O Estado de São Paulo (2020-06-17)

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 17 DE JUNHO DE 2020 Economia B9


No isolamento, startup


vira ‘laboratório’ e se


abre para produtos como


crédito, reforma de quarto


e até assessoria jurídica


Bruno Capelas


Prestes a fazer dois anos, a star-
tup de imóveis Loft está se rein-
ventando na quarentena. Criada
como um negócio de compra, re-
forma e venda de apartamentos,
a empresa está usando o período
de isolamento social para desco-
brir como pode atender às dife-
rentes necessidades dos clien-
tes. “Viramos um laboratório gi-
gantesco”, diz o presidente exe-
cutivo da empresa, Mate Pencz.
Entre os projetos, há ideias co-
mo a de reformas de um só imó-
vel, empréstimos pessoais e até
mesmo o uso da máquina jurídi-
ca da empresa para quem preci-
sa lidar com a burocracia de ven-
der ou comprar uma residência.
“Estamos desdobrando nossos
produtos para alavancar a estru-
tura atual, criando novas linhas
de receita”, diz o executivo, que
comanda o único unicórnio bra-
sileiro de 2020 – em janeiro, ao
levantar uma rodada de US$ 175
milhões, a Loft foi avaliada aci-
ma de US$ 1 bi.
Ao Estadão , Pencz fala sobre
o momento do mercado imobi-
liário – segundo ele, os negócios
da Loft já retomaram níveis da
primeira quinzena de março.
Desde segunda, a empresa tam-
bém voltou a ter funcionários
em seu escritório (um grupo de
25 pessoas, do total de 600).
Além disso, o executivo fala so-
bre o futuro do trabalho – para
ele, os escritórios serão como
“bibliotecas” e “home office po-
de ser um benefício tão impor-
tante quanto plano de saúde”.


lEm janeiro, a Loft captou recur-
sos com um plano para 2020. De
repente, tudo mudou. Como a
pandemia mudou a Loft?
Fizemos uma rodada expressi-
va para aumentar o time de tec-
nologia. Hoje, são 200 pes-
soas, que já trabalhavam em so-
luções para digitalizar mais o
mercado imobiliário. Com a
pandemia, acabamos aceleran-
do muitas coisas planejadas pa-
ra o médio e o longo prazo. Vi-
ramos um laboratório gigantes-
co. Nesses meses, vimos algu-
mas tendências – e estamos
respondendo a elas. A quanti-
dade de pessoas procurando
por casas novas, maiores, ou
em um novo bairro, aumentou
muito. Também estamos ven-
do volumes que a gente jamais
teria imaginado para reformas
e modificações nas residên-
cias. Acho que ainda é cedo pa-
ra entender como isso vai se
desdobrar, mas há mudanças.


lQue novos produtos esse labo-
ratório tem gerado?


Temos virado noites acelerando
produtos que estavam no forno.
Um que já lançamos são os em-
préstimos com garantia em imó-
vel, para quem precisa levantar
recursos para sua empresa, por
exemplo. E para quem não é do-
no do apartamento em que mo-
ra ou não quer usá-lo como ga-
rantia, também estamos estu-
dando empréstimos sem garan-
tia. Outro que chegará em bre-
ve são as reformas para tercei-
ros. Em 2019, compramos a (s-
tartup de reformas) Decorati.
Antes só reformávamos imó-

veis inteiros, mas agora vamos
permitir que o usuário possa
reformar apenas um cômodo –
como transformar um quarto
de hóspedes num home office.
Também estudamos oferecer
serviços da área jurídica da
Loft para quem compra ou ven-
de um apartamento. Ou lançar
um serviço de seguro para ga-
rantia das reforma. São muitas
ideias. Na prática, o que esta-
mos fazendo é desdobrar os
produtos da Loft para se adap-
tar às preferên-
cias das pes-

soas. É uma forma de alavan-
car a nossa estrutura, com li-
nhas novas de receita. No fim
das contas, a ideia é ser uma
one stop shop , um lugar para tu-
do que você precisa resolver. E
não paramos nossa expansão
em São Paulo e no Rio, temos
adicionados alguns bairros –
que já têm esses serviços.

