O Estado de São Paulo (2020-06-16)

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A6 Política TERÇA-FEIRA, 16 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


A


s recentes decisões do STF e os
inquéritos conduzidos pelo Mi-
nistério Público Federal e pela
Polícia Federal em relação às fake news,
ataques contra instituições republica-
nas e contra pessoas são parte normal e
importante do sistema democrático. Na
democracia, todos estão submetidos às
leis e, se há descumprimento das mes-
mas, investigações e processos são o ca-
minho previsto para determinar se ca-
bem punições.
Não há surpresa, portanto, na reação
adotada pelas instituições de controle
decretando a prisão dos responsáveis
pelo ataque com fogos de artifício con-
tra o STF. A ação contempla o que está
previsto no funcionamento de um regi-
me baseado no império da lei. Estranho
seria se não houvesse resposta dos orga-
nismos de controle em face desses ata-
ques que têm se sucedido e, às vezes,
com apoio de autoridades do governo. A
legitimidade da reação está na Consti-
tuição Federal.
A democracia vem estando em risco
no País se se levar em conta as mobili-
zações de apoiadores do presidente
Jair Bolsonaro que atacam instituições
fundamentais, estimulados a agirem
assim como se se tratasse apenas do
direito de expressão ou manifestação.
E a participação de autoridades do go-
verno nesses atos é como se o presiden-
te não tivesse em conta o princípio de
separação dos Poderes republicanos e
a sua estrutura tripartite, que assegura
a independência e a autonomia de cada
um. Por essa razão, não faz nenhum
sentido que o chefe de qualquer um de-
les considere absurda uma decisão da
corte constitucional.
É lamentável que alguns cidadãos en-
tendam que, para expressar críticas a
decisões de instituições democráticas,
façam ataques dessa natureza. A Consti-
tuição e o sistema legal preveem os re-
médios adequados para quando há dis-
cordância com ações de instituições co-
mo STF ou Congresso. Esses mecanis-
mos podem ser acionados por cidadãos
comuns que queiram reclamar. Mas na-
da disso autoriza agressões à democra-
cia e aos princípios de liberdade e igual-
dade que ela garante aos brasileiros.

]
PROFESSOR DE CIÊNCIA POLÍTICA DA USP

Matheus Lara


O ex-presidente Fernando Hen-
rique Cardoso disse que o Bra-
sil vive “um momento preocu-
pante”, com ataques ao Supre-
mo Tribunal Federal (STF) e
que não se pode dar como certo
que, na democracia, as institui-
ções vão sempre funcionar.
“Risco depende das circunstân-
cias de quem fale em nome da
democracia e de quem a defen-
da”, afirmou em entrevista no
Brazil Forum UK 2020, evento
da comunidade de estudantes
brasileiros no Reino Unido.
O evento ocorre por video-
conferência e tem transmissão
nas plataformas do Estadão.


“Na questão da democracia,
não se deve dar por assente que
as instituições vão funcionar.
Não estamos nos Estados Uni-
dos ou na Inglaterra, onde as ins-
tituições provavelmente funcio-
nam. É verdade que há liberda-
de de imprensa, Congresso as-
sumindo posições, mas tem um
problema: o povo está em casa
com medo por causa do corona-
vírus, não se sente reação popu-
lar”, disse o tucano.
Para FHC, o Brasil pode cair
no autoritarismo se não houver
reação a fatos como os ataques
contra o STF no domingo. Per-
to da meia-noite, cerca de 30
manifestantes bolsonaristas si-
mularam com fogos de artifício

um ataque à Corte. Os fogos fo-
ram disparados na direção do
edifício principal do STF, na
Praça dos Três Poderes, en-
quanto os manifestantes xinga-
vam ministros do tribunal.
“Vivemos um momento preo-
cupante, com atentado simbóli-
co ao STF sem reação de autori-
dades maiores. Há um clima em
que você sente que as institui-
ções estão com vigor, querendo
reagir”, declarou. “Mas nessas
horas de dificuldade, não tenha-
mos dúvida, a instituição funda-
mental são as Forças Armadas.
Nunca se sabe muito bem, mas
não creio que eles tenham, co-
mo tinham em 64, um projeto
de segurar a esquerda. Eles es-

tão, acredito, com a Constitui-
ção. Ainda segundo o ex-presi-
dente, falta rumo ao País. “A re-
tórica do presidente vai no senti-
do do autoritarismo, mas na
mão dele não se sente a espada.
Estamos na zona cinzenta, ain-
da bem. Vai depender da reação.
O STF reagiu bastante forte-
mente em função do que ocor-
reu ontem (domingo). O que
não vejo é rumo. Mesmo (Bolso-
naro) não tendo esse projeto (de
autoritarismo), ele pode chegar
lá. É um momento perigoso.”

