O Estado de São Paulo (2020-06-16)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-7:20200616:
O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 16 DE JUNHO DE 2020 A


Internacional


Suprema Corte americana torna ilegal


demitir funcionário por ser gay ou trans


Retomada


Europa reabre
fronteiras com regras

divergentes. Pág. A


TOM BRENNER/REUTERS

Comemoração. Ativista celebra vitória na Justiça em frente à Suprema Corte, em Washington: comedido, Trump diz que decisão foi ‘muito convincente’

Beatriz Bulla
CORRESPONDENTE / WASHINGTON


O clima de retomada da econo-
mia nos EUA está ameaçado. Ao
menos 21 Estados registraram
aumento de novos casos de co-
ronavírus nos últimos sete dias,
colocando em risco a sensação
de que o pior já passou. O país
registrou mais de 116 mil mor-
tos e quase 2,2 milhões de infec-
tados por covid-19. Alguns Esta-
dos, como Arizona, Flórida e Te-
xas, tiveram recorde de novas
contaminações em um só dia
desde o início da epidemia.


Com o declínio nacional de
casos e o controle da situação
em Nova York, muitos Estados
americanos passaram a reabrir
gradualmente lojas e restauran-
tes, retornando à normalidade
incentivados pelo presidente
Donald Trump. No entanto, o
avanço do vírus na última sema-
na mostra que a reabertura co-
meçou a criar problemas.
No sábado, a Flórida registrou
mais de 2,5 mil novas infecções
em 24 horas, o maior número pa-
ra um único dia. O Estado já tem
mais de 77 mil casos de coronaví-
rus e quase 3 mil mortos. O go-
vernador, o republicano Ron De-
Santis, garante que o aumento
não está relacionado com a rea-
bertura, que começou no dia 4
de maio, mas sim com a maior
testagem e surtos em comunida-
des rurais, prisões e asilos.
O argumento de que há mais
testes feitos, no entanto, não ex-
plica a alta registrada em quase
metade dos Estados america-
nos, pois a porcentagem de exa-

mes positivos em relação aos rea-
lizados também tem crescido na
maior parte deles, assim como o
número de hospitalizações.
O Institute for Health Me-
trics and Evaluation (IHME),
da Universidade de Washing-
ton, que produz o modelo esta-
tístico que embasa as políticas
da Casa Branca, revisou as proje-
ções. A estimativa atual é de que
o país registre 201.129 mortes
até outubro. Se o estudo estiver
correto, os EUA terão mais 85
mil óbitos por covid-19 nos
próximos três meses e meio. O
modelo do IHME é considera-
do conservador pela maior par-
te dos especialistas.
Os casos atuais ainda são con-
siderados parte da primeira on-
da de contágio, que agora che-
gam a locais que não foram tão
afetados. A segunda onda de in-
fecções é prevista para começar
entre agosto e setembro, com a
volta às aulas e a flexibilização
das medidas de segurança ado-
tadas pela população.
O avanço do vírus pelo inte-
rior do país, no entanto, ainda
não entrou no radar da Casa
Branca, que já não faz mais cole-
tivas de imprensa para infor-
mar sobre a situação da pande-
mia. Além disso, Trump prome-
teu fazer comícios no Arizona,
Texas e Flórida, nas próximas
semanas, mesmo sabendo dos

riscos. Em Houston, maior cida-
de do Texas, as autoridades defi-
nem a situação como “próxima
de um desastre”.

