O Estado de São Paulo (2020-06-14)

(Antfer) #1

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A8 Política DOMINGO, 14 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


VERA


MAGALHÃES


P


erdemos. O Brasil não se recu-
perará da derrota acachapan-
te nesta pandemia. Caminha-
mos resolutos para romper a barrei-
ra de 50 mil mortes e 1 milhão de
infectados relegados à própria sor-
te: sem ministro da Saúde, sem isola-
mento social em canto algum, sem
estratégia, sem governos.
E com um presidente da Repúbli-
ca que comete crimes diariamente e
não é impedido de fazê-lo ou por-
que os que o cercam, seus ministros
e seu vice, são cúmplices, ou porque
os que tentam têm à sua disposição
instrumentos legais e institucio-
nais que não são capazes de lidar

com a sanha autoritária e genocida
que Jair Bolsonaro já não faz questão
de esconder. O que vai pará-lo? Ou va-
mos assistir inertes a uma escalada
que não tem limites?
Em fevereiro, quando informei que
Bolsonaro estava escondidinho no
WhatsApp convocando atos golpistas
contra o Supremo e o Congresso, ele
mentiu e me ofendeu.
Agora, aquelas mensagens parecem
coisa de criança perto do que o capitão
já fez às claras, ao vivo, em rede nacio-
nal, nos palácios que ocupa como se
fossem a casa da mãe Joana.
Um breve retrospecto: o presidente
já participou, de carro, a cavalo, de

helicóptero, a pé ou na boleia de cami-
nhonetes de pelo menos seis atos de
natureza claramente antidemocráti-
ca. Os convocou, chancelou, festejou,
apoiou e abriu a rampa do Planalto
para eles; Bolsonaro mandou censu-
rar e maquiar os números de covid-
no Brasil. Só recuou depois que o Su-
premo exigiu; em sua sanha persecu-
tória, demitiu um ministro da Saúde e
viu outro se demitir porque queria
que eles prescrevessem remédio sem
eficácia comprovada ou maquiassem

os números que depois o general inte-
rino topou torturar; agora o presiden-
te deu de flertar abertamente, inclusi-
ve em notas nas redes oficiais, com a
interpretação golpista do artigo 142
da Constituição, com a assinatura de
Hamilton Mourão e dos demais gene-
rais ministros, para tentar acossar o

Supremo; como se não bastasse tudo
isso e muito mais que não cabe em
uma coluna, o presidente atingiu o su-
prassumo da bestialidade ao concla-
mar (e ser imediatamente atendido)
seus apoiadores igualmente lunáti-
cos a invadirem hospitais para filma-
rem leitos vazios.
Isso precisa parar. O presidente pre-
cisa ser instado, a partir de representa-
ção imediata do Ministério Público Fe-
deral ou dos partidos ao Judiciário, a
se retratar de maneira inequívoca des-
sa última sandice que é crime contra a
saúde e a ordem públicas e afronta de
maneira textual vários artigos de tex-
tos legais, da Constituição à Lei de Abu-
so de Autoridade, passando pelo Códi-
go Penal de cabo a rabo.
É uma vergonha que ministros que
se dizem democratas aceitem jogar
sua biografia na lata do lixo servindo a
um regime que condena o País a esses
atentados diários ao bom senso, à paz
social, à saúde pública e à economia,
porque ninguém mais é capaz de acre-
ditar na balela cínica de que alguém

que age dessa forma tresloucada
tem qualquer preocupação com em-
pregos e crescimento.
Paulo Guedes pode até fingir que
acredita que vamos voltar (voltar?)
a crescer depois desse pesadelo,
mas não é possível que coloque a
cabeça no travesseiro à noite e não
reconheça que nenhum investidor
com juízo vai colocar dinheiro num
País desgovernado.
E governadores e prefeitos, que
tiveram do STF a delegação de cui-
dar das suas populações já que o go-
verno federal não era capaz? Joga-
ram a toalha e resolveram também
se fingir de loucos.
Reabrir a economia na base do va-
le-tudo, como estão fazendo de Nor-
te a Sul, é tão criminoso quanto o
show de horrores diário de Bolsona-
ro. As ruas abarrotadas, as filas em
shoppings, as festas cobrarão seu
preço em mortes e hospitais colap-
sados. E não será possível jogar a
culpa toda em Bolsonaro. Fracassa-
mos como País.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @VERAMAGALHAES
POLITICA.ESTADAO.COM.BR/COLUNAS/VERA-MAGALHAES/

Derrotados


Jussara Soares
Vinicius Valfré /BRASÍLIA


Ainda embrionários, frag-
mentados e sem liderança
única, os movimentos contra
o governo que ganharam for-
ça nas últimas semanas já
obrigam o presidente Jair Bol-
sonaro e apoiadores a pôr em
prática uma plano de reação.
Sem saber a dimensão que os
manifestos nas redes sociais
e nas ruas alcançarão, a estra-
tégia bolsonarista é tentar su-
focar ainda no início esses
grupos construindo a narrati-
va de que são violentos e, por
isso, devem ser criminaliza-
dos. Eventuais confrontos
com a polícia serão explora-
dos como exemplo de que “o
governo é o lado certo.”

