O Estado de São Paulo (2020-06-16)

(Antfer) #1

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O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 16 DE JUNHO DE 2020 Política A


ELIANE


CANTANHÊDE


T


em um probleminha a mais
na nota em que o presidente
Jair Bolsonaro fala em nome
das Forças Armadas e avisa que elas
não cumprem “ordens absurdas”: é
exatamente dele, do presidente da
República, que partem as ordens, os
projetos, as decisões e as declara-
ções mais absurdas.
Na campanha de 2018, o então de-
putado do baixo clero já exigia que a
realidade e as pesquisas se adaptas-
sem às suas vontades. Se não confir-
mavam o que ele achava que tinha
de ser, acusava os institutos de frau-
de e só parou de brigar com eles

quando a realidade e a sua vontade con-
vergiram e sua candidatura disparou.
Na eleição, Bolsonaro e seu entorno
disseram, ameaçadoramente, que só
havia uma alternativa: a vitória ou a
vitória. Só respeitariam o resultado se
ele ganhasse; se perdesse, seria roubo.
Um ano depois, já presidente, Bolsona-
ro fez algo nunca visto no mundo: acu-
sou de fraude a eleição que ele próprio
venceu. Acusou, mas não comprovou.
No governo, Bolsonaro manteve a
toada. O desmatamento não é o que ele
quer? Demite o presidente do Inpe. O
desemprego não é conveniente? Cace-
tada no IBGE. Uma extensa pesquisa

mostra que não há uma “epidemia de
drogas” no País? Manda a Fiocruz enga-
vetar. Atenção! Estamos falando de In-
pe, IBGE e Fiocruz, orgulhos nacionais.
A “ordem absurda” de Bolsonaro
que mais teve consequências foi a de-
missão do diretor-geral da PF, para ele
bisbilhotar diretamente as investiga-
ções contra filhos, amigos e aliados.
Foi por dizer “basta!” e não acatar essa
ordem que o ex-juiz Sérgio Moro saiu
do governo e deixou uma investigação
do Supremo contra Bolsonaro.

Dúvida: se as FA não cumprem “or-
dens absurdas”, o que dizer do general
da ativa Eduardo Pazuello diante dos
achismos do presidente na Saúde? O iso-
lamento social salva vidas, mas não se
fala nisso. A cloroquina foi descartada
para a covid-19 até pela FDA dos EUA,

mas no Brasil pode-se usar à vontade –
inclusive os dois milhões de doses im-
prestáveis para americanos. Só faltava o
presidente dar uma ordem absurda – e
criminosa – para invadirem hospitais
de campanha e mostrar que, ao contrá-
rio do que dizem a realidade e os gover-
nadores, estão vazios. Não falta mais!
E que tal mudar a metodologia, e até
o horário, de divulgação dos dados da
pandemia (agora quase 45 mil mortos
e um milhão de contaminados)? O pre-
sidente acha mais de mil mortos em 24
horas muito ruim para ele e a reeleição.
Então, melhorem-se os números. O
Brasil chocou o mundo, mas STF, Con-
gresso, mídia e a comunidade médica e
científica não engoliram o que Pazuel-
lo engoliu a seco. E o governo recuou.
Outra “ordem absurda”: para Abra-
ham Weintraub passar por cima da
Constituição e da autonomia universi-
tária e nomear 25% dos reitores fede-
rais durante a pandemia. Ou seja: pas-
sar uma boiada, fazer caça às bruxas e
acabar a “balbúrdia” nas universida-

des. Mas também não funcionou. As
instituições gritaram, o Senado dis-
se não e Bolsonaro revogou a MP
relâmpago.
Na sequência, o governo divulgou
o balanço da violência em 2019 e ex-
cluiu, ora, ora, os dados referentes à
polícia, que crescem ano a ano. A
alegação foi “inconsistência”, o que,
ok, pode acontecer, mas o passado
condena. O governo esconde núme-
ros incômodos e os policiais são da
base eleitoral e alvo de cooptação
por Bolsonaro. Depois de desmata-
mento, desemprego, covid-19, em-
prego... foi só um erro técnico?
Bolsonaro está em meio agora a
“ordens absurdas” com efeito bume-
rangue: foi ele quem nomeou Wein-
traub, que não trouxe nenhuma solu-
ção, só problemas. E foi ele quem deu
a ordem para as FA não seguirem “or-
dens absurdas” e “julgamentos políti-
cos” de outro Poder, o que remete ao
imperial: “A Constituição sou eu”.
Há controvérsias. E resistência.

