O Estado de São Paulo (2020-06-13)

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A18 SÁBADO, 13 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Bruno Pires / BRASÍLIA


O governo federal excluiu os da-
dos sobre violência policial no
relatório anual do Disque 100,
serviço telefônico ligado ao Mi-
nistério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos para de-
núncias de violações de direitos
humanos. O subprocurador-ge-
ral da República, Domingos Sil-
veira, coordenador da 7.ª Câma-
ra de Controle Externo da Ativi-
dade Policial e Sistema Prisio-
nal do Ministério Público Fede-


ral (MPF), afirmou ao Estadão
que a exclusão é “absolutamen-
te descabida”. Segundo ele, o ór-
gão do MPF irá oficiar hoje a pas-
ta chefiada pela ministra Dama-
res Alves pedindo explicações.
Silveira já foi responsável pe-
la supervisão do Disque 100 em
2011, quando esteve à frente da
Ouvidoria Nacional dos Direi-
tos Humanos, à qual o serviço
estava ligado. Destacou que os
dados de violência policial nun-
ca deixaram de ser divulgados.
“O Disque 100 é o call center
de denúncia de direitos huma-
nos. É uma forma de medir,
com dados globais, a sensibili-
dade da sociedade em relação
às violências, incluindo a poli-
cial. É descabido quando se le-
vantam elementos de ordem
formal, consistência (para não

divulgar dados). Um papel de ór-
gãos de ouvidoria não é de verifi-
car; isso cabe à corregedoria, Po-
lícia, MP e Justiça”, disse.
O coordenador da Câmara de
Controle Externo da Atividade
Policial criticou a argumenta-
ção do ministério para a impren-
sa de que a retirada dos dados se
deu por “inconsistências”. Se-
gundo Silveira, se o problema
fosse metodológico, para corri-
gir inconsistências, a exclusão
temporária dos dados deveria
valer para todo o relatório, e
não apenas sobre as partes que
tratam de violência policial.
Segundo o subprocurador-ge-
ral, a violência policial se torna
ainda mais grave quando as in-
formações sobre ela são “obscu-
recida”. “Quando se tem a notí-
cia através de canal oficial, que
é o Disque 100, e essa notícia é
silenciada, temos o próprio go-
verno contribuindo para a vio-
lência policial. É muito grave.”
A exclusão dos dados, segun-
do ele, é ainda mais preocupan-
te em um momento no qual o
mundo inteiro debate intensa-
mente o tema da violência poli-
cial, na esteira dos protestos

contra o racismo iniciados nos
EUA após a morte de George
Floyd, homem negro, por um
policial branco. “A resposta do
Estado brasileiro foi esconder.”

Denúncias em alta. O relatório
anual do Disque 100 vinha mos-
trando aumentos nas denúncias
de violência policial. Em 2016,
houve 1.009 registros. Em 2017,

o número aumentou 30%, para
1.319. Os dados em 2018 aponta-
ram nova elevação, de 24%, para
1.637. Os dados do Disque 100
são usados para orientar o desen-
volvimento de políticas públi-
cas, bem como verificar a eficá-
cia das políticas em andamento.
“É um espaço onde se ouve o ge-
mido da dor da população que
sofre as diversas violências. Por
isso, ele tem sido avaliado para
comparar a situação de um lugar
para o outro. É um indicador na-
cional para a violência”, disse.
As denúncias motivam apura-
ção de má conduta de policiais.
Após serem recebidas, devem
ser enviadas para rede de apoio
e verificação. “Cada denúncia
deve ser comunicada ao MP e à
corregedoria da PM”, disse.
O Ministério informou que
“há registros com marcador de
suspeito como agente policial,
mas com informações na descri-
ção da violação que levam a en-
tender o contrário. Assim como
há registros não marcados, mas
as informações contêm relação
com violação supostamente
praticada por agente policial.”
A pasta pediu novos estudos.

Poder. Medida provisória permitia que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, escolhesse os reitores livremente durante o período da pandemia

Daniel Weterman / BRASÍLIA


O presidente Jair Bolsonaro
revogou ontem a medida pro-
visória que modificava a for-
ma de escolha de reitores de
universidades e institutos fe-
derais durante a pandemia do
novo coronavírus. A decisão
foi tomada após o Congresso
Nacional ter devolvido, pela
manhã, a MP a Bolsonaro, o
que, na prática, cancelava os
efeitos do texto. Esta foi a
quarta vez na história que o
parlamento tomou tal atitu-
de em relação a uma medida
provisória assinada pelo pre-
sidente da República.
Bolsonaro editou na quarta-
feira passada a MP 979/2020,
que permitia ao ministro da Edu-
cação, Abraham Weintraub, es-
colher durante a pandemia livre-
mente reitores de universida-
des e institutos federais. A MP
eliminava a necessidade do pro-
cesso de consulta pública ou lis-
ta tríplice para embasar a defini-
ção dos nomes. Na prática, o pre-
sidente poderia intervir direta-
mente no comando e restringir
a autonomia das instituições.
A publicação da MP desenca-
deou forte reação. A Associação
Nacional de Dirigentes das Ins-
tituições Federais de Ensino Su-
perior (Andifes) acusou o presi-
dente de querer interferir na au-
tonomia universitária, definida
pela Constituição Federal.
No Congresso, deputados e
senadores pressionaram o pre-
sidente do Senado, Davi Alco-
lumbre (DEM-AP), para devol-
ver o texto desde que foi publi-
cado. Partidos de oposição for-
malizaram requerimentos soli-
citando a devolução imediata
da medida. Outros parlamenta-
res pediram que a Câmara Fede-
ral e o Senado derrotassem a
MP no voto na próxima sema-
na, para mandar um recado
mais ameno ao governo.
Ontem pela manhã, o presi-
dente do Senado assinou a devo-
lução do texto, publicando o
ato em edição extra do Diário do
Congresso Nacional, o que, na
prática, cancelava os efeitos do
texto presidencial. Pressiona-
do, Bolsonaro, então, recuou e
revogou a medida provisória.
Desde 1988, só três MPs ha-
viam sido devolvidas pelo Legis-


