Estado de Minas (2020-06-14)

(Antfer) #1
CULTURA
4

Para aescritoraIsabel Allende,pandemiarevelou esgotamento de modelosinsustentáveis


de desigualdade.Ela defende reordenamento que tireoprotagonismodeíco nes machistas


❚NOVO MUNDO


Como apandemiainterrompeu
sua rotina?
Apandemia,oconfinamento,o
medodovírusetodosos protes-
tosqueestãoocorrendodeixam
as pessoasbloqueadas.Nãoéfá-
cil. Acontececomigo,massou
muitodisciplinada.Metadedo
trabalhoéaparecernocomputa-
dornamesmahora.Olha, épos-
sível queofaçanumdia enãosir-
va paranada.Masnãoimporta.É
assimqueoslivrossãofeitos.
Poucoapoucoecompaciência.


Apandemiaestá influenciando
sua obra?
Apandemiavaiproduziruma
onda, umaavalanche,denovas
interpretaçõesdarealidade.Não
apenas naarte,masnafilosofia,
nahistória, emtudo.Tudovaiser
reinterpretado.Mas nomeucaso,
precisodetempoedistância para
verascoisas.Poderia terescritoA
casadosespíritosdepoisdogol-
pemilitarnoChile, em1973.De-
moreimais deoitoanosparaes-
crevê-lo,porqueprecisavadesse
tempoparadigerir oquehavia
ocorridoepoderverdelonge,
comironia.Eacreditoquevou
passaromesmocomisso.


Descobriualgograçasaoconfina-
mentosocial?
Oqueapandemiameensinouéa
soltarcoisas,amedar conta do
poucoquepreciso.Nãopreciso
comprar,não precisode mais rou-
pas,nãoprecisoir alugar nenhum,
viajar.Meparecequetenhode-
mais. Vejo ao meuredoremeper-
gunto:'paraquêtudoisso.Para
quêprecisodemais dedoispra-
tos?'.Depois,medarcontade
quemsãoos verdadeirosamigose
as pessoascomquemqueroestar.


Oque acha que apandemiaensi-
na atodos?
Estánosensinandoprioridadese


estánosmostrandoumarealida-
de.Arealidadedadesigualdade.
Decomoalgumaspessoaspas-
samapandemiaemumiate no
Caribeeoutraspassamfome.
Tambémnosensinouquesomos
umasófamília.Oquesepassa
comumserhumanoemWuhan,
se passacomoplaneta,se passa
comtodosnós.Nãoexisteessa
ideiatribaldequeestamossepa-
radosdogrupoedequepode-
mosdefendê-lo,enquanto ores-
to daspessoasse esfrega. Nãohá
muralhas,nãoháparedesque
possamsepararaspessoas.Os
criadores,artistas,cientistas,to-
dososjovens,muitíssimas mu-
lheres,estãoconsiderandouma
novanormalidade.Nãoquerem
voltar aoqueeranormal. Estãose
perguntandoquemundoquere-
mos.Essaéapergunta mais im-
portantedestemomento.Esse
sonhodeummundodiferente:
temosdeir paralá.

Comoessemundoseriadiferente?
Seria ofimdopatriarcado.Chega
dessesmachosrudesquegover-
namomundoequeadminis-
tramtudo.Umahumanidadena
qualagestãodoplanetaseja
compartilhadaigualmente entre
homensemulheres.Areação
masculinadiante deumaemer-
gência, umacrise,umaameaça,é
escaparoucombater.Adas mu-
lhereséfechar umcírculo,colo-
caras criançasnomeioever co-
moresolvemissoemgrupo.As
mulherestêmumamaneirade-
mocrática,inclusivaecircularde
solucionarosproblemaseen-
frentaraameaça.Oshomens,
não.Porisso,aoadministraro
mundo,osvaloresfemininose
masculinosdevemter omesmo
peso.Quenãosejaaviolência ea
ganância oquegovernaomun-
do,mas asolidariedade,acom-
paixão,ailusão.Esseéomundo

MAIS FEMININO,


PLURAL ESOLIDÁRIO


Aos77anos,autorade
Acasa dos espírit osdiz
que crise coma
COVIDvai exigir
reinterpretação
da realidade

LORI BARRA/DIVULGAÇÃO

AArreeaaççããoo


mmaassccuulliinnaaddiiaannttee


ddeeuummaa


eemmeerrggêênncciiaa,,uummaa


ccrriissee,,ééeessccaappaarr


oouuccoommbbaatteerr..AA


ddaassmmuullhheerreesséé


ffeecchhaarruumm


ccíírrccuulloo,,ccoollooccaarraass


ccrriiaannççaassnnoommeeiioo


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■■■■■■


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pprroodduuzziirruummaa


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aavvaallaanncchhee,,


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rreeaalliiddaaddee..NNããoo


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““VVaammoosstteerr


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rreessoollvveennddooaass


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pprrooffuunnddaasseevvããoo


ddeessddeeoosstteemmppooss


ddaaeessccrraavviiddããoo””