Ex-feminista,


apoiadora de


Bolsonaro


Sara Giromini, líder do
movimento 300 do Brasil

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @ECANTANHEDE
ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E
SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Presa pela Polícia Federal on-
tem em Brasília, Sara Fernan-
da Giromini, de 27 anos, já fez
parte de um grupo feminista
radical, foi expulsa do DEM,
apoia o presidente Jair Bolso-
naro e é uma das líderes do mo-
vimento “300 do Brasil”. Nasci-
da em São Carlos, filha de uma
dona de brechó e de um pintor
de paredes, Sara se juntou ao
movimento Femen, que conhe-
ceu na internet em 2011.
Criado na Ucrânia, o Femen
se popularizou na Europa por
manifestações em que militan-
tes fazem topless para atrair
atenção da mídia. Sara chegou
a ir ao país europeu. De volta a
São Paulo, foi detida em atos
organizados pelo grupo. Após
acusações de ter desaparecido
com dinheiro recebido pelo
grupo, ela foi expulsa do movi-
mento. Hoje, se diz ex-feminis-
ta e critica medidas como a li-
beralização do aborto.
Em uma ação movida pelo
governador de São Paulo, João
Doria (PSDB), advogados rela-
cionam o apelido escolhido pe-
la extremista com o nome de
Sarah Winter Donville Taylor,
espiã de Adolf Hitler e inte-
grante da União Britânica de
Fascistas no século 20.
Ao saber da prisão da irmã,
o motorista Diego Giromini,
que se identifica nas redes so-
ciais como “infelizmente ir-
mão da Sara Winter”, comemo-
rou a medida. “Sara é assim. É
fama, dinheiro e poder. Ela
não luta com coisa séria, ela
gosta de aparecer”, disse Die-
go. Segundo ele, a militante
sempre foi “agressiva”, e é as-
sim que consegue o que quer.

Seis apoiadores do presidente
Jair Bolsonaro foram alvo on-
tem de mandados de prisão
temporária expedidos pelo mi-
nistro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de
Moraes no inquérito que apu-
ra a organização de atos anti-
democráticos. Uma das pre-
sas é Sara Fernanda Giromini,
de 27 anos, que se identifica co-
mo Sara Winter. Depois que a
PF cumpriu 29 mandados de
busca e apreensão em endere-
ços ligados a seguidores de
Bolsonaro, há duas semanas,
no inquérito das fake news, es-
ta foi a ação mais contunden-
te contra um grupo de seguido-
res do presidente.
Todos os mandados de pri-
são foram direcionados a líde-
res do movimento 300 pelo Bra-
sil, que, após ter o acampamen-
to desmontado pelo governo
do Distrito Federal, no sábado,
disparou fogos de artifício na di-
reção do STF, na Praça dos Três
Poderes. O ataque foi repudia-
do pelos ministros do Supre-
mo, ex-presidentes da Repúbli-
ca e outras autoridades do País.
Apesar disso, os mandados de
prisão haviam sido pedidos no
dia anterior pelo vice-procura-
dor-geral da República Humber-


to Jacques de Medeiros.
A PF não confirmou, até a con-
clusão desta edição, a identida-
de dos outros alvos dos manda-
dos de prisão e se foram localiza-
dos. Segundo apurado pelo Es-
tadão, eles são investigados pe-
lo crime de associação crimino-
sa, previsto no artigo 288 do
Código Penal. Em nota, a Procu-
radoria Geral da República (P-
GR) informou que há indícios
“de que o grupo continua orga-
nizando e captando recursos fi-
nanceiros para ações que se en-
quadram na Lei de Segurança
Nacional”. O objetivo das pri-
sões, com duração de cinco
dias, é “ouvir os investigados e
reunir informações de como
funciona o esquema crimino-
so” de organização dos atos.