lativo, nos governos José Sar-
ney, Luiz Inácio Lula da Silva e
Dilma Rousseff.
A devolução pegou o Planalto
de surpresa. A atitude fez o pre-
sidente da República ligar on-
tem para o presidente do Con-
gresso e tentar um acordo. Alco-
lumbre, porém, insistiu na devo-
lução. O Planalto minimizou a

reação. No Twitter, o ministro
da Secretaria-Geral da Presi-
dência, Jorge Oliveira, disse
que Bolsonaro atendeu a uma
“sugestão” do presidente do Se-
nado ao revogar a MP.
Ao assinar a devolução, Alco-
lumbre não citou apenas um er-
ro formal da MP, mas o mérito,
mandando um recado político
ao governo. O presidente do
Congresso apontou dispositi-
vos da Constituição que garan-
tem “gestão democrática do en-
sino público e autonomia admi-
nistrativa às universidades”. Pe-
lo Twitter, avisou que não deixa-
ria tramitar propostas que vio-
lassem a Carta Magna.

Impacto. A mudança na forma
de escolha dos reitores afetaria
25% das universidades, cujos di-
rigentes têm mandatos que se
encerram até o fim do ano.

Entre as 16 instituições que
seriam afetadas em 2020, es-
tão a Universidade de Brasília
(UnB) e as Federais do Rio
Grande do Sul (UFRGS), de
São Carlos (UFSCar) e do Para-
ná (UFPR). Outras duas te-
riam troca de dirigente em ja-
neiro. Há 68 instituições fede-
rais de ensino superior, mas só
63 delas têm processos seleti-
vos. As outras cinco foram cria-
das recentemente e estão com
reitores temporários.
Em nota divulgada ontem, a
Andifes parabenizou Alcolum-
bre pela decisão. “A decisão me-
rece todo aplauso de nossas
universidades e da sociedade.
Com seu importante gesto, rea-
firmou-se o valor elevado e in-
condicional da autonomia da
universidade pública, da ciên-
cia e, sobretudo, da democra-
cia brasileira.”

Ao excluir a comunidade aca-
dêmica do processo de esco-
lha de reitores, a medida pro-
visória configurava, segundo
análise de especialistas, viola-
ção ao princípio da gestão
democrática do ensino públi-
co, o que está previsto no ar-
tigo 206 da Constituição Fe-
deral de 1988. Em comple-
mento, o artigo 207 fala espe-
cificamente sobre a autono-
mia universitária: “universi-
dades gozam de autonomia
didático-científica, adminis-
trativa e de gestão financeira

e patrimonial”. “A autono-
mia universitária impede a
imposição de medidas de in-
tervenção no âmbito interno
das instituições de ensino —
o que envolve, evidentemen-
te, a escolha de seus dirigen-
tes”, escreveram oito parti-
dos em um pedido apresenta-
do ao Supremo Tribunal Fe-
deral contra a medida provi-
sória. Além disso, uma lei de
1968 alterada em 1995 prevê
expressamente que a nomea-
ção de dirigentes pelo presi-
dente será precedida necessa-
riamente de consulta à comu-
nidade universitária, com
formação de lista tríplice en-
tre os mais votados.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Sob pressão, Bolsonaro revoga MP que


mudava escolha de reitores federais


lGestão

Decisão ocorreu após presidente do Senado, Davi Alcolumbre, devolver a medida provisória, o que na prática cancelava os efeitos do


texto. Esta foi a quarta vez na história que o Congresso brasileiro tomou tal atitude em relação a uma MP do presidente da República


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Autonomia está


na Constituição


lGrave

SP mantém taxa de isolamento mesmo com reabertura. Pág. 20 }


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–9/4/

63
instituições federais possuem
processo seletivo para escolha
de dirigente no País. A medida
provisória poderia afetar a esco-
lha de reitores em 16 institui-
ções, onde o mandato do gestor
se encerra neste ano. Outras
duas têm troca prevista para ja-
neiro do ano que vem.

Metrópole


PARA ENTENDER

GABRIELA BILO/ESTADÃO–15/5/

Mudança no balanço do


Disque 100, do Ministério


da Mulher, Família e


Direitos Humanos,
desencadeou criticas


“Quando se tem a notícia
por meio de canal oficial, o
Disque 100, e essa notícia é
silenciada, temos o governo
contribuindo para a
violência policial.”
Domingos Silveira
SUBPROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

Governo exclui


dados de violência


policial de relatório


Oficial. MPF cobrará explicações da pasta de Damares
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