O Estado de São Paulo (2020-06-17)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-14:20200617:
A14 QUARTA-FEIRA, 17 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Esportes


Daniel Batista


A retomada do futebol brasilei-
ro, quando ocorrer, trará junto
um desafio: entender e aceitar
que máscaras, álcool em gel e
luvas (além das de goleiro) se
tornaram itens tão corriqueiros
quanto uniformes, bola e gols.
O País ainda está distante de
afastar o novo coronavírus, por
isso a dúvida é saber como será
a nova rotina do futebol.
O Estadão ouviu médicos e
psicólogo do esporte para co-
mentar sobre como será o fute-
bol brasileiro daqui em diante.
Dois pontos foram unânimes: a
necessidade de uma reorganiza-
ção para a realização de parti-


das oficiais com torcedores e o
fato de ser preciso paciência pa-
ra voltar ao que era antes do sur-
gimento do novo coronavírus.
Usar máscara se tornará algo
comum no esporte, apesar das
restrições durante os jogos.
Nos estádios, elas serão apetre-
chos obrigatórios. “A retomada
deve ser lenta e gradual. Trei-
nos com grupos menores. O
ideal seria que os atletas usas-
sem máscara até mesmo duran-
te os confrontos, mas sabemos
que isso é muito difícil”, disse o
infectologista Jean Gorinch-
teyn, que trabalha no Hospital
Emílio Ribas e no Hospital Al-
bert Einstein, de São Paulo.
Divididas, carrinhos e até co-
memoração de gols são lances
em que há contatos inevitáveis.
Eliseu Alves Waldman, epide-
miologista e professor da Facul-
dade de Saúde Pública da Uni-
versidade de São Paulo, destaca
a importância de os clubes sabe-
rem quais atletas já foram conta-

minados. Embora não exista
100% de certeza de que esses
estarão imunes, quem já con-
traiu a covid-19 pode possuir an-
ticorpos contra a doença.
“A primeira coisa para voltar
o futebol é conhecer a situação
da equipe. Quem está imune e
quem deverá ser monitorado
constantemente”, explicou o
médico, que ainda lembrou:
“Mas para isso há custos”.
Os desencontros de informa-
ções e até as fake news são pon-
tos que ajudam a criar a preocu-
pação e o clima de terror entre
os jogadores. “Enquanto não ti-
ver uma organização, o futebol
vai abrir um leque de incertezas
em todos os envolvidos. Com o
tempo, as pessoas vão começan-
do a relaxar e voltam ao que era
antes. É preciso uma normativa
para auxiliar e preparar atletas
e clubes para a retomada”, aler-
tou Luiz Eduardo D’Almeida
Manfrinati, psicólogo do Sindi-
cato dos Atletas de São Paulo.

Tensão. Muitos Estaduais vol-
tarão em uma fase decisiva. No
Paulistão, por exemplo, serão
disputadas mais duas rodadas
classificatórias e depois come-
ça o mata-mata. Como prepa-
rar a cabeça de um jogador para
o clima de decisão em meio à
pandemia e depois de ficar mais
de três meses sem jogar? “É
complicado. Um levantamento
feito por algumas faculdades
mostra que a questão familiar é
algo fundamental para muitos
jogadores. Há o medo de infec-
tar alguém em casa e, em razão

disso, é preciso haver uma psi-
coeducação, para os atletas se
sentirem confiantes em voltar a
treinar e jogar e saber que preci-
sam estar bem para seguir adian-
te”, explicou o psicólogo.
O fato é que, a partir de agora,
o normal será algo diferente do
“normal de antes”. Tanto que
há intenção da Federação Pau-
lista de concentrar todos os ti-
mes em um local específico pa-
ra a disputa do Paulistão. A
ideia não conta com apoio dos
médicos e psicólogo ouvidos.
“É preciso seguir o protocolo
em todos os jogos e ter muita
disciplina. Além disso, para não
correr o risco de levar doença
para casa, o jogador deveria fi-
car 14 dias isolado após a última
partida da equipe”, comentou o
epidemiologista Eliseu.
Para o psicólogo Luís Eduar-
do, a decisão é controversa e po-
lêmica. “Há jogadores que po-
dem ficar entediados, outros
que ficarão tensos por não estar
perto da família neste momen-
to em que ainda não estamos
100% seguros. Enquanto não ti-
vermos um sistema de saúde
que permita ter um respaldo ca-
so aconteça algo, ficará compli-
cado”, considera.