lMas isso significa que o negó-
cio principal da Loft – compra,
reforma e venda – vai mal?
Não. Em São Paulo, que é nos-
so maior mercado, estamos

em patamares muito semelhan-
tes ao da primeira quinzena de
março. Mudou um pouco em
algumas faixas de preço e re-
giões, mas na média, estamos
de volta ao pico pré-covid.
Uma coisa que ajudou foi que
tivemos algumas transações
100% digitais. Houve muita
gente querendo vender às pres-
sas, então nossa promessa de
liquidez instantânea teve va-
lor. Mesmo com a pandemia,
nós não paramos de comprar.
Quanto às vendas, acredito
que há oportunidades. A que-
da na Selic está criando taxas
de financiamento imobiliário
inéditas. Nas últimas duas se-
manas, tivemos mais visitas
que no início de março. O cená-
rio macroeconômico no Brasil
preocupa, não sei também co-
mo a precificação vai se com-
portar, mas tenho confiança
de que vamos ter um giro tal-
vez mais elevado pré-crise.

lMuitas startups estão deixando
funcionários em casa até o final
do ano, mas a Loft reabriu os es-
critórios essa semana. Por quê?
Faremos uma retomada em
três partes. Nessa semana,
abrimos para uma pequena
parcela das pessoas. Nem to-
dos têm condições ideais em
casa. Mas quem quiser voltar
para o escritório vai ter que fa-
zer testes, medir a temperatu-
ra e trabalhar distanciado, sem
reuniões ou uso das áreas co-
muns. A segunda onda ainda
não tem uma data definitiva,
mas terá mais gente – embora
seja uma minoria das pessoas,
sem reuniões, tudo via Zoom
ou telefone. Estamos estudan-
do como redesenhar o escritó-
rio. Acredito que ele será um
espaço de colaboração, como
uma biblioteca – em que você
estuda, faz um trabalho, mas
não passa a semana toda lá.

lA mudança na forma de pensar
os escritórios também muda a
dinâmica de contratações e a cul-
tura da empresa, não?
Contratamos 116 pessoas des-
de março. Foi um processo
100% virtual – o funcionário na
casa dele, com cadeira e note-
book que enviamos, tomando
café virtual comigo. Tem um
desafio cultural sim nesse mo-
mento, mas será importante
ter momentos de interação físi-
ca. Mas estamos flexibilizando
as contratações. Chegamos até
a contratar nossa primeira pes-
soa nos EUA. Mas essa oportu-
nidade de contratar em qual-
quer lugar é uma mão dupla.
Por enquanto, vejo oportunida-
de para as empresas de tecnolo-
gia de São Paulo, que estavam
lidando com escassez de talen-
tos. Em algum momento, as gi-
gantes de fora vão olhar para o
mercado de talentos do Brasil.
Da nossa parte, estamos bus-
cando flexibilizar e exigir os
mesmos resultados. Acredito
que essa cultura remota cria
um equilíbrio melhor entre tra-
balho e vida pessoal. No futu-
ro, flexibilidade de home office
vai ser um benefício tão impor-
tante quanto plano de saúde.

mauríciobenvenutti


ENTREVISTA


pessoas foram afetadas pelas
iniciativas, estima
levantamento feito pela startup

PASSARAM DE ANO
Edtechs do País se
destacam em ranking
Um estudo realizado pela ame-
ricana HolonIQ, plataforma de
inteligência focada em educa-
ção, divulgou, na última sema-
na, uma lista das 100 edtechs
mais inovadoras da América La-
tina. Entre as brasileiras lista-
das estão: MindLab, Mundo 4D,
Beetools, Provi, Geekie, Quero
Educação e EduK.
MARCELLA FERRUCCI

Dinheiro na mão
Startup Pipo Saúde
levanta R$ 20 mi
A Pipo Saúde, startup de ges-
tão de planos de saúde corpo-
rativos, comandada por Ma-
noela Mitchell, levantou um
aporte de R$ 20 milhões. Li-
derado pela Monashees e Kas-
zek, o aporte tem participa-
ção do fundo ONEVC e tam-
bém de anjos como o funda-
dor do Nubank, David Velez.

