O Estado de São Paulo (2020-06-14)

(Antfer) #1

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A14 Metrópole DOMINGO, 14 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ROSELY


SAYÃO


R


eceio de ser infectado, medo
de morrer – e de ficar sozi-
nho no hospital –, tristeza
por estar distante de colegas e de
amigos por tanto tempo, inseguran-
ça com o que acontecerá amanhã,
angústia por pouco saber a respei-
to do vírus e do que acontecerá no
futuro próximo etc.
Muitos experimentam algumas
dessas emoções ora alternadas, ora
juntas, e cada um usa as defesas
pessoais que construiu até então
para se proteger delas o suficiente
para não esmorecer, para não se
entregar nesse período de tanta
instabilidade e de tantas crises ao
nosso redor.
Algumas pessoas são resilientes.
Essas, desenvolveram a capacidade
de enfrentar as adversidades que a
vida lhes apresenta como desafios
e de aprender com elas e, sobretu-
do, de se adaptar rapidamente ao
contexto que vive no momento.
Alguns acreditam que ser resiliente
é ser otimista, mas parece que ser

realista faz mais sentido nesse caso, já
que é preciso não negar a realidade.
Resiliência se constrói durante a vida
toda, desde a infância, e é uma carac-
terística que tem permitido a muita
gente seguir em frente de maneira
saudável nesse período tão conturba-
do que vivemos.
Há também os que conseguem lidar
com essas emoções usando o autoco-
nhecimento e o consequente respeito
consigo mesmo para seguir, passo a
passo, caminhando na vida e realizan-
do o que precisa. O autoconhecimen-
to é ferramenta pessoal das mais pre-
ciosas e, à semelhança da resiliência,
também se desenvolve durante toda a
vida já que somos dinâmicos e muda-
mos sempre.
Há os que buscam ajuda, seja ela
profissional ou esteja mediada pelas
artes e pela cultura, há os que passam
a viver mais no mundo virtual, há os
que se entregam a múltiplas ativida-
des incansavelmente, por exemplo.
E há também os que recorrem ao
uso de drogas para enfrentar melhor

a pandemia e o isolamento. É o que
tem acontecido com pelo menos me-
tade dos jovens brasileiros, segundo
levantamento realizado recentemen-
te pelo Centro de Convivência É de
Lei, apoiado pelo Grupo de Pesquisa
em Toxicologia e pelo Laboratório de
Estudos Interdisciplinares sobre Psi-
coativos, da Unicamp.
Não é de hoje que o uso de drogas
por adolescentes e jovens – tanto as
lícitas quanto as ilícitas – é preocupa-
ção da sociedade. É nessa faixa de ida-
de que mais se observa o uso dessas
substâncias, e o início está cada vez
mais precoce, entre os 12 e os 16 anos,
mais ou menos.
As drogas lícitas mais usadas por eles
são o álcool e o tabaco, mas não pode-
mos ignorar o crescente uso de medica-
mentos – sim, remédios são drogas
que, usados adequadamente produ-
zem benefícios ao organismo, mas usa-
dos sem acompanhamento médico e
para resolver situações difíceis, produ-
zem muitos efeitos negativos.
Ainda não conseguimos estabelecer
políticas públicas e educacionais que
colaborem com essa questão, apesar
de esse não ser um problema novo.
Estamos, quase sempre, oscilando
entre a repressão e a moralização des-
se uso, o que o tempo tem mostrado
que não são medidas efetivas.
As escolas, por exemplo, são, em sua
maioria, ocupadas 100% de seu tempo
no ensino de conteúdos escolares. Dis-

ciplinas humanistas e artísticas, que
ajudariam muito no desenvolvimento
pessoal e social, não costumam ser po-
pulares, nem entre as famílias, para
falar a verdade. E são elas as maiores
colaboradoras no trabalho indireto de
prevenção ao uso de drogas.
Vivemos numa sociedade que,
mesmo sem querer e sem perceber,
estimula o uso das drogas, conside-
rando aqui o seu conceito amplo.
Usamos muito agrotóxicos para ter
à mesa verduras e legumes vistosos,
não suportamos nem pequenas do-
res, físicas ou psíquicas, sem recor-
rer ao uso de medicamentos, entre
outras coisas.