AchilenaIsabelAllende,quepublicaráemnovembroumlivrode
nãoficçãosobrefeminismointituladoOquenósmulheres
queremos,éumaescritoradisciplinadacomumatradição
conhecida:todo8dejaneiro,elasesentaparaescreverumnovo
texto.Nesteano,nãofoidiferente,masapandemiasignificouum
desafio.AutoradeAcasadosespíritos,elaacentuaqueacrisedo
coronavírusacabouexpondoasdesigualdadesquecontinuarão
provocandoprotestosemmassanosEstadosUnidosenomundo,e
quecaberáaosjovenstrabalharporumanovanormalidadenaqual
homensemulherescompartilhemagestãodoplaneta.
Nestaentrevista,aescritora,de 77 anos,faloudeseuprocessode
escrita,suavisãodeummundopós-pandemiaesuainterpretação
dosprotestosnosEstadosUnidos.

quequeremos,ummundono
qualhaja respeitopelanatureza
eporoutrasespécies.Osjovens
vãoherdaromundoquenósdes-
truímos.Sãoeles queprecisam
salvaroplaneta,se équeépossí-
velsalvar. Queeles tragamuma
soluçãopositiva.

Oque acha dos protestos raciais
nos Estados Unidos?
OsprotestosnoChilecomeça-

ramemoutubrodoanopassado.
Erampelatremendadesigualda-
de.(NosEstadosUnidos),ospro-
testossãopeloproblemaraciale
issoestádiretamente relaciona-
doàpobreza.Quemsãoosmais
pobresnestepaís?Quemsãoos
quetêmmenosassistência mé-
dica,menosemprego,osqueso-
fremmais violência policial,os
quesãomais presos?Osafro-
americanos.Euacreditoquevão

começarasurgiressesconfron-
tosemtodososlugares.Agora
veio umatremendacriseeconô-
micaglobal.Eissovaigerarmais
desemprego,maispobrezae,
portanto,maisviolência.Va mos
terprotestosmassivos. Nãoserão
resolvidoscombalasdeborracha
nemcomgáslacrimogêneo,mas,
sim,resolvendoascausas.São
profundasevãodesdeos tempos
daescravidãoemdiante.(AFP)

LITERATURA


No sombrio retrovisor


NAHIMAMACIEL

AescritoraClaudiaLagesem-
prese incomodoucomumcerto
silêncio comrelaçãoàépocada di-
taduramilitarbrasileira.Dessein-
cômodonasceuoromanceOcor-
pointerminável,queacompanha
umcasaldejovensemumatraje-
tória deredescobertadesuashis-
tóriasfamiliares.
Claudiaconta quecomeçoua
desenharOcorpointerminável
quandose deuconta dequeco-
nhecia pessoasquehaviamparti-
cipadodaguerrilhanosanos
1960,masquenuncahaviamfa-
ladosobreoassunto.“Paramim,
foiassustador.Écomose estives-
semabafandoaprópria história
pessoal,alémdahistória dopaís”,
diz.“Éumassuntoquesempre
meincomodou,essesilêncio so-
breessaépocadanossahistória.

Minhageraçãosempreteveum
desconhecimento muitogrande,
emborafosseumageraçãodefi-
lhosdaditadura”.
Umdia,elasedeparoucom
umafotodeumaguerrilheira
mortadivulgadapelaComissãoda
Verdade.Aimagemnãosaiuda ca-
beçaeoromancecomeçouato-
marforma. Nolivro,umrapazvai
embuscadahistória daprópria
mãe,queelenão conheceu,esede-
paracomahistória dopaís.“A chei
quepodiaserumametáforapara
essepatriarcadoquetemde se des-
locarumpouco.Ashistóriasdas
mulheres foramsurgindo,das
guerrilheirasqueforamsilencia-
dasequesofreramduplamente
nastorturas,queerammuitoxin-
gadaspelacondiçãode seremmu-
lheres”,conta.
“Arepressãofoimuitodura
comelasporqueeraumatrans-

gressãoqueia alémda política,era
existencial.Quandochegavamà
salada torturaeramquestionadas:
porquenãoestavamemcasa,cui-
dandodosfilhos,porquenãoti-
nhamse casado?”.Àmedidaque
Daniel,opersonagem,descobrea
trajetória dessasmulheres,elevai
mergulhandonumperíododifícil
dahistória brasileira.
Decertaforma,Ocorpointer-
mináveltambémfaladeumBra-
silcontemporâneoedecomoo
desconhecimento históricopode
levarumpaísarepetiropassado.
“Pramim,tudoocorreuquandoa
gentecomeçouaperceberque
grandepartedapopulaçãonão
conhecia nossahistória epor isso
embarcounessaondamaluca
conservadora.Agente percebeu
quetemumburaco.O'buracoda
Alice',umlugarnoqualagente
acabacaindo.Seagente nãocon-

JOÃOCOTTA/DIVULGAÇÃO

No romanceOcorpo
interminável,Claudia
Lageexplorao
universo de uma
guerrilheirana
ditaduramilitar

OCORPO INTERMINÁVEL
●De ClaudiaLage
●Record
●194 páginas
●R$ 54,

segueenxergarnossahistória,
nãoconsegueteromínimode
consciência”,avalia Claudia,queé
tambémroteiristaecriou,em
2012,comJoãoXimenesBraga, a
novelahistóricaLadoalado.
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