O Estado de São Paulo (2020-06-16)

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A10 Metrópole TERÇA-FEIRA, 16 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Mateus Vargas/ BRASÍLIA
Giovana Girardi


O Ministério da Saúde esten-
deu ontem a recomendação
de uso da cloroquina para ges-
tantes e crianças. A nova
orientação do governo brasi-
leiro sobre o medicamento
ocorreu na mesma data em
que os Estados Unidos retira-
ram a autorização de emer-
gência de tratamento com a
cloroquina e a hidroxicloro-
quina contra a covid-19.
A orientação do Ministério
da Saúde para estes grupos, des-
de ontem, é para prescrição des-
ses medicamentos, associados
ao antibiótico azitromicina,
mesmo para casos leves. Não há
evidência científica sobre eficá-
cia da cloroquina contra a co-


vid-19. O presidente Jair Bolso-
naro é defensor deste tratamen-
to e dois ministros da Saúde já
deixaram o governo por, entre
outros motivos, se opor ao uso
amplo da droga.
O ministério deve atualizar
nota informativa divulgada em
20 de maio sobre a cloroquina.
O documento não é um protoco-
lo, ou seja, não dita regras no
SUS nem passa a autorizar pro-
cedimentos antes proibidos,
mas tem forte poder político.
Um dos pilares para elaborar o
protocolo é a comprovação
científica da eficácia da droga –
o que não existe.
Mesmo antes do posiciona-
mento do ministério, médicos
já vinham receitando a cloroqui-
na nas redes privada e pública
de forma “off label”, fora das re-

comendações da bula. Para dar
respaldo a esta situação, mas
sem seguir recomendações
científicas, o Conselho Federal
de Medicina (CFM) decidiu, no
fim de abril, livrar de infração
ética o profissional que prescre-
ver cloroquina contra covid-19.
A Secretária de Gestão do Tra-
balho e da Educação do Ministé-
rio da Saúde, Mayra Pinheiro,
afirmou ontem que gestantes e
crianças são grupos de risco pa-
ra a doença, e por isso foram in-
cluídos na recomendação. Ela
disse que o ministério deve
orientar uso da cloroquina e de
outros medicamentos na atuali-
zação da nota e minimizou a de-
cisão dos EUA sobre a cloroqui-
na, tomada por meio da Food
and Drug Administration (F-
DA), espécie de Anvisa. A agên-

cia americana determinou que
“é improvável que a cloroquina
e a hidroxicloroquina sejam efi-
cazes no tratamento da covid-
19 para os usos autorizados nos
Estados Unidos”.
Segundo a secretária, a FDA
se baseou em “trabalhos de
péssima referência metodológi-
ca”. A secretária disse ainda que
a agência só permitia uso para
casos graves, enquanto no Bra-
sil a recomendação é do uso pre-
coce. Mayra ainda sugeriu, sem
mostrar evidências, que a mu-
dança de discurso do ministé-
rio sobre a cloroquina, feita no
fim de maio, fez a curva de casos
no País e a taxa de ocupação de
leitos de UTI baixarem. “Não
podemos afirmar com seguran-
ça que se deve a Estados e muni-
cípios que usaram prescrição,

mas há indícios”, disse.
Também sem mostrar evidên-
cias sólidas ou apontar benefí-
cio do distanciamento social,
Mayra disse que a Índia teve re-
sultados benéficos por adotar
de forma preventiva o uso da
cloroquina, o que ainda não é
feito no Brasil.
Para o médico, advogado sani-
tarista e pesquisador da USP Da-
niel Dourado é “inacreditável”

que o ministério dobre a aposta
no uso da cloroquina, amplian-
do a orientação de uso, no mes-
mo dia da decisão dos EUA.
“Sem nenhuma base científica,
sem comprovação de seguran-
ça e eficácia. No mesmo dia em
que a agência FDA cancelou até
mesmo a autorização emergen-
cial para esse tipo de uso, con-
cluindo que não é mais razoável
acreditar que essas drogas pos-
sam ser eficazes no tratamento
da covid-19 e nem que os seus
benefícios potenciais possam
superar seus riscos conhecidos
e potenciais.”
O uso da cloroquina contra a
covid-19 também é rejeitado
por três das principais entida-
des médicas e científicas nacio-
nais: a Associação de Medicina
Intensiva Brasileira, a Socieda-
de Brasileira de Infectologia e a
Sociedade Brasileira de Pneu-
mologia e Tisiologia.