Negativa. Em depoimento que
durou pouco mais de uma hora,
Sara negou que os integrantes
do 300 pelo Brasil defendam in-
tervenção militar e disse que
não participou do ataque ao Su-
premo com fogos de artifício no
sábado. Ela também disse que
atos que foram comparados a
Ku Klux Klan, grupo suprema-
cista branco dos Estados Uni-
dos, teve inspiração em uma
“passagem bíblica”.
Aos investigadores, Sara con-
firmou ser apoiadora de Bolso-
naro, mas disse que não recebe
ajuda financeira do governo.
Ela se recusou a responder por-
que chamou Moraes para “tro-
car socos”, em uma gravação,
após ser alvo de busca e apreen-
são no inquérito das fake news.
O depoimento de Sara foi divul-
gado ontem pela CNN Brasil e
obtido pelo Estadão.
Integrantes do Supremo vi-
nham demonstrando preocupa-
ção, nos bastidores, com a lenti-

dão para a tomada de medidas
concretas sobre o grupo 300 pe-
lo Brasil. Na semana passada, a
Corregedoria do Ministério Pú-
blico Federal pediu explicações

ao procurador Frederick Lusto-
sa sobre a condução do caso.
O pedido de explicações cau-
sou desconforto no MPF. Foi
então que, na sexta-feira, a PGR

resolveu agir por conta própria
e pediu ao Supremo a prisão
temporária de integrantes do
grupo. / PEPITA ORTEGA, FAUSTO
MACEDO e BRENO PIRES

Bolsonaro é contra ‘ordens
absurdas’, mas são dele as ordens
e declarações mais absurdas

PERFIL

‘300 do Brasil’. Sara se
diz porta-voz do grupo

Ouvidor critica soltura


de jovem com suástica


lO presidente Jair Bolsonaro
negou ontem que possa haver
uma intervenção militar no Brasil,
apesar de sua constante participa-
ção em manifestações antidemo-
cráticas, marcadas por mensa-
gens pelo fechamento do Supre-
mo Tribunal Federal (STF) e do
Congresso. “Como darei um gol-
pe se sou presidente da Repúbli-

ca e chefe supremo das Forças
Armadas?”, questionou Bolsona-
ro em entrevista à TV Band News.
“Existe AI-5? Não existe mais
atos institucionais. É a mesma
coisa que levantar uma faixa ‘pe-
na de morte’, não existe pena de
morte. É a mesma coisa ‘interven-
ção militar, artigo 142’, não exis-
te intervenção militar.”
O presidente, porém, voltou a
reclamar de uma “interferência
brutal” do Supremo no Executi-
vo, ao falar da decisão do minis-
tro Alexandre de Moraes que im-
pediu a posse do diretor-geral da

Abin, Alexandre Ramagem, co-
mo diretor da Polícia Federal.
Para Bolsonaro, a Corte não
deve “afrontar” o Executivo. “Foi
mais uma brutal interferência do
STF no Executivo, não podemos
concordar com isso. Estou sendo
consciente e complacente de-
mais, não quero dar soco na me-
sa e afrontar ninguém”, disse.
Bolsonaro também afirmou
que o STF errou ao dar autono-
mia a Estados e municípios na
aplicação de medidas contra a
covid-19. / GREGORY PRUDENCIANO,
DANIEL GALVÃO e PEDRO CARAMURU

