O Estado de São Paulo (2020-06-16)

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O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 16 DE JUNHO DE 2020 A


NA LUTA PARA


VENCER CÂNCER


E CORONAVÍRUS


Educadora física se preveniu, mas não deixou
rotina de tratamento no A. C. Camargo

Paula Felix

I


solamento social, uso de
máscara e a sensação de
não entender como uma
doença grave se desenvolveu
em seu corpo são elementos
que entraram na vida da edu-
cadora física Paula Arcuri, de
56 anos, meses antes de o no-
vo coronavírus mudar a roti-
na e causar impactos devasta-
dores na vida das pessoas em
diferentes partes do mundo.
Diagnosticada com um cân-

cer no reto em outubro, ela co-
meçou a perceber que, por cau-
sa do vírus, colegas de luta con-
tra o câncer estavam deixando
de ir ao hospital para fazer o tra-
tamento. Paula resolveu não se
abalar com a ameaça da covid-


  1. Ela se protege de uma doen-
    ça para tentar vencer outra.
    O hospital onde faz tratamen-
    to, o A. C. Camargo Cancer Cen-
    ter, chegou a registrar uma que-
    da de 60% nos exames para diag-
    nóstico e para determinar a fase
    de desenvolvimento da doença


no mês de abril, em compara-
ção com o mesmo período em


  1. Nas cirurgias, a redução
    foi de 50%. De acordo com a So-
    ciedade Brasileira de Patologia
    (SBP), nos três primeiros me-
    ses da pandemia, estima-se que
    ao menos 70 mil pessoas deixa-
    ram de ser diagnosticadas com
    câncer. A Sociedade Brasileira
    de Cirurgia Oncológica (SB-
    CO) calcula que 70% das cirur-
    gias no Sistema Único de Saúde
    (SUS) e na rede privada não fo-
    ram realizadas. Ainda segundo
    a SBP, houve um aumento en-
    tre 10% e 20% nas biópsias reali-
    zadas em maio, mas há serviços
    de referência que registram que-
    da de 80% em relação ao mes-
    mo período do ano passado.
    Após o diagnóstico, Paula vi-
    veu momentos de medo e triste-
    za, mas logo se empenhou para
    ser uma paciente disciplinada.
    Quando o vírus ainda não causa-
    va adoecimento e mortes, a edu-
    cadora física fazia o trajeto de
    casa, no Alto da Lapa, na zona


oeste, até o hospital, localizado
na Liberdade, na região central,
de táxi e de metrô. Para se prote-
ger, mudou a dinâmica. “Eu já
estava no finalzinho da radiote-
rapia, que eu ia todos os dias, e
não precisaria mais ir diariamen-
te. Quando começou a ter casos,
o hospital entrou em contato pa-
ra acertar como seriam as con-
sultas e fui muito bem orienta-
da. Consultas que não eram ne-
cessárias foram jogadas para
frente. Minha filha começou a
fazer home office e me leva de
carro no horário do almoço. Ela
termina às 17 horas e vai me bus-
car. Quando ela tem reunião, pe-
go um táxi na porta do hospital
mesmo. Todos eles estão organi-
zados, limpam o carro.”
Isolada por causa da pande-
mia, Paula sente falta de viajar
para ver o mar, de nadar, de ver
os amigos e dos alunos. Para al-
guns, manda treinos e vídeos en-
graçados que faz com a filha. Ela
está afastada da escola, onde ti-
nha alunos de 1 ano e meio aos 18

anos. Como personal trai-
ner, dava aula para 13 pes-
soas e manteve o acompa-
nhamento online para três.
Assim, conseguiu reduzir a
jornada frenética que tinha,
que começava às 5 horas e só
terminava às 22 horas.
Paula malhava todos os
dias. Por causa da doença,
perdeu 15 quilos. Agora, pra-
tica ioga e, na semana passa-
da, começou aulas online de
pilates para recuperar mas-
sa magra. Até o próximo
mês, ela terá sessões quinze-
nais e se agarra na fé e no
aprendizado que ganhou
nos últimos meses para en-
frentar os momentos mais
difíceis. “O câncer vem para
te acordar e a pandemia veio
complementar tudo isso. Mi-
nha família parou mais para
conversar. Tem coisa que
soube da minha mãe que ela
nunca tinha me contado an-
tes. Acho que a pandemia
veio pra acordar o mundo.”

