O Estado de São Paulo (2020-06-17)

(Antfer) #1

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 17 DE JUNHO DE 2020 Política A


VERA


MAGALHÃES


DESEMBARQUE
Governo teme que saída de
Mansueto cause ‘efeito fim de feira’
Causou celeuma na esquerda a saída
de Mansueto Almeida do Tesouro.
Chegaram a compará-lo a burocratas
do nazismo que assistiam aos horro-
res de Hitler calados – embora ele
tenha pedido demissão e não haja
comparação entre os horrores do bol-
sonarismo, que são atentados à de-

mocracia e à saúde pública, e os do
nazismo, que são crimes contra a Hu-
manidade. Já no governo a saída ge-
rou pânico: na equipe econômica e
nos poucos ministérios ocupados por
não ideólogos a sensação é de que
ficar, de agora em diante, significa
ter a reputação para sempre arranha-
da. E o temor no entorno fiel a Bolso-
naro é de que haja debandada seme-
lhante à do fim do governo Collor.

FAKE NEWS
STF vai esvaziando inquérito
e transfere ações para outro
O Supremo Tribunal Federal já
começou, mesmo antes da deci-
são do plenário da Corte, a sa-
near o inquérito das fake news.
Primeiro, Alexandre de Moraes
franqueou aos advogados dos in-
vestigados acesso às provas obti-
das e aos indícios que balizaram
as diligências determinadas por
ele. As novas operações realiza-
das pela Polícia Federal e as que-
bras de sigilo de bolsonaristas se
deram já no inquérito dos atos
antidemocráticos, também relata-
do por Moraes, que teve trâmite
padrão: foi aberto a partir de re-
presentação, e não por decisão
do próprio STF, teve relator sor-
teado, e não designado, e o Minis-
tério Público participa desde o
início. Isso porque Moraes tem
boas razões para crer que, no jul-
gamento a ser retomado nesta
quarta-feira, seus pares optem
por estipular prazo, objeto e limi-
tes para o inquérito “supertrun-
fo” das fake news, aberto por de-
terminação de Dias Toffoli há
mais de um ano e no qual cabe
tudo e mais um pouco.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @VERAMAGALHAES
POLITICA.ESTADAO.COM.BR/COLUNAS/VERA-MAGALHAES/

Esqueçam o artigo 142


O


maior fator de instabilida-
de da democracia hoje vem
da caserna. As Forças Ar-
madas contribuem de forma defi-
nitiva para que paire sobre a Praça
dos Três Poderes a sombra de ris-
co de um autogolpe por parte de
Jair Bolsonaro à medida que gene-
rais com cargos no primeiro esca-
lão e os de pijama em clubes milita-
res nas redes sociais, meio en pas-
sant, usam a interpretação golpis-
ta do artigo 142 da Constituição
para ameaçar os demais Poderes.
Virou moda. O Tribunal Supe-
rior Eleitoral vai investigar a cha-
pa Bolsonaro-Mourão? Opa aí
não, olha o artigo 142 aí. Pedidos
de impeachment são apresenta-
dos? Não vamos admitir, temos o
artigo 142. O STF usa sua atribui-
ção constitucional de exercer o
controle jurisdicional sobre atos
do presidente que ferem os princí-

pios da administração pública? Es-
tão exagerando e podemos puxar da
manga o artigo 142.
Não, senhores militares, não po-
dem. Diz o famigerado artigo: “As
Forças Armadas, constituídas pela
Marinha, pelo Exército e pela Aero-
náutica, são instituições nacionais
permanentes e regulares, organiza-
das com base na hierarquia e na dis-
ciplina, sob a autoridade suprema
do presidente da República, e desti-
nam-se à defesa da Pátria, à garan-
tia dos poderes constitucionais e,
por iniciativa de qualquer destes,
da lei e da ordem”. Garantia dos Po-
deres, e não da permanência do pre-
sidente no poder.
Não são a guarda de inverno do
presidente tresloucado que quer
armar a população, acha que pode
fazer escambo do Ministério da
Educação com a blindagem dos
seus extremistas.

Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA


O decano do Supremo Tribu-
nal Federal (STF), ministro
Celso de Mello, disse ontem
ser “inconcebível” que ainda
haja resíduo de autoritaris-
mo no Estado brasileiro. Rela-
tor do inquérito que investi-
ga se o presidente Jair Bolso-
naro tentou interferir politi-
camente na Polícia Federal,
Celso afirmou que é preciso
resistir “com as armas legíti-
mas da Constituição e das
leis do Estado brasileiro”. O
magistrado observou, ainda,
que “sem juízes independen-
tes, jamais haverá cidadãos li-
vres neste país”.

Em um discurso endereçado
a Bolsonaro, ainda que sem
mencioná-lo explicitamente,
Celso criticou a postura “atrevi-
da” de não se cumprir ordens
judiciais. No mês passado, o pre-
sidente da República disse que
não entregaria seu celular, mes-
mo se houvesse decisão da Justi-
ça nesse sentido. O pedido de
partidos da oposição para
apreender o aparelho do presi-
dente, no entanto, acabou arqui-
vado pelo próprio ministro.
“Esse discurso (de não cum-


prir decisões judiciais) não é um
discurso próprio de um estadis-
ta comprometido com o respei-
to à ordem democrática e que se
submete ao império da Consti-
tuição e das leis da República. É
essencial relembrar a cada mo-
mento as lições da história, cuja
advertência é implacável, como
assinalava o saudoso ministro
Aliomar Baleeiro: ‘Enquanto
houver cidadãos dispostos a sub-
meter-se ao arbítrio sempre ha-
verá vocação de ditadores’. É pre-
ciso resistir, mas resistir com as
armas legítimas da Constituição
e das leis dos Estado brasileiro e
reconhecer na independência
da Suprema Corte a sentinela
das liberdades”, disse o decano.
A fala do ministro ocorreu du-
rante a sessão da Segunda Tur-
ma, quando integrantes do STF
saíram em defesa da democra-
cia, da Constituição e da atua-
ção de juízes, além de condena-
rem os ataques ao tribunal, em
meio à escalada de tensões na
relação com o Planalto.
Ao longo das últimas sema-
nas, o Supremo tomou uma
série de decisões que contraria-
ram os interesses do Palácio do
Planalto, como a suspensão da
nomeação do delegado Alexan-

dre Ramagem para a direção-ge-
ral da Polícia Federal, a proibi-
ção da expulsão de diplomatas
venezuelanos, a limitação do al-
cance do salvo-conduto a gesto-
res públicos e o entendimento
de que prefeitos e governado-
res têm autonomia para tomar
medidas contra o coronavírus.
Coube à presidente do cole-
giado, ministra Cármen Lúcia,
abrir a sessão demonstrando,
em suas palavras, “preocupa-
ção” com o cenário nacional.
“Atentados contra institui-
ções, contra juízes e contra ci-
dadãos que pensam diferente
voltam-se contra todos, contra
o País. A nós, cabe manter a
tranquilidade, mas principal-
mente a coragem, a dignidade
de continuar a honrar a Consti-
tuição, cumprindo a obrigação
que nos é expressamente im-
posta de guardá-la para garan-
tir a sua aplicação a todos e por

todos. Constituição não é um
artifício e direitos não são de
menor importância, são con-
quistas”, observou a ministra.
“Que não se cogite que a ação
de uns poucos conduzirá a resul-
tado diferente do que é a convi-
vência democrática. E não se co-
gite que se instalará algum te-
mor ou fraqueza nos integran-
tes da magistratura brasileira”,
completou Cármen.
O ministro Edson Fachin
concordou com a colega de
Corte. “Temos de sair da crise
sem sair da democracia. A saú-

de da democracia é também a
saúde das instituições.”