Dessa maneira, aos poucos os mais
novos vão apreendendo e aceitando
como normal o conceito de uso das
drogas: “quando queremos melhorar
nosso desempenho, cognitivo ou so-
cial, ou quando um mal-estar qual-
quer nos assalta, certamente encon-
traremos uma substância que irá ali-
viar o que de desagradável nós senti-
mos e/ou irá melhorar nossa atua-
ção”. É ou não é isso?
Não é à toa que adolescentes e jo-
vens usam muita bebidas alcoólicas
em festas e fazem um verdadeiro tráfi-

co de medicamentos estimulantes
em épocas de provas consideradas
decisivas para eles.
Nada mais desafiador para todos
enfrentar a pandemia e o distancia-
mento social e as emoções e os sen-
timentos que ela provoca e, para os
jovens, o desafio é ainda maior, tan-
to quanto o estresse, a angustia e a
ansiedade.
A família que percebe ou descon-
fia que os filhos adolescentes ou
jovens estão no uso, beirando o
abuso, de drogas pode ajudá-los?
Sim, pode.
Primeiramente, é preciso ceder à
tentação de aplicar punições. Preci-
samos entender que, neste momen-
to, ao usar drogas, eles estão bus-
cando ajuda para enfrentar a situa-
ção. Também é importante reco-
nhecer que nem todo usuário de
qualquer droga se tornará depen-
dente dela: há jovens que usam dro-
gas para recreação, por exemplo.
Conversar com os filhos é impor-
tante contribuição: dar escuta às
suas dores, reclamações e pesares e
dialogar com seus argumentos é a
base dessa troca de ideias. E man-
ter-se sempre como mãe e pai em
quem eles podem sempre poderão
confiar. Vínculo amoroso é o que
torna isso possível.

]
É PSICÓLOGA

Compra de


insumos é


desafio em


Heliópolis


Aberto há 3 semanas, hospital de campanha


está com 22 dos 24 leitos de UTI ocupados


E-MAIL: [email protected]
ESCREVE QUINZENALMENTE

João Prata


Enquanto a cidade de São
Paulo começa a colocar em
prática o plano de reabertura
econômica, o hospital de cam-
panha de Heliópolis, na zona
sul, vê crescer dia após dia o
número de pacientes interna-
dos e enfrenta, assim como
outras unidades de saúde pe-
lo Brasil, dificuldades para
comprar insumos. O cenário
foi traçado pelo médico Pau-
lo Quintaes, superintenden-
te do Serviço Social da Cons-
trução Civil (Seconci-SP), a
organização social que faz a
gestão do Heliópolis.

“Nos próximos 30 dias, va-
mos chegar certamente a um
índice de 90% de ocupação, se
não a totalidade. Estamos no pi-
co da doença e vivemos uma
abertura. As pessoas não aguen-
tam mais ficar em casa, mas não
é porque o comércio está aber-


to que você vai sair para fazer
compras”, afirmou ao Estadão.
O hospital de Heliópolis – o
primeiro de campanha monta-
do dentro de uma unidade de
saúde – começou a funcionar há
três semanas. Para isso, o cen-
tro cirúrgico foi adaptado para
a construção de uma Unidade
de Terapia Intensiva (UTI)
completa, com 24 leitos – 22 de-
les ocupados atualmente.
Uma tenda de atendimento
foi erguida no estacionamento.
Dos 176 leitos de enfermaria,
130 estão ocupados. Mais de
270 pacientes já foram atendi-
dos desde a abertura, de acordo
com Quintaes. E a ocupação
cresce diariamente. Segundo o
médico, leitos de enfermaria po-
derão ser transformados em de
UTI, se houve necessidade.
Ele chama a atenção para a di-
ficuldade em relação ao abaste-
cimento de insumos.
“Não é algo nosso, mas de to-
dos os hospitais. No começo
eram os EPIs (equipamentos de
proteção individual) , o que já se
resolveu. Antes pagávamos R$
0,10 por máscara, ela chegou a
custar R$ 3,40 e agora o preço
está baixando. Estamos no mo-
mento com problema para com-
prar medicamento para sedar o
paciente (para o processo de entu-
bação). E esses sedativos estão

em falta no Brasil inteiro. Os fa-
bricantes não conseguem su-
prir a necessidade”, disse o su-
perintendente.
Segundo o médico, foram in-
vestidos R$ 30 milhões para
custear o hospital, valor que
envolve manutenção do servi-
ço, contratação dos profissio-
nais, equipamentos, insumos.
Outros R$ 927 mil foram inves-
tidos para aquisição de equipa-
mentos de ventilação, biom-
bo, separadores e mesas de ali-
mentação.