Bolsonaro, que durante sete
domingos consecutivos partici-
pou de atos em Brasília, pediu,
diante do avanço dos protestos
contra ele, para seus apoiado-
res ficarem em casa no final de
semana passado. Publicamen-
te, o argumento era para se evi-
tar um confronto entre manifes-
tantes contra o governo. Nos
bastidores, no entanto, a preo-
cupação é política.
O Palácio do Planalto temia
que a comparação entre os nú-
meros contra e a favor do presi-
dente possam mostrar um cená-
rio desfavorável, evidenciando
que a proporção crítica ao gover-
no era maior. A avaliação é a de
que, se isso ocorrer nos próxi-
mos protestos, pode entusias-
mar opositores, assim como
ocorreu com a ex-presidente
Dilma Rousseff, que sofreu im-
peachment em 2016.
Na Câmara, há 45 pedidos de
impedimento de Bolsonaro.
Até agora, nenhum foi aprecia-
do pelo presidente da Casa, Ro-
drigo Maia (DEM-RJ). Parla-
mentares alegam que os proces-
sos não avançaram porque, em
meio ao isolamento social, falta
clima nas ruas para um impedi-
mento. O temor dos bolsonaris-
tas é que o ambiente comece a
ser criado agora.
Nas últimas semanas, Bolso-
naro aplicou vacinas contra os
atos e adjetivou os manifestan-
tes contrários a ele de “terroris-
tas”, “marginais”, “desocupa-
dos”, “maconheiros” e “vicia-
dos”. Pediu aos pais que não dei-
xem os filhos participar de atos.
“Isso não é liberdade de expres-
são, é quebra-quebra”, disse em
transmissão na “live” da quin-
ta-feira passada. E fez uma ex-
planação condenando grupos


antifascistas e os associando
aos black blocks, que ganharam
as ruas nas manifestações de
2013 com episódios de violên-
cia. Os protestos ocorridos na-
quele ano, no entanto, foram
marcados também pela atua-
ção de agentes infiltrados das
polícias e das Forças Armadas
para provocar confusão e, as-
sim, justificar uso de bombas.
Na segunda-feira passada, de-
pois dos atos, Bolsonaro ava-
liou que as manifestações con-
trárias ao governo são “o gran-
de problema do momento”. “Es-

tão começando a colocar as
mangas de fora”, disse o presi-
dente a apoiadores, no Palácio
da Alvorada. Os atos ocorreram
no Distrito Federal e em ao me-
nos 11 capitais. A adesão foi
maior em São Paulo, onde tam-
bém houve panelaços e buzina-
ços contra o presidente. Novos
atos estão marcados para hoje.

Escalada. A arquiteta Monica
Benício, companheira da ex-ve-
readora do Rio de Janeiro Ma-
rielle Franco, assassinada em
2018, avalia que a onda de pro-

testos pode crescer diante da
conduta do presidente. “Fo-
mos os primeiros a falar que fi-
car em casa era ato de responsa-
bilidade, mas também é urgen-
te que a gente ocupe as ruas
com responsabilidade, com cui-
dados com a saúde, para mos-
trar ao governo que não ficare-
mos silenciados diante da bar-
bárie e desse projeto genocida
em curso”, afirmou.
Integrante da torcida Ga-
viões da Fiel e organizador do
protesto do domingo passado
em São Paulo, o estudante de