Polarização. Também partici-
pante do evento, a ex-presiden-
te Dilma Rousseff afirmou que
não vê um cenário possível para
um impeachment de Bolsonaro
neste momento. “Não acredito
que estejam dadas as condições
para Bolsonaro sofrer um im-
peachment e também acho que
não tem condição de fazer um
autogolpe”, disse a petista.
Na avaliação dela, há uma es-
calada autoritária no País que
coloca a polarização “no auge”.
A petista sofreu impeachment
em 2016 durante período de
marcada polarização política.
“O governo trabalha na base da
polarização da sociedade. É o
tratamento dos adversários po-
líticos como inimigos. É a políti-
ca de ódio e violência. Há uma
anomia do presidente, não tem
uma liderança porque não é ca-
paz de reconhecer a crise.”

Marcelo Godoy


Um grupo de militares da reser-
va divulgou no sábado um novo
manifesto contra o ministro
Celso de Mello, do Supremo Tri-
bunal Federal (STF). O docu-
mento foi publicado em meio a
mais uma crise entre o governo


de Jair Bolsonaro e o Supremo,
após o ministro Luiz Fux conce-
der liminar afirmando que não
cabe às Forças Armadas exercer
poder moderador.
“A missão institucional das
Forças Armadas na defesa da Pá-
tria, na garantia dos poderes
constitucionais e na garantia da
lei e da ordem não acomoda o
exercício de poder moderador
entre os poderes Executivo, Le-
gislativo e Judiciário”, escreveu
Fux. Em resposta, Bolsonaro
afirmou que as Forças Armadas
“não cumprem ordens absur-
das, como por exemplo a toma-

da de poder. Também não acei-
tam tentativas de tomada de po-
der por outro Poder da Repúbli-
ca, ao arrepio das leis, ou por con-
ta de julgamentos políticos”.
O novo manifesto foi uma ini-
ciativa de dois coronéis da For-
ça Aérea Brasileira e recebeu a
assinatura de 52 integrantes da
Aeronáutica, 16 da Marinha e
dez do Exército – todos da reser-
va. Também assinam o docu-
mento 30 civis e um oficial da
PM do Rio. Entre os signatários
estão 12 brigadeiros, cinco almi-
rantes e três generais.
O documento diz que “nin-

guém entra nas Forças Armadas
por apadrinhamento” ou atinge
postos na carreira por ter “um
palavreado enfadonho, supér-
fluo, verboso, ardiloso, como
um bolodório de doutor de facul-
dade”. “Nenhum militar recorre
à subjetividade ao enunciar ao su-
bordinado a missão que lhe cabe
executar, se for necessário, com
o sacrifício da própria vida.”
O documento segue, afirman-
do ao magistrado que “nenhum
militar deixa de fazer de seu cor-
po uma trincheira em defesa da
Pátria e da bandeira”. “Ne-
nhum militar atinge o generala-

to se não merecer o reconheci-
mento dos seus chefes, o respei-
to de seus pares e a admiração
dos seus subordinados.”
O decano do Supremo é o re-
lator do inquérito sobre as su-
posta interferência política de
Bolsonaro na Polícia Federal

que, segundo relato feito pelo
ex-ministro da Justiça Sérgio
Moro, levou à demissão de Mau-
rício Valeixo da direção da PF. A
reação dos militares contra o mi-
nistro começou depois que Cel-
so Mello disse que generais do
Planalto que deveriam depor co-
mo testemunhas no caso pode-
riam ser conduzidos “debaixo
de vara” se fosse necessário.
Após esse episódio, o decano
foi novamente criticado pelos
militares por submeter à Procu-
radoria-Geral da República o pe-
dido de apreensão do celular de
Bolsonaro. A solicitação aca-
bou sendo arquivada depois de
o procurador-geral, Augusto
Aras, declarar que a medida era
desnecessária.