Giovana Girardi


Cerca de 20% da população
brasileira e mundial apresen-
ta alguma condição de saúde
que pode aumentar o risco de
desenvolver quadro mais gra-
ve em eventual infecção por
covid-19. É o que aponta um
estudo de modelagem popula-
cional que analisou as condi-
ções de saúde dos habitantes
de 188 países em todo o mun-
do, por idade e por sexo.
A análise, publicada nesta se-
gunda-feira, na revista Global
Health, do grupo The Lancet, foi
feita com base em dados de pre-
valência de doenças no mundo
presentes no estudo Carga Glo-
bal de Doenças, Lesões e Fato-
res de Risco de 2017, também
da Lancet. Os cientistas busca-
ram informações sobre as doen-
ças consideradas pela Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS) e
por agências de saúde dos Esta-
dos Unidos e do Reino Unido
como fatores de risco para um
quadro grave de covid-19, como
as cardiovasculares, renais
crônicas, diabete e respirató-
rias crônicas.
De acordo com o levanta-
mento, há cerca de 1,7 bilhão
de pessoas, ou 22% da popula-
ção global, com pelo menos
uma dessas condições subja-
centes que as coloca em risco
aumentado de covid-19 grave,
em caso de infecção. A taxa va-
ria conforme a idade: de menos
de 5% para menores de 20 anos
a mais de 66% das pessoas com
70 anos ou mais. Entre a popu-
lação em idade ativa (15 a 64
anos), o trabalho estima que
23% tenham pelo menos uma
condição subjacente.
Os pesquisadores calcula-
ram também o risco de hospita-
lização com base na presença
dessas comorbidades. Eles esti-
maram que 4% da população
mundial, ou 349 milhões, de-
mandariam internação hospita-
lar, em caso de infecção. O qua-
dro, mais uma vez, é pior entre
os mais idosos: cerca de 20% pa-
ra as pessoas com 70 anos ou
mais e menos de 1% para aque-
les com menos de 20 anos.
O cenário também muda con-
forme o gênero. Apesar de a pre-
valência de doenças ser pareci-
da entre os sexos, os autores as-
sumiram que os homens têm
duas vezes mais chances de ne-
cessitarem de hospitalização se
infectados. A taxa foi de 6% pa-
ra eles e 3% para elas.
Como a incidência de comor-


bidades está muito relacionada
à idade, a parcela da população
com risco aumentado foi maior
nos países com populações
mais velhas. Na Europa, por
exemplo, 31% da população se
enquadra no grupo de risco de
ter uma doença mais grave. Em
geral, na América do Norte,
28,3% da população tem esse ris-
co aumentado. Já na América

Latina e Caribe, onde a parcela
jovem é maior, a proporção é de
21,1%. Para o Brasil, o estudo in-
dica que 20,2% da população es-
tá nessas condições. Na África,
a proporção é de 16%, mas a alta
prevalência de HIV /aids coloca
essa população em um risco
mais alto. Essa combinação po-
de ser a mais fatal, alertam os
pesquisadores.

