendo uma influência moderado-
ra e as manifestações são pequenas.
As tensões aumentaram nas últi-
mas semanas. Bolsonaro se tornou
mais ameaçador, ao se dirigir ao Con-
gresso afirmando que “o tempo da
vilania acabou, agora é o povo no po-

der”, e ao Poder Judiciário dizendo
“acabou, porra!”. Alguns ministros mili-
tares, a começar pelo vice-presidente
Hamilton Mourão, general aposenta-
do, também fizeram ameaças veladas
contra o STF, o Congresso e a mídia.
Em uma mensagem pelo WhatsApp
vazada no mês passado, o ministro do
STF Celso de Mello escreveu: “temos
de resistir contra a destruição da or-
dem democrática para evitar o que
ocorreu na República de Weimar “que
foi derrubada por Hitler”. “A democra-
cia brasileira está sob uma grave amea-
ça”, diz Oscar Vilhena Vieira, diretor

da faculdade de Direito da Fundação
Getúlio Vargas (FGV). “O presidente
não vem tentando apenas criar um con-
flito institucional, mas também esti-
mulando grupos violentos”.
Deputado durante 28 anos, Bolsona-
ro nunca mostrou muito respeito pela
democracia. E se tornou mais contro-
vertido por duas razões. Em primeiro
lugar, o STF iniciou investigações que o
envolvem. Uma delas tem a ver com a
destituição do diretor da Polícia Fede-
ral para proteger um dos seus filhos con-

tra um processo, afirmam seus críticos.
E a outra se refere a apoiadores (in-
cluindo dois filhos dele) suspeitos de
orquestrarem acusações falsas e amea-
ças contra ministros do STF. A segun-
da razão é que Bolsonaro mostra pou-
ca capacidade para governar. A pande-
mia amplificou isto. Sua recusa em
apoiar os lockdowns e o distanciamen-
to social contribuíram para agravar a
propagação da covid-19, com o País re-
gistrando hoje quase 40 mil mortes, o
terceiro número mais alto do mundo.
Ele vem perdendo apoio popular em-
bora mantenha uma base de 30% de
eleitores. Um sinal da sua fragilidade é
que ele cada vez mais depende do
Exército. Dez dos seus 22 ministros
são militares e outros três mil ocupam
cargos no governo. “Na verdade, te-
mos um regime miliar”, disse um ofi-
cial aposentado. E isto representa um
risco para as forças armadas e para a
democracia. Bolsonaro tem exacerba-
do a divisão interna e a politização do
Exército, cuja disciplina e hierarquia
vêm se desgastando. Muitos oficiais de

escalão inferior apoiam Bolsonaro nas
redes sociais. Quatro generais com car-
gos no governo, dois no serviço ativo,
têm mais poder do que o comandante
das forças armadas, seu superior.
O Exército também coloca em sério
risco a sua reputação. Está hoje à fren-
te do ministério da Saúde (onde por
um breve período tentou suspender as
publicações de dados completos sobre
a covid-19), da coordenação política e
proteção do Amazonas. “Eles realmen-
te acreditam que sabem como fazer as
coisas”, diz um ex-oficial. Eles pode-
rão aprender da maneira difícil, como
durante a ditadura, que não sabem. Bol-
sonaro não parece forte o bastante pa-
ra desencadear um golpe. Ele enfrenta
oposição de muitos governadores.
Embora o vírus tenha temporaria-
mente incapacitado o Congresso, Os-
car Vilhena Vieira observa que o STF
tem atuado de uma maneira inusitada-
mente unida. Entretanto, “a democra-
cia pode desaparecer se você não tiver
um homem forte”, alerta Matias Spek-
tor, do Centro de Relações Internacio-

nais da FGV. Se Bolsonaro acabar so-
frendo um impeachment, Mourão o
sucederá, trazendo o Exército para
ainda mais perto do poder.
Uma outra ameaça, observa Spek-
tor, é o esvaziamento das institui-
ções democráticas por Bolsonaro,
como também a instigação do confli-
to. Nomeou um procurador geral
mais simpático a ele e tem influên-
cia sobre as forças de polícia esta-
duais, como também sobre a Polícia
Federal. Uma batida policial silen-
ciou o governador do Rio de Janei-
ro, que recentemente começou a cri-
ticá-lo. Os democratas brasileiros,
seus adversários, começam a reunir
uma oposição ao presidente. E es-
tão certos em ficar alarmados. /
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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Bolsonaro tem exacerbado a
divisão interna e a politização
do Exército, cuja disciplina e
hierarquia vêm se desgastando

Jair Bolsonaro


ameaça a


democracia?


Desde que assumiu o governo, em janeiro do ano passado,
muitos brasileiros temem o risco que ele representa

ADRIANO MACHADO/REUTERS-9/6/

Base militar. O presidente vem perdendo apoio popular e reforçando a presença de militares no governo
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