História Danilo Pássaro diz que
as falas do presidente reforçam
um caráter autoritário. “É mais
uma prova de que ele não sabe
lidar com manifestações e ex-
pressões do pensamento dife-
rentes”, ressalta.
Nas redes sociais, os filhos do
presidente criaram a narrativa
de que os movimentos contra o
governo são ilegítimos. O te-
mor é perder espaço na inter-
net, onde o grupo se organizou
e onde o presidente tem sua
maior força. Parlamentares liga-
dos a Bolsonaro também entra-
ram em ação, como os deputa-
dos estaduais de São Paulo Gil
Diniz (PSL) e Douglas Garcia
(PSL), ambos citados no in-
quérito das fakes news no Su-
premo Tribunal Federal.
Diniz, que era assessor do de-
putado federal Eduardo Bolso-
naro (PSL-SP) antes de se ele-
ger, anunciou na sexta, dia 5,
que protocolaria um pedido pa-
ra a abertura de uma CPI para
investigar os “antifas”, após, se-
gundo ele, ter recebido denún-
cia de “violência e outros cri-
mes cometidos por membros
do grupo.”
Já a Garcia é atribuído o vaza-
mento de dados de mil pessoas
que supostamente integrariam
grupos antifascistas. “É contra
este tipo de gente que se diz anti-
fa que eu entreguei (não vazei)
o dossiê à polícia!”, escreveu no
Twitter, ao publicar imagens de
protesto no México. O parla-
mentar defende que os manifes-
tantes sejam enquadrados na
Lei de Segurança Nacional.
Pela primeira vez desde o iní-
cio do governo, Bolsonaro en-
frenta uma narrativa negativa
nas redes sem dispor de seus
principais influenciadores no
melhor momento, já que o in-
quérito das “fake news” no Su-
premo Tribunal Federal passou
a mirar o “gabinete do ódio”.
Uma análise da empresa de
consultoria AP Exata apontou
queda imediata de 14% para
10% nas publicações dos chama-
dos perfis de interferência. Há
77 dias, a empresa computa
mais interações contrárias do
que a favor do presidente. “Até
o final de 2019, Bolsonaro domi-
nava. Na virada do ano, come-
çou a perder. Só que apesar de
ele ter mais críticas do que men-
ções positivas não se podia di-
zer que tinha uma oposição for-
te. Não era uma coisa concentra-
da até a narrativa do movimen-
to Somos Todos 70%”, obser-
vou o diretor da empresa, Sér-
gio Denicoli.

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

Breno Pires / BRASÍLIA
Rayssa Motta


Para o corregedor-geral da Justi-
ça Eleitoral, ministro Og Fer-
nandes, o elo entre o inquérito
das fake news, que corre no Su-
premo Tribunal Federal, e as
ações que pedem a cassação da
chapa do presidente Jair Bolso-
naro e seu vice Hamilton Mou-


rão, em tramitação no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), é o
empresário Luciano Hang.
O dono da rede de lojas de de-
partamento Havan é apontado
como financiador de impulsio-
namento virtual de materiais
contendo notícias falsas e ofen-
sas contra as instituições demo-
cráticas, incluindo o STF. A pe-
dido do ministro Alexandre de

Moraes, relator no inquérito
das fake news no STF, o empre-
sário teve celular e documentos
apreendidos, além dos sigilos
fiscal e bancário quebrados en-
tre julho de 2018 e abril de 2020


  • intervalo que inclui a última
    campanha eleitoral.
    Na sexta-feira, contrariando
    o Planalto, Og admitiu que os
    dados obtidos nas diligências


em que Hang foi alvo, assim co-
mo as demais provas colhidas
no âmbito inquérito das fake
news, sejam compartilhados
com as ações de investigação ju-
dicial eleitoral que pedem a cas-
sação da chapa presidencial vi-
toriosa nas eleições de 2018.
O compartilhamento tem res-
paldo no parecer da Procurado-
ria-Geral Eleitoral, encaminha-

do na terça-feira ao TSE. O vice-
procurador-geral Eleitoral, Re-
nato Brill de Góes, disse que as
investigações que miram a dis-
seminação de notícias falsas
“poderão vir a demonstrar a ori-
gem do financiamento das práti-
cas abusivas e ilegais imputadas
à campanha” bolsonarista.
As defesas do empresário, do
presidente e do vice-presidente

foram derrotadas pela decisão.
Os advogados classificaram o in-
quérito das fake news como “ile-
gal, autoritário e contrário ao li-
vre exercício da advocacia” – as
investigações passaram a sofrer
forte oposição do governo após
fecharem o cerco contra alia-
dos bolsonaristas. O ministro
Og Fernandes, no entanto, en-
tendeu que o julgamento sobre
a constitucionalidade do in-
quérito cabe ao Supremo, que já
analisa uma ação nesse sentido,
e que o TSE não pode esperar.

Bolsonaro e apoiadores tentam construir narrativa de que grupos são violentos e devem ser criminalizados; novos atos estão marcados para hoje


Crimes de Bolsonaro
levam Brasil a perder a
batalha da pandemia

Hang é o elo entre apurações no STF e TSE, diz relator


l Movimentos de oposição ao
presidente Jair Bolsonaro convo-
caram novas manifestações de
rua hoje. A expectativa é de que os
atos ocorram em 17 Estados e no
Distrito Federal. O principal ato –
convocado pelo movimento So-
mos Democracia – será em frente
ao Masp, na Avenida Paulista.

Sábado


de atos
pró e
contra

Integrantes do
grupo “300 do
Brasil” invadi-
ram ontem a
área externa do
Congresso, em
protesto contra
o fim do acam-
pamento orde-
nado pelo go-
verno do DF.
Ao lado, ato
pacífico na Ave-
nida Paulista
contra o gover-
no e o racismo

Governo traça estratégia antiprotestos


ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA

SP terá ato contra


Bolsonaro hoje

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