Camila Turtelli
Emilly Behnke / BRASÍLIA


Principal entidade que repre-
senta os prefeitos, a Confedera-
ção Nacional dos Municípios
(CNM) resiste ao plano de
adiar as eleições municipais des-
te ano. Uma das propostas em
discussão na Câmara e no Tribu-
nal Superior Eleitoral (TSE) é
transferir a votação de outubro
para novembro. Os argumen-
tos para que seja mantida a data
original é a redução dos perío-


dos de transição e o prazo para
possíveis recursos judiciais.
Nos bastidores, há ainda ou-
tra razão. O socorro pago pela
União a Estados e municípios
para compensar a queda de arre-
cadação de impostos durante a
crise vai até setembro. Depois
disso, a perspectiva é de que
muitas prefeituras não tenham
dinheiro para cumprir com as
folhas de pagamento, o que po-
de arranhar a popularidade dos
que tentam a reeleição.
“Se não acontecer um novo
apoio para outubro, novembro
e dezembro, você pode ter certe-
za de que boa parte dos municí-
pios do Brasil vai atrasar folha
de pagamento de colaborado-
res, fornecedores e vai ter difi-
culdade no prestamento de ser-
viço à população”, disse o presi-

dente da CNM, Glademir Arol-
di. Ele defendeu a prorrogação
dos mandatos dos atuais prefei-
tos por até dois anos, mas, se
não tiver apoio para essa pro-
posta, pediu a manutenção do
calendário e destacou que os
prazos já estão correndo.
O presidente da Câmara, Ro-
drigo Maia (DEM-RJ), tem tra-
balhado para adiar as eleições
para novembro ou dezembro,

sem a possibilidade de se man-
ter os atuais prefeitos mais tem-
po no poder. “Precisamos res-
peitar o resultado das urnas que
garantiu o mandato de quatro
anos aos prefeitos e vereadores.
Isso é um consenso pelo menos
do que ouço dos líderes da Câ-
mara e ouvi isso do presidente
Luís Roberto Barroso (presiden-
te do TSE)”, afirmou Maia na se-
mana passada.
Em entrevista ao Estadão,
Barroso disse que a sugestão do
TSE é também adiar para no-
vembro. Será realizada uma
conversa entre uma equipe
médica e líderes da Câmara so-
bre as condições sanitárias do
País para se realizar as eleições.
Maia é contra a prorrogação
dos mandatos. Na visão do par-
lamentar, isso é um precedente
perigoso que, no futuro, pode
ser utilizado, eventualmente,
para um governo “com ampla
maioria” no Congresso esticar
sua permanência no poder.

Líderes. A ideia de adiar em
apenas um ou dois meses, po-
rém, não tem apoio de líderes
do Centrão. O presidente do Re-

publicanos, Marcos Pereira
(SP), defende a manutenção do
calendário de outubro, com a
adoção de medidas de seguran-
ça. “Eu havia me manifestado
favorável ao adiamento, mas en-
tendo que há meios seguros de
manter as eleições na sua data
original”, escreveu Pereira.
Presidente do PSD, Gilberto
Kassab acredita que a manuten-
ção das eleições municipais em
outubro seja o “melhor para o
País”, mas prega aguardar a po-
sição do TSE sobre o assunto.
“Como cidadão, como eleitor,
como dirigente partidário, se
puder manter (a data) melhor,
mas o ministro Barroso está fa-
zendo uma série de consultas.
Vamos tomar conhecimento
do que ele levantou para ter a
decisão. Mas, se for possível
manter, melhor”, disse Kassab.
Para o coordenador do Trans-
parência Partidária, Marcelo Is-
sa, o adiamento com manuten-
ção do pleito em 2020 pode fa-
vorecer novatos na política e
quem não detém mandato de
modo geral, uma vez que pode
haver um prolongamento do pe-
ríodo de campanha eleitoral.

lEvento
O Brazil Forum
UK vai até 10
de julho. O
evento é gratui-
to. Acompanhe
no portal esta-
dao.com.br, no
Twitter (@esta-
dao) e Face-
book e no canal
do ‘Estadão’ no
YouTube.

Constituição admite


reação a agressões


contra a democracia


]
ANÁLISE: José Álvaro Moisés

JARBAS OLIVEIRA/ESTADÃO–3/10/

lPrevisão

Políticos temem queda


de popularidade quando


ajuda da União acabar e


eles não tiverem dinheiro
para pagar salários


“Se não acontecer um novo
apoio (financeiro) para
outubro, novembro e
dezembro, boa parte dos
municípios vai atrasar folha
de pagamento.”
Glademir Aroldi
PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO
NACIONAL DOS MUNICÍPIOS

Sem caixa, prefeitos


defendem manter


eleições em outubro


Indefinição. Urnas eletrônicas armazenadas no Ceará

BRAZIL FORUM

Para FHC, País


vive um ‘momento


preocupante’


Ex-presidente diz que não se pode dar como certo que instituições


defenderão a democracia: ‘Não estamos nos EUA ou na Inglaterra’


Militares da reserva fazem manifesto contra decano do STF


Novo documento é


iniciativa de dois coronéis


da Força Aérea e


recebeu apoio de colegas


da Marinha e do Exército


NA WEB
Supercoluna.
Radicalismo divide
Forças Armadas

estadao.com.br/e/militaresdivisao
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