Estados Unidos. A FDA afir-
mou ontem que “à luz dos even-
tos adversos cardíacos graves e
outros efeitos colaterais gra-
ves, os benefícios conhecidos e
potenciais da cloroquina e hi-
droxicloroquina não superam
mais os riscos conhecidos e po-
tenciais para o uso autorizado”.
A autorização tinha sido dada
em 28 de março, quando, de
acordo com a agência, as evidên-
cias científicas disponíveis até
então permitiam supor que ha-
via benefícios. A agência aponta
que mudou de opinião após vá-
rios estudos clínicos feitos com
grupo controle e de modo ran-
domizado mostrarem pratica-
mente nenhum efeito no com-
bate à doença./ COLABOROU
MARINA ARAGÃO

Manaus fecha hospital e


tem reabertura tímida


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


WILTON JUNIOR / ESTADÃO

lDoação

Três semanas após flexibilizar
medidas de restrição para con-
trolar o coronavírus, o governo
do Paraná estuda endurecer as
regras novamente. A Secretaria
de Estado da Saúde deve se ma-
nifestar ainda nesta semana so-
bre o funcionamento dos seto-
res não essenciais.
Nos últimos 30 dias, o Paraná
viu os casos confirmados de co-
vid-19 passarem de 2.139, em 15
de março, para 9.716 casos até
ontem. O salto foi de 354% em
um mês. No mesmo período, o
número de mortos aumentou
176% – de 121 para 334. Parte des-
se aumento foi atribuído à rea-
bertura parcial de shoppings,
centros comerciais e igrejas. “O
número crescente dos casos de


covid-19 indica a necessidade
de revisão”, disse o secretário
estadual da Saúde, Beto Preto.
Ele confirmou que os técnicos
estudam a possibilidade de res-
trição total dos serviços não es-
senciais, o chamado lockdown.
A evolução do coronavírus
no Estado é analisada com aten-
ção na região oeste, onde a pre-
sença de clusters industriais e
frigoríficos fez aumentar a inci-
dência da doença. Em todo o Pa-
raná, das 649 vagas exclusivas
para covid-19, 450 estão ocupa-
das (69%). No oeste do Estado,
a taxa de ocupação é de 71%.
Para o infectologista Bruno
Almeida, que coordena a unida-
de de vigilância em saúde do
Hospital de Clínicas de Curiti-

ba, é preciso aumentar o núme-
ro de exames antes de determi-
nar o relaxamento das medidas
de restrição de circulação.

Drama. Simone Louback, de 43
anos, viu o filho de 16 anos per-
manecer 41 dias internado na
UTI. Alisson tem uma má-for-
mação congênita na coluna. O
adolescente superou uma para-
da cardiorrespiratória durante
o período de internação e preci-
sou ser submetido à hemodiáli-
se porque os rins pararam de
funcionar.
Simone vê com tristeza as
aglomerações em regiões boê-
mias e turísticas de Curitiba
aos fins de semana. “As pessoas
levam na brincadeira porque
não viveram a doença. Só se le-
va a sério quando tem alguém
da família, ou amigo próximo,
que precisou lutar para sobrevi-
ver.”/ ANGELO SFAIR, ESPECIAL
PARA O ESTADO

Após dois dias internado numa
cadeira de plástico e de ver cadá-
veres ao seu lado numa das sa-
las do hospital estadual João Lú-
cio, na zona leste de Manaus, o
técnico em mecânica Erodilson
Dias de Oliveira, de 54 anos, ava-
lia como “milagre de Deus” ter
conseguido um leito convencio-
nal para internação em pleno pi-
co da pandemia em Manaus.
Ele foi transferido para o Hospi-
tal de Campanha Municipal Gil-
berto Novaes e é um dos 570
pacientes que a Prefeitura de
Manaus informa ter curado na
unidade hospitalar, que fechou
as portas ontem, após quase
dois meses de funcionamento.
Quando soube do fechamen-
to, nesta segunda, Oliveira até

lamentou. “Puxa, que pena.
Queria que um irmão da igreja
fosse atendido lá.”
Já o primeiro dia de reabertu-
ra de cafés, panificadoras e lojas
fast-food em Manaus teve movi-
mentação tímida, em meio ao
receio de contrair a covid-19.
Até domingo, a capital do Ama-
zonas registrava 56 mil contami-
nados e 2.492 óbitos. A reabertu-
ra ocorreu em meio a uma que-
da no número de internações,
mas especialistas ainda veem
com ressalvas a situação. “É o
primeiro dia e as pessoas ainda
vão se habituar a serem atendi-
das nas mesas”, avaliou Gilda
Catikue, gerente de uma panifi-
cadora na zona centro-sul de
Manaus. Para ela, o movimento