Distanciamento. Quintaes con-
ta que é difícil para os morado-
res de Heliópolis fazerem o dis-
tanciamento social, por causa da
precária situação de habitação.
“Infelizmente na comunidade o
distanciamento social é muito
difícil. O número de pessoas que
coabitam o mesmo endereço é
muito grande. As residências
têm dois, três cômodos, e de 10 a
15 pessoas. Além disso, o comér-
cio na comunidade está funcio-
nando, assim como os bailes
funks, e isso afeta a população.”

O guarda civil Cesar Russoma-
no, de 46 anos, pensou que fos-
se morrer quando o médico o
encaminhou para o hospital de
campanha de Heliópolis. Para
quem levava uma vida saudável
e nunca precisou enfrentar pro-
blemas de saúde até então, ser
internado e necessitar de uma
máscara e ajuda para respirar
era um caminho sem volta.
“Procurava não pensar na mi-
nha mulher e nas minhas duas
filhas porque só chorava. Ten-
tei focar na minha recuperação,
porque pensei que tinha ido pa-
ra lá para morrer”, conta. Fo-
ram 13 dias de internação até
seu pulmão retomar as funções
sem precisar do respirador.
Nesse período, ele procurava
observar os outros pacientes pa-
ra tentar entender um pouco
mais as reações da doença. Mas
era difícil, porque notou que ca-
da pessoa reagia de uma manei-
ra. Em frente ao seu leito, por
exemplo, ele viu um homem de
meia idade chegar aparente-
mente sem nenhum problema,
sem nem precisar de máscara
no primeiro dia.
“De repente, ele piorou e pre-
cisou da UTI. Veio outro pacien-
te para aquele leito e também
foi encaminhado para a UTI.”
Com Russomano foi o con-
trário. Ele chegou com falta
de ar do ao hospital e, com o
passar dos dias, melhorou.
Mas a sensação de que não iria
morrer demorou. “Vivemos al-
tos e baixos lá. Porque quando
você parece que está melho-
rando, diminuem a oxigena-
ção e você piora. Aí volta tudo
de novo.”
Cada passo foi dado lenta-
mente até há quatro dias, quan-
do Russomano recebeu a notí-
cia de que teria alta médica.
“Queria agradecer ao atendi-
mento de todos neste momen-
to”, disse o guarda civil, que pe-
diu uma semana de folga do tra-
balho para pagar contas e reco-
locar sua vida nos trilhos. / J.P.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Ameaça aos jovens


COBERTURA NOVA
ACLIMAÇÃO - VISTA 360º
Vendo com 423m^2 á.ú. 4 suítes, 7 vagas
Quadra de tênis oficial.
(11)98188-

Artistas ajudam


na conscientização


dos mais jovens


lMorador de Heliópolis há mais
de 30 anos e presidente da Cen-
tral Única das Favelas (Cufa) do
Estado de São Paulo, Marcivan
Barreto tem realizado diversas
ações neste período de pande-
mia e apelou até para artistas
populares do samba, rap e funk
para ajudar na conscientização
das pessoas na comunidade.
Marcivan pediu para eles en-
viassem áudios alertando para o
problema do novo coronavírus.
Ele está terminando a edição das
vinhetas com cantores como Do-
dô, do grupo Pixote, Ndee Naldi-
nho e Mc Kevin. A intenção é na
próxima semana sair com carro
de som pela comunidade para
tentar convencer principalmente
os mais jovens, que continuam
saindo à noite, organizando fes-
tas nas ruas, o chamado Fluxo,
da importância do isolamento.
“São 65 mil famílias que vivem
aqui. A epidemia chegou agora
na favela. Na região do Ipiranga
houve 110 óbitos, 60 só em Helió-
polis. É preocupante.” /J.P.

l Sem ilusão


‘Pensei que


tinha ido lá


para morrer’


Brás lota; entidades do comércio admitem dificuldade de fiscalização. Pág. A15 }


Pelo menos metade dos
adolescentes está recorrendo
ao uso de drogas na pandemia

SECONCI/DIVULGAÇÃO

Novo. Primeiro hospital de campanha na periferia atendeu 270 pacientes desde abertura

“Enquanto não tivermos
um alto porcentual da
população imunizada, a
doença existirá. Não temos
vacina nem tratamento.”
Paulo Quintaes

SUPERINTENDENTE DO SECONCI


Problemas. Paulo Quintaes: ‘Sedativos estão em falta’

GOVERNO SP
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