Apesar das orientações para
que aglomerações e viagens
não essenciais sejam evitadas,
a campanha de Trump retoma-
rá a agenda de campanha no sá-
bado, com um comício na cida-
de de Tulsa, no Estado de Okla-
homa, onde o número de casos
também cresce.
As maiores altas da última se-
mana, segundo o Washington
Post, foram registradas nos Es-
tados de Alabama (92%), Ore-
gon (83,8%) e Carolina do Sul
(60,3%). No Arkansas, as inter-
nações cresceram 120,7% des-

de o feriado do Memorial Day,
no fim de maio, quando muitos
americanos lotaram praias e
parques.
Ainda é cedo para saber se o
surgimento de novos casos vai
ou não sobrecarregar os hospi-
tais, mas o risco de reabrir a eco-
nomia cresceu para prefeitos e
governadores. Até agora, os Es-
tado de Oregon e Utah decidi-
ram paralisar a reabertura.
Em Nova York, cenas de aglo-
merações em bares e restauran-
tes, no fim de semana, fizeram
governador, Andrew Cuomo,
ameaçar interromper a retoma-
da. “Temos 21 Estados onde o
vírus está crescendo. Não que-
remos passar pela mesma situa-
ção”, afirmou. Segundo ele, se a
população não seguir as diretri-
zes determinadas pelo gover-
no, há uma possibilidade “real”
de voltarem as restrições.
O Estado de Nova York foi o
que mais sofreu na primeira on-
da de contágio, chegando ao pa-
tamar de 800 mortes diárias.
Todos os sinais até agora são de
que os nova-iorquinos conse-
guiram achatar a curva de nova
infecções. Há 1,6 mil pessoas
hospitalizadas com covid-
em todo o Estado, o menor nú-
mero desde 20 de março, e dis-
tante do pior momento, quan-
do mais de 18 mil estavam inter-
nadas.

WASHINGTON


A Suprema Corte americana
concedeu ontem uma vitória
histórica ao movimento
LGBT, ao considerar que ho-
mossexuais e transgêneros
estão protegidos pelos mes-
mos mecanismos que regula-
mentam as relações de qual-
quer trabalhador. A decisão
contraria a posição do presi-
dente Donald Trump e de
muitas empresas que defen-
diam que o tema deveria ser
decidido por uma lei específi-
ca aprovada no Congresso.
A maioria dos juízes, porém,
usou o princípio da igualdade
para determinar que a Lei dos
Direitos Civis, de 1964, que proí-
be a discriminação no trabalho
com base em raça, religião, na-
cionalidade ou sexo, se aplica
também aos milhões de traba-
lhadores homossexuais e trans-
gêneros.
A decisão de ontem foi compa-
rada a uma anterior, de 2015,
quando os juízes da Suprema
Corte determinaram que o casa-
mento entre pessoas do mesmo
sexo não poderia ser proibido
por um Estado.
Um aspecto importante da de-
cisão de ontem foi placar da vo-
tação: 6 a 3, com o juiz Neil Gor-
such votando a favor de esten-
der os direitos à comunidade
LGBT. Gorsuch foi indicado ao
tribunal por Trump, em 2017,
por ter credenciais conservado-
ras impecáveis, de acordo com
declarações do presidente na
época da nomeação.
Ironicamente, coube a Gorsu-
ch redigir a decisão da maioria.
“Hoje, temos de decidir se um
empregador pode demitir al-
guém apenas porque é homosse-
xual ou transgênero. A resposta
é clara: a lei proíbe”, afirmou a
sentença.
A decisão de ontem da Supre-
ma Corte foi a sentença final de
dois casos concretos de ho-
mens gays que alegaram ter si-
do demitidos em razão de sua
orientação sexual e do processo
de uma mulher trans, que acu-
sou o empregador de tê-la demi-
tido depois que ela assumiu sua
nova identidade de gênero no


trabalho.
Gerald Bostock, funcionário
de um programa governamen-
tal que ajudava menores abusa-
dos em situação de vulnerabili-
dade no condado de Clayton, na
Geórgia, afirmou que foi demiti-

do depois de se tornar membro
de uma liga gay de softbol.
Já o instrutor de paraquedis-
mo Donald Zarda alegou que
sua demissão ocorreu depois
que ele contou para uma cliente
que era gay – ele quis tranquili-
zá-la, para que ela saltasse amar-
rada ao instrutor, mas o namora-
do não gostou e reclamou com o
diretor da empresa. Zarda mor-
reu em 2014, em um acidente de
paraquedas, mas seu herdeiro
levou a causa adiante.
O caso da mulher transgêne-
ro se refere a Aimee Stephens,
que foi demitida de uma casa fu-
nerária depois de anunciar, em
2013, que passaria a trabalhar
vestindo suas roupas de mu-
lher. Ela morreu em maio, mas o
caso também seguiu em frente.