Ordens absurdas


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–13/6/

Ministro da Justiça solicita


inquérito contra jornalista


lObjetivo


O ouvidor da polícia de São Pau-
lo, Elizeu Soares Lopes, vai re-
quisitar à Corregedoria da Polí-
cia Civil que verifique supostas
omissões do delegado que libe-
rou três jovens detidos no do-
mingo na Avenida Paulista com
roupas alusivas ao nazismo. Ele
também pediu que seja feito
um novo boletim de ocorrência
para enquadrar o grupo por cri-
me de ódio.
O trio foi levado ao 78.º Distri-
to Policial, no Jardins, mas libe-
rado em seguida pelo delegado

Fred Reis de Araújo, que descre-
veu a natureza da ocorrência co-
mo não criminal.
“Era uma suástica, mas se o
delegado tinha dúvida, deveria
ter feito a apreensão. Deveriam
ter consultado as redes sociais
deles, mas eles foram liberados.
Fizeram só um BO não crimi-
nal”, disse o ouvidor.
Em depoimento, os jovens
disseram que não se tratava de
uma cruz suástica, mas da gama-
da hinduísta, símbolo da banda
de heavy metal da Noruega Bur-

zum. A banda, no entanto, é fre-
quentemente acusada de cul-
tuar o nazismo e teve seu perfil
excluído do YouTube por crime
de ódio. Seu fundador e único
integrante, Varg Vikernes, é co-
nhecido por promover a supre-
macia branca, o antissemitis-
mo e declarações anti-muçul-
manos. O músico já esteve pre-
so por assassinar um colega
com 23 facadas.
A Polícia Civil informou que
o registro da ocorrência foi reali-
zado de acordo com a legislação
e que o caso é investigado. “A
instituição segue à disposição
do ouvidor das polícias e de re-
presentantes dos demais ór-
gãos de controle”, afirmou, em
nota. / PEDRO VENCESLAU

‘Como darei golpe


se sou presidente


da República?’


BRASÍLIA


Com o aval do presidente Jair
Bolsonaro, o ministro da Justi-
ça e Segurança Pública, André
Mendonça, solicitou ontem
que a Procuradoria-Geral da Re-
pública (PGR) e a Polícia Fede-
ral (PF) investiguem uma posta-
gem do jornalista Ricardo No-
blat em uma rede social com ba-
se na Lei de Segurança Nacio-
nal. Ministros da Justiça têm a
prerrogativa de determinar in-
vestigação com base na lei.


O conteúdo compartilhado
era uma charge de autoria do
cartunista Aroeira que mostra-
va o presidente pichando uma
suástica nazista sobre o símbo-
lo da cruz vermelha. “Caiu na
rede!”, escreveu Noblat ao pu-
blicar a imagem.
Após pedir a investigação,
Mendonça publicou a informa-
ção no Twitter e foi retuitado
na sequência por Bolsonaro.
O presidente da Associação
Brasileira de Jornalismo Inves-
tigativo (Abraji), Marcelo Trä-

sel, criticou o fato de o presi-
dente da República usar o Mi-
nistério da Justiça para bus-
car a reparação. “Na pior das
hipóteses, passa a impressão
de que se está colocando o
peso do Estado contra a so-
ciedade civil.”
Segundo o presidente da
Associação Nacional de Jor-
nais (ANJ), Marcelo Rech, a
liberdade de expressão deve
ser compreendida de manei-
ra ainda mais ampla quando
se trata de humor. “Charges
são críticas sociais de humor
que têm por natureza alargar
os limites da liberdade de ex-
pressão, contanto que não co-
metam crimes expressos, co-
mo o de racismo”, disse. / B.P.

GABRIELA BILO/ESTADÃO

PF prende


extremista


de grupo


pró-governo


“O grupo continua
organizando e captando
recursos financeiros para
ações que se enquadram na
Lei de Segurança Nacional.”


“(Objetivo das prisões é)
ouvir os investigados e
reunir informações de
como funciona o esquema.”
TRECHO DE NOTA DA PGR


Sara Giromini ameaçou ministro do Supremo;


Corte autorizou seis mandados de prisão


Material. Carro da perícia da Polícia Federal com fogos de artifício que foram apreendidos
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