Distanciamento. O trabalho,
porém, só considerou as condi-
ções crônicas de saúde. Não fo-
ram incluídos no cálculo outros
possíveis fatores de risco para a
covid-19, como etnia e privação
socioeconômica. De modo que
a fração da população mais vul-
nerável à pandemia pode ser
ainda maior. Mesmo assim, os
autores, liderados por Andrew

Clark, do Departamento de Po-
líticas e Pesquisa em Serviços
de Saúde da Escola de Londres
de Higiene e Medicina Tropi-
cal, defendem que os dados po-
dem servir como ponto de parti-
da para formuladores de políti-
cas públicas. “Os governos es-
tão procurando maneiras de
proteger os mais vulneráveis de
um vírus que ainda está circu-

lando. Esperamos que nossas
estimativas forneçam pontos
de partida úteis para projetar
medidas para proteger aqueles
com maior risco de doença gra-
ve. Isso pode envolver aconse-
lhar as pessoas com condições
subjacentes a adotar medidas
de distanciamento social ade-
quadas ou priorizá-las para a va-
cinação no futuro.”

No mundo pós-pandemia, o
cuidado com a própria saúde
deve ser intensificado e as tec-
nologias devem ajudar pacien-
tes com doenças crônicas a
manter o quadro controlado.
Essas são análises de Romeu
Domingues, presidente do
Conselho de Administração
da Dasa – empresa de medici-
na diagnóstica –, que também
foi fundador e vice-presidente
da Associação Brasileira de
Medicina Diagnóstica (Abra-
med). Desde fevereiro, a com-
panhia já realizou mais de 500
mil testes para diagnosticar o
coronavírus e está lançando


dois novos exames, totalizan-
do seis diferentes testes. Com
isso, terá capacidade de pro-
cessamento de 120 mil exa-
mes por dia.

lOs laboratórios começaram a
trabalhar antes da chegada do
coronavírus no Brasil. Como foi
esse processo na empresa?
Desde o início, a gente tinha a
preocupação de fazer o diag-
nóstico na fase aguda, tanto
que fomos o primeiro labora-
tório privado a fazer o RT-
PCR (teste considerado padrão-
ouro). Passamos pelas dificul-
dades enfrentadas em todo o

mundo, como a escassez de
aparelhos e de reagentes. É
frustrante querer fazer 5 mil
exames por dia e fazer 1,5 mil.

lO que mudou na companhia
com a disseminação de casos?
Fizemos treinamentos e da-
mos prioridade à higienização.
Profissionais usam EPIs e, en-
quanto não tiver vacina, não
vai poder ter cem pessoas em
um ambiente para exame de
sangue. Também estamos fa-
zendo mais exames domicilia-
res, incluindo os de imagem.

lComo vai ficar o mundo pós-

pandemia?
Vimos que é preciso dar
maior ênfase à saúde. O vírus
é mais cruel com pessoas de

mais idade e com a saúde
mais comprometida. Vivemos
uma epidemia de diabete e de
outras comorbidades e é preci-

so ter uma conscientização da
população em relação a isso,
porque outros vírus vão conti-
nuar aparecendo. Por outro
lado, a gente vê que a sustenta-
bilidade da saúde, no mundo
inteiro, é preocupação. É ne-
cessário diminuir o desperdí-
cio, evitar exames, consultas e
cirurgias desnecessários, e vol-
tar para a atenção primária,
para o médico de família.

lQuais avanços a situação aca-
bou trazendo?
A telemedicina veio para ficar.
O mundo inteiro já usava. Pa-
ra coisas corriqueiras, como
cefaleia, diarreia, por que tem
de ir para o pronto-socorro?
Não precisa ir para a emergên-
cia para essas condições. / P.F.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Metrópole


ENTREVISTA


‘Vimos que é preciso dar maior ênfase à saúde’


Brasil indica cloroquina a crianças e gestantes. Pág. A10 }


Um em 5 tem condição de saúde que


aumenta risco de quadro grave de covid


É o que aponta um estudo de modelagem populacional do conglomerado da ‘Lancet’, que analisou as condições de saúde dos habitantes


de 188 países em todo o mundo, por idade e por sexo. Homens têm 2 vezes mais chances de necessitar de hospitalização se infectados


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Otimista. ‘O câncer
vem para te acordar
e a pandemia veio
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isso’, diz Paula

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Pós-covid. ‘A telemedicina veio para ficar’, diz Domingues

Romeu Domingues, presidente do Conselho de Administração da Dasa

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