foi o valor das ações feitas
pelo QUintoAndar durante a
quarentena para apoiar seu
ecossistema

50 mil


175 mi


REFORMA


Mate Pencz,
presidente executivo da Loft

A


pós mais de 110 dias do primeiro caso con-
firmado de covid-19 no Brasil, certamente
não é preciso lhe falar sobre como essa
pandemia está mudando o mundo. Os efeitos es-
tão em todo lugar, na maneira como trabalhamos
à forma como nos divertimos.
Entre essas consequências, há uma bastante
evidente: a digitalização. O e-commerce brasilei-
ro ganhou 4 milhões de novos clientes nessa qua-
rentena. Na China, que já era familiarizada com o
mercado online, um formato diferente ganhou


força: o shop streaming. Nele, você compra em
tempo real durante uma transmissão ao vivo pela
internet. Várias empresas aderiram às lives do
Taobao, o site de comércio eletrônico do Alibaba,
para venderem seus produtos. Além disso, o au-
mento de reuniões por videoconferência fez o
valor de mercado do Zoom superar o das 7 maio-
res companhias aéreas do mundo. A demanda
crescente por serviços digitais levou o preço das
ações da Apple, Amazon, Microsoft e Facebook às
suas máximas históricas. Sem contar o boom vis-
to no ensino à distância, no entretenimento vir-
tual, na telemedicina, no uso de ferramentas em
nuvem, nas plataformas de delivery e por aí vai.
Em função disso, uma nova competência passa
a ser exigida: a consciência digital. O ser humano,
enquanto espécie, é analógico por natureza. Pen-

samos sobre as coisas de forma linear. Suponha,
por exemplo, que o seu passo mede 1 metro. Se eu
pedir para você dar 30 passos lineares – 1, 2, 3, 4, 5,
6 e assim por diante – é fácil dizer que a sua distân-
cia será de 30 metros após o 30º passo. E que você
estará a 5, 10 e 15 metros após 5, 10 e 15 passos,
respectivamente. É assim que a maioria dos indi-
víduos pensa. Se há um vendedor que produz R$ 1
milhão por mês, dois vendedores produzirão 2
milhões, três produzirão 3 milhões. Uma mente
não-digital raciocina desse jeito.
Mas a característica exponencial das soluções
digitais desafia essa forma linear de projetar o futu-
ro. Caso eu pedisse, agora, para você dar 30 passos
exponenciais, ou seja: 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64... O que
aconteceria? Qual seria a sua posição após dobrar
30 vezes seguidas o passo imediatamente ante-

rior? Bem, no trigésimo passo, poucos percebem
que o passo seguinte os distanciaria 1 bilhão de
metros do ponto inicial e que isso seria suficiente
para dar 26 voltas no planeta Terra. Se entender a
diferença entre o pensamento linear – que nos mo-
ve 30 metros – e o comportamento digital – que
nos faz circular a Terra várias vezes – já era impor-
tante antes do coronavírus, hoje é muito mais.
Assim, o online potencializa o offline. O digital
fortalece o analógico. Atualmente, ser conscien-
te do potencial que os recursos tecnológicos con-
ferem ao seu universo profissional se tornou tão
importante quanto qualquer hard ou soft skill
ensinada nos tradicionais cursos de carreira.

]
É SÓCIO DA EMPRESA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA STARTSE

[email protected]

R$ 35,8 mi


de dólares foram levantados
pela Loft em sua última rodada
de investimentos, realizada em
janeiro deste ano; com aporte,
startup se tornou um unicórnio

pessoas foram contratadas pela
Loft desde o início da
quarentena; processo foi
totalmente virtual, diz Pencz

A Loft se reinventa na quarentena


Estrutura.
Para Pencz,
time de 200
pessoas em
tecnologia
dá suporte
às novas
ideias da
empresa

WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Consciência


digital


116

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