Tensão. As relações do STF
com o Palácio do Planalto tam-
bém ficaram estremecidas após
a declaração do ministro da
Educação, Abraham Wein-
traub, que disse na reunião mi-
nisterial de 22 de abril que, por
ele, “botava esses vagabundos
todos na cadeia. Começando
no STF”. No último domingo,
Weintraub furou o bloqueio na
Esplanada dos Ministérios e se
encontrou com manifestantes
em frente ao Ministério da Agri-
cultura. Ao conversar com o gru-
po, o ministro disse: “Eu já falei
a minha opinião, o que faria
com esses vagabundos”.
No sábado, um grupo de 20
manifestantes bolsonaristas
soltou fogos de artifício em dire-
ção à sede do STF, enquanto xin-
gavam ministros do tribunal.

Maioria do STF


quer Weintraub


em inquérito


Renato Vasconcelos


O chargista Renato Aroeira es-
tava em seu apartamento no Le-
blon, no Rio, quando soube an-
teontem, pelo noticiário, que é
um dos alvos de um pedido de
investigação protocolado na
Procuradoria-Geral da Repú-
blica pelo ministro da Justiça,
André Mendonça. Com aval do
presidente Jair Bolsonaro, o
ministro solicitou, com base
na Lei de Segurança Nacional,
a abertura de um inquérito so-
bre uma postagem do jornalis-
ta Ricardo Noblat que compar-
tilhava uma charge – de autoria


de Aroeira – sobre Bolsonaro.
“Fiquei muito tenso, por-
que, apesar de já ter sido pro-
cessado, é a primeira vez que
sou questionado pelo Estado.
Nem na ditadura militar isso
aconteceu. Até então, eu tive
processos partindo de persona-
lidades, autoridades, governa-
dores, o escambau. Mas é a pri-
meira vez que viro inimigo pú-
blico. Isso me deixou angustia-
do e nervoso”, afirmou o minei-
ro de 66 anos, 50 deles dedica-
dos à profissão de chargista.
O cartunista brincou sobre a
possibilidade de ser considera-
do um “terrorista” por ser en-
quadrado na Lei de Segurança
Nacional. “Eu sou mais um
aterrorizado que um terroris-
ta. Eu sou um cara que está apa-
vorado com a inconsequência
desse pessoal do governo. Sou
um sujeito que está tenso com
a abertura (do isolamento social

por causa da pandemia do novo
coronavírus) , quando não era is-
so que a gente tinha que fazer.
Eu fico atônito quando vem o

presidente falar que precisa in-
vadir hospital! É difícil a gente
não ficar indignado”, disse.
A charge que motivou o pedi-
do do ministro da Justiça mos-
tra uma cruz vermelha, símbo-
lo de serviços de saúde, com as
pontas pintadas de preto, for-
mando uma suástica nazista.
Ao lado, uma caricatura de Bol-
sonaro segura uma lata de tinta
preta, e diz: “Bora invadir ou-
tro?”. A sátira foi publicada
após o presidente sugerir, em
uma live, que seus apoiadores
entrassem em hospitais de
campanha para filmar o local.
Colegas de profissão, músi-
cos e escritores e artistas lança-
ram a campanha #SomosTodo-
sAroeira nas redes sociais e fi-
zeram um abaixo-assinado vir-
tual que, até a tarde de ontem,
havia conseguiu mais de 10 mil
assinaturas de apoio.
Aroeira relatou já ter sido

processado por Bolsonaro em
outra ocasião. O então deputa-
do não gostou de uma charge
em que sua caricatura aparecia
rolando morro abaixo, com
seus membros formando o sím-
bolo nazista a cada giro. “Ele
me processou alegando ‘gran-
de angústia moral por ter sido
ofendido’. A juíza disse, na sen-
tença, que uma pessoa que po-
sa com um sósia do Hitler não
pode se sentir moralmente in-
dignado e angustiado com a
charge”, disse.

