O Estado de São Paulo (2020-06-17)

(Antfer) #1

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A6 Política QUARTA-FEIRA, 17 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ROSÂNGELA


BITTAR


C


oube a um ministro, general
de Exército da ativa, ocupan-
do o cargo civil e político
mais importante desta gestão, abrir
uma fresta de luz sobre algo muito
grave que ferve no corpo a corpo do
interior do governo. Há muito se fa-
lava de uma tensão latente pela ci-
são que o presidente Jair Bolsonaro
tenta promover nas Forças Arma-
das, sem que nenhuma autoridade a
admitisse abertamente.
Bolsonaro tem a ascendência
constitucional sobre Exército, Mari-
nha e Aeronáutica, e é, portanto, le-
galmente o comandante supremo.
Porém, para fazer particularmente

o que deseja deste arsenal, teria de pas-
sar por cima de algumas cabeças de
bom senso que têm ascendência direta
sobre as tropas. Entre seus objetivos
não explicitados estaria o de manobrá-
las politicamente na guerra pessoal
que declarou à República.
Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria
de Governo, o ministro mencionado,
deixou nas entrelinhas da sua já céle-
bre entrevista à Veja , semana passada,
que a cisão pode estar por trás do inten-
so trânsito na política dos generais e
coronéis da reserva, das três Forças.
Uma excitação desproporcional para
quem jura que não vai deflagrar um gol-
pe, revelada na redação de notas, adver-

tências e presença em atos que pregam
ruptura. Sem cuidados com a imagem,
associam-se aos grupelhos de fanáticos
que perambulam pela Esplanada em es-
tado de provocação permanente.
Ramos deu a senha que faltava. Dis-
se que ex-alunos seus estão atualmen-
te no comando de unidades do Exérci-
to. “Eles têm tropas nas mãos”, avisou.
Ou seja, que fique clara sua ascendên-
cia (de Ramos e, portanto, de Bolsona-
ro) sobre eles (alunos) e elas (tropas).
Pode-se inferir que quis, com isso, evi-

denciar o poder de vencer a resistência
dos comandantes a atuar na política.
Não há dúvidas de que armas, muni-
ções, incentivo à guerra civil,
compõem o mundo bélico construído
à volta do presidente e seus filhos,
bons alunos de clubes de tiro. Tanto
melhor se nele puder contar com os

amigos que integram as tropas (arma-
das) do Exército, os amigos das polí-
cias (armadas) militares, que se soma-
riam aos apoiadores (armados) dos
acampamentos e às milícias digitais.
A cisão das Forças Armadas, embuti-
da neste enredo, é a crise das crises
entre tantas encomendadas pelo presi-
dente neste ano e meio de governo.
O constrangimento de alguns co-
mandantes revela-se também no seu
silêncio diante de tudo que se tem dito
em seu nome.
Jair Bolsonaro, desde sempre atuan-
do no informal sindicalismo militar, con-
quistou a admiração dos quartéis, o voto
das famílias militares, o apoio eleitoral
de oficiais de patentes variadas. A hierar-
quia e a disciplina, porém, ainda são valo-
res essenciais para as tropas. Um limite
em que se equilibram os comandantes,
mas o presidente busca estreitar cada
vez mais a relação pessoal e direta.
Aposta na concessão de vantagens fi-
nanceiras, é fato, uma vez sindicalista,
sempre sindicalista. Mas também culti-
va amizades, comparece a solenidades,

testa seu poder de sedução. Não se vê
como poderá desistir de seus planos.
Além da divisão nas estruturas ver-
ticais, fica cada vez mais claro o incen-
tivo ao racha entre as três Forças. Da
última tentativa concreta teve de re-
cuar sem disfarces: a criação da