Retomada corre sério


risco de ser precipitada


Almir Leite


O Campeonato Carioca mui-
to provavelmente será a pri-
meira competição do futebol
brasileiro a ser retomada,
mesmo ainda sob os graves
efeitos da pandemia do novo
coronavírus no Estado do
Rio de Janeiro. Isso pode
ocorrer já amanhã – e até com
a presença do presidente Jair
Bolsonaro no Maracanã. É o
que querem a federação local
e os clubes, capitaneados pe-
lo Flamengo, com exceção de
Fluminense e Botafogo, que
prometem ir à Justiça para
impedir o retorno imediato.
Ontem, a prefeitura deu aval
à volta, ao anunciar a segun-
da fase de flexibilização das
medidas restritivas na cidade
e permitir jogos de futebol –
com portões fechados.

Se depender do time rubro-
negro a bola rola já amanhã, em
confronto com o Bangu, pela Ta-
ça Rio, o segundo turno do tor-
neio. Local? O Maracanã, que
ontem completou 70 anos e no
momento abriga, em seu lado


externo, um hospital de campa-
nha para doentes da covid-19.
Foi o que ficou alinhavado na
reunião virtual de segunda-fei-
ra do Conselho Arbitral que in-
vadiu a madrugada. O martelo
seria batido ainda ontem à noi-
te, em novo encontro virtual,
não encerrado até o fechamen-
to desta edição. Outra opção é
fazer o jogo no fim de semana.
O Flamengo vem forçando há
semanas a volta do futebol no
Rio. Chegou a desrespeitar de-
terminação da prefeitura que

impedia treinos em campo e
seu presidente, Rodolfo Lan-
dim, foi a Brasília no mês passa-
do, levando a tiracolo o presi-
dente do Vasco, Alexandre
Campello, para encontro com
Jair Bolsonaro como parte do
lobby pelo retorno dos jogos.
Entusiasta da ideia, o presi-
dente, que colocou-se contra a
paralisação do futebol desde o
início – “Quando você proíbe
uma partida de futebol, entre
outros, você parte para um his-
terismo”, disse em 15 de março

sobre a decisão da CBF de inter-
romper os jogos –, estará no Ma-
racanã para Flamengo e Bangu,
que já treinam normalmente.
Pelo menos foi o que anunciou
o prefeito do Rio, Marcelo Cri-
vella. “O presidente Bolsonaro
diz que vem, então não vai ser
(estádio) vazio, o presidente
vai estar lá vendo o jogo.” Vale
lembrar que o futebol terá por-
tões fechados a todos que não
tiverem trabalhando.

Bombeiro. Crivella, aliás, agiu

como um moderador informal
diante das caneladas trocadas
entre os partidários da volta
imediata do Carioca e Flumi-
nense e Botafogo, que defen-
dem o retorno somente no
mês de julho, após período de
treinamentos presenciais. O
prefeito disse que o clube deve
jogar quando se sentir seguro.
“A fase (de flexibilização)
permite (os jogos). Porém, nin-
guém é obrigado a seguir os
passos da prefeitura. Eles não
querem jogar. Então, para não
ter judicialização e suspender
o campeonato mais uma vez
pelo Tribunal de Justiça, que é
sempre muito prudente, quan-
do a pessoa pede a liminar eles
concedem... A ideia é fazer um
acordo. Quem quiser jogar, jo-
ga. Quem não quiser, tem de
ser respeitado e atuar só em ju-
lho”, comentou Crivella.
Pelo esboço de tabela feito
anteontem, Fluminense e Bota-
fogo jogariam na próxima se-
gunda-feira, dia 22, contra Vol-
ta Redonda e Cabofriense, res-
pectivamente. Mas o Tricolor
e o Alvinegro alegam que isso

seria impossível, pois, além de
não terem voltado aos treinos,
não fizeram os testes de covid-
19 no elenco e funcionários, ne-
cessários para autorizar que o
atleta participe de jogos – o
Fluminense fez os testes on-
tem e aguarda os resultados.
O presidente Mário Bitten-
court fala em acionar a Justiça
se a federação quiser que o Flu
jogue agora. “As datas marca-
das para o retorno dos nossos
jogos são inaceitáveis, do pon-
to de vista da saúde de nossos
atletas. Não vamos a campo e
vamos buscar as medidas na
Justiça Desportiva para fazer
valer o que é certo”, disse.
A Ferj aposta na volta ime-
diata. “O presidente da Ferj,
Rubens Lopes, reafirmou que
não abre mão dos pilares da
preservação da saúde indivi-
dual e coletiva e de contribuir
ao combate à disseminação da
covid-19; obediência às deter-
minações das autoridades; e
observância do protocolo rigo-
roso e técnico com bases cien-
tíficas”, limitou-se a informar
a entidade em seu site oficial.