ainda está reduzido. “Coloca-
mos poucas mesas e acho que
os clientes estranharam o dis-
tanciamento entre elas. Espera-
mos que o movimento melhore
nos próximos dias.”
Mas a liberação é vista com
preocupação pelo professor do
Departamento de Matemática
da Universidade Federal do
Amazonas Wilhelm Alexander
Steinmetz. Ele fez parte da equi-
pe de pesquisadores que coor-
denou o estudo “Curva de Con-
taminação Covid-19 – Estado
do Amazonas”. “Ainda conside-
ramos que haja novo aumento
de casos, sobretudo com esta
reabertura. Por mais que tenha
havido queda no número de in-
ternações, isto não exclui a pos-
sibilidade de ter aumento nas
próximas semanas. Esta queda
pode dar a ilusão às pessoas de
que a pandemia passou.” /
ROSIENE CARVALHO e ÁLISSON
CASTRO, ESPECIAL PARA O ESTADO

Interior de SP se rebela e decide não seguir normas estaduais de isolamento. Pág. A12 }


A prefeitura de Porto Alegre pu-
blicou novo decreto ontem res-
tringindo parte do funciona-
mento do comércio a partir de
hoje. Ficará vedado o funciona-
mento de shoppings e centros
comerciais da cidade. Nesses lo-
cais, apenas poderão operar os
serviços considerados essen-


ciais, como farmácias, serviços
na área da saúde, posto de aten-
dimento da Polícia Federal,
mercados e supermercados. Es-
critórios de advocacia, engenha-
ria, consultorias, imobiliárias,
serviços administrativos, entre
outros com atendimento ao pú-
blico, deverão retornar ao traba-

lho remoto.
As restrições foram impostas
em função do avanço de interna-
ções no sistema de saúde de Por-
to Alegre. Ontem, havia 79 pa-
cientes internados em Unidade
de Terapia Intensiva (UTI) em
decorrência do novo coronaví-
rus, um salto de 75% em relação

ao início de junho. A capital
gaúcha já registra 57 mortes por
causa da covid-19 e mais de 2
mil casos da doença.
Conforme o prefeito, Nelson
Marchezan Júnior (PSDB), a
volta de algumas restrições tem
o objetivo de evitar que a de-
manda de saúde extrapole a ca-

pacidade de atendimento da re-
de hospitalar. “Liberamos pau-
latinamente alguns setores e
sempre alertamos que, se hou-
vesse necessidade, poderíamos
voltar a restringir. E isso infeliz-
mente aconteceu, com o cresci-
mento da velocidade de ocupa-
ção de leitos de UTI”, explicou.
“Estas novas medidas visam
a conter uma evolução descon-
trolada, o que poderia ampliar o
risco de estrangulamento da

nossa capacidade de atendi-
mento em saúde. Ainda que in-
desejadas, essas regras são para
evitar que pacientes que preci-
sam de leitos fiquem sem aten-
dimento”, continuou Marche-
zan, ao reiterar que a medida foi
fundamentada em análises diá-
rias do Comitê Técnico de En-
frentamento ao Coronavírus so-
bre a situação epidemiológica e
sanitária da capital. / LUCAS
RIVAS, ESPECIAL PARA O ESTADO

GEORGE FREY / AFP-20/5/

Brasil indica


cloroquina


a crianças e


gestantes


2 milhões
de comprimidos de hidroxicloro-
quina foram doados ao Brasil
pelos Estados Unidos; governo
diz que uma parte será usada em
profissionais da saúde.

Ministério ampliou recomendação no mesmo


dia em que os EUA retiraram autorização
Retrocesso. Utilização emergencial da cloroquina contra a covid-19 é suspensa nos EUA


Após aumento de casos,


Paraná estuda lockdown


Rio vai


testar
5 mil
taxistas

A Prefeitura do
Rio iniciou on-
tem a testa-
gem de 5 mil
taxistas. Os
testes estão
sendo feitos
em sistema de
drive-thru – em
que o motoris-
ta não precisa
sair do carro –
no Sambódro-
mo da cidade.

Porto Alegre impõe restrições ao comércio

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