‘Grave’. O diretor da Faculda-
de de Direito da Universidade
de São Paulo (USP), Floriano
Marques, questionou a ação
do presidente contra o char-
gista, usando a Lei de Seguran-
ça Nacional e o ministro da
Justiça. “Se o presidente tives-
se entrado com uma ação de
indenização por perdas e da-
nos, com seu advogado, diria
que ele está em pleno exercí-
cio do seu direito. Mas usar a
máquina do Estado, citando
uma lei como a Lei de Seguran-
ça Nacional, que existe para
proteger as instituições, não
indivíduos, com o ministro so-
licitando, aproxima-se de
uma ação de Estado contra a
liberdade de imprensa, o que
pode ser jurídica e politica-
mente grave.”
Entidades como Associação
Brasileira de Jornalismo Inves-
tigativo (Abraji) e Associação
Nacional de Jornais (ANJ) tam-
bém criticaram o fato de o pre-
sidente usar o Ministério da
Justiça para buscar reparação.

l Democracia

BRASÍLIA

O plenário do Supremo Tribu-
nal Federal formou maioria na
noite de anteontem para man-
ter o ministro da Educação,
Abraham Weintraub, no in-
quérito das fake news. Já foram
computados seis votos no ple-
nário virtual para deixar Wein-
traub na mira da investigação
sigilosa sobre ameaças, ofensas
e fake news contra integrantes
da Corte e familiares.
Os ministros Gilmar Men-
des, Dias Toffoli, Rosa Weber,
Celso de Mello e Cármen Lúcia
acompanharam o entendimen-
to do relator, Edson Fachin, de
que não cabe habeas corpus con-
tra decisão de um integrante da
Corte. Weintraub é investigado
por ter chamado ministros do
STF de “vagabundos”.

Cargo. A demissão do ministro
da Educação já é considerada
“praticamente certa” até pela
ala ideológica do Executivo. A
disputa no Planalto, agora, é pa-
ra emplacar um sucessor. Fi-
lhos do presidente Jair Bolsona-
ro e integrantes do governo liga-
dos ao guru Olavo de Carvalho
defendem um substituto “à altu-
ra” para agradar à base bolsona-
rista. Políticos e militares, que
querem um desfecho até o final
desta semana, tentam conven-
cer Bolsonaro de que é preciso
encontrar um nome que blinde
a Presidência de polêmicas.
Pressionados pela crise e pe-
lo próprio presidente, olavistas
cederam e já admitem a demis-
são para apaziguar os ânimos
com o STF, mas argumentam
que é preciso não desamparar
apoiadores do governo nas re-
des sociais e nas manifestações.
Para eles, o Ministério da Educa-
ção é trincheira importante na
“guerra cultural”. / JUSSARA
SOARES, R.M.M. e RAYSSA MOTTA

l ‘Continuação’

‘Sou mais aterrorizado que terrorista’, diz autor de charge


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO-21/11/

Álcool em gel. Supremo deve sanear inquérito das fake news

“Temos de sair da crise sem
sair da democracia. A saúde
da democracia é também a
saúde das instituições.”
Edson Fachin
MINISTRO DO SUPREMO

DIDA SAMPAIO / ESTADÃO-25/9/

Celso fala


em ‘resistir


com armas


legítimas’


Em sessão da Segunda Turma, decano diz


ser ‘inconcebível resíduo de autoritarismo’


Recado. Sem citar Bolsonaro, Celso de Mello disse que discurso ‘não é próprio de estadista’

Desenho. O cartunista
Renato Aroeira

“Eu preferia que nada disso
tivesse acontecido. Como
aconteceu, é bobagem achar
que vou renunciar à charge.
Já bolei até a continuação.”
Renato Aroeira
CHARGISTA

Desenho de Aroeira


sobre Bolsonaro motivou


pedido de investigação


com base na Lei de


Segurança Nacional


CRISTINA GRANATO/ESTADAO-15/8/
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