As decisões contra funcioná-
rios gays e transgêneros no
ambiente de trabalho conti-
nuavam legais na maior parte
dos EUA, uma vez que 28 Esta-
dos americanos não haviam
aprovado medidas contra a
discriminação.
Os advogados dos trabalhado-
res gays, lésbicas e trans, apoia-
dos por muitos congressistas
democratas e por executivos de
várias grandes empresas, como
Apple, General Motors e Walt
Disney, pediram à Suprema Cor-
te que esclarecesse quem esta-
va protegido pela lei de 1964.
Os advogados das empresas e
do governo americano defen-
diam que a lei de 1964 se referia
apenas à proteção contra a dis-
criminação sexual de homens e

mulheres, não tendo nenhuma
relação com orientação sexual
ou identidade de gênero. Se o
Congresso quisesse proteger os
direitos dos trabalhadores
LGBT, segundo eles, deveria
aprovar uma nova lei.
Em instâncias inferiores, a
maioria dos tribunais conside-
rou que a Lei dos Direitos Civis,
de 1964, excluía a orientação se-
xual. Mas o caso subiu para a Su-
prema Corte depois que duas
cortes de apelação, de Nova
York e Chicago, consideraram
ilegal a discriminação contra
gays, lésbicas e transgêneros.
“A decisão histórica da Supre-
ma Corte afirma o que nem de-
veria ter estado em debate, que
os americanos LGBT devem po-
der trabalhar sem medo de per-

der o emprego em razão de
quem são”, afirmou Sarah Kate
Ellis, presidente do grupo
GLAAD, que defende os direi-
tos LGBT.
Grupos conservadores, no en-
tanto, criticaram a decisão. Car-
rie Severino, presidente da Judi-
cial Crisis Network, afirmou
que a sentença é “um ataque
brutal ao sistema constitucio-
nal” dos EUA. “Isto não é julgar.
Isto é legislar”, disse.
Trump, no entanto, foi mais
comedido, chamando a decisão
de “muito convincente”. “Eles
decidiram. Eu li o parecer. Al-
guns ficaram surpresos. Mas
eles decidiram e nós podemos
viver com essa decisão”, afir-
mou o presidente. / NYT, AFP e
REUTERS

Igualdade. Com voto favorável de juiz conservador indicado pelo presidente Donald Trump, tribunal determina que Lei dos Direitos


Civis, de 1964, que proíbe discriminação no trabalho com base em raça, religião, nacionalidade ou sexo, se aplica a todos sem distinção


lParecer

lContaminação

PANDEMIA DO
CORONAVÍRUS

LUCY NICHOLSON/REUTERS

Defensores da retomada


da economia dizem que


aumento no total de


casos tem relação com o


maior número de testes


Vírus avança em 21


Estados americanos


e ameaça reabertura


Internação. Paciente com covid-19 é tratada na Califórnia

“Hoje, temos de
decidir se um
empregador pode
demitir alguém apenas
porque é homossexual
ou transgênero.
A resposta é clara:
a lei proíbe”
Neil Gorsuch
JUIZ DA SUPREMA CORTE DOS EUA,
NA SENTENÇA QUE DEFINIU O TEMA

116 mil
pessoas morreram de
covid-19 nos Estados Unidos,
de acordo com levantamento
do jornal ‘New York Times’,
e quase 2,2 milhões
contraíram o vírus
Free download pdf