]Com um gol do artilheiro Lewan-
dovski, o Bayern de Munique venceu
o Werder Bremen por 1 a 0 ontem,
fora de casa, e conquistou o oitavo

título alemão seguido, com três roda-
das de antecipação. O time tem 76
pontos, 10 a mais que o Borussia
Dortmund. Na Inglaterra, a Premier
League retorna hoje com duas parti-
das: Aston Villa x Sheffield United e
Manchester City x Arsenal.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Carioca. Prefeitura autoriza jogos e disputa pode ser retomada já amanhã, com Flamengo x Bangu e o presidente Bolsonaro no Maracanã


lO governo de São Paulo autori-
zou os times do Estado a volta-
rem a treinar. A liberação foi co-
municada à Federação Paulista
ontem à noite pelo vice-governa-
dor, Rodrigo Garcia.
Para retornar aos treinamen-

tos presenciais, primeiro passo
para a retomada do Campeonato
Estadual, os clubes terão de se-
guir um protocolo que prevê
ações como a testagem dos joga-
dores, membros de comissão
técnica e funcionários envolvidos
com os treinos antes das ativida-
des, treinamentos individuais
num etapa inicial e uso de másca-
ras – menos para os jogadores
durante as atividades.
Os jogadores também deverão

permanecer isolados em suas
residências, saindo apenas para
ir ao clube e retornando imediata-
mente depois dos treinamentos.
Os trabalhos individuais reco-
mendados visa a manter o distan-
ciamento entre os atletas. Tam-
bém será necessário manter um
programa constante de educa-
ção e conscientização dos atle-
tas e a hidratação deve ser indivi-
dual. Ainda não há previsão para
a volta das partidas.

BAYERN É CAMPEÃO PELA
8ª VEZ SEGUIDA DO ALEMÃO

AOS POUCOS

‘A retomada deve
ser lenta e gradual.
O ideal seria que
os atletas usassem
máscara até mesmo
durante os jogos’

LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA-22/5/

Novo cenário vai exigir tempo e


paciência até retorno ao normal


MARTIN MEISSNER/REUTERS

É


no mínimo estranho que o primei-
ro campeonato a retomar suas
partidas seja o Carioca, sendo
que o Estado do Rio soma mais de 42 mil
casos de covid-19 e 5 mil mortes. É o se-
gundo Estado mais afetado pela pande-
mia no Brasil, atrás de São Paulo, onde
os clubes ainda não voltaram sequer a
treinar, à espera do aval das autoridades
médicas. Na ânsia de voltar ao normal
(como se isso fosse possível), Flamengo
e Vasco chegaram a apelar para o presi-
dente Bolsonaro e o Rubro-negro man-
dou seus jogadores trabalharem no Ni-
nho do Urubu (aquele onde dez garotos
morreram em incêndio) mesmo sem au-
torização da prefeitura. A grandeza de
clubes de futebol não é medida apenas
pela quantidade de títulos e torcedores.
Atitudes tomadas fora de campo con-
tam – e muito – nessas horas. Nesse sen-
tido, o futebol carioca parece estar na
contramão da razão e do bom senso.

]
EDITOR-ASSISTENTE DE ESPORTES

] ANÁLISE: Raphael Ramos

WILTON JUNIOR/ESTADÃO-11/3/

Rio dá aval para a volta do futebol


Pressão. Flamengo pressionou bastante e, com a liberação da prefeitura, deve reabrir o Carioca; mas as arquibancadas ficarão vazias


Governo paulista


libera os clubes


para treinamento


Jean Gorinchteyn
MÉDICO INFECTOLOGISTA

Médicos e psicólogos


entendem que será


preciso nova organização


e que novos itens farão


parte da rotina do futebol


Precaução. Máscara vai ser ‘equipamento’ dos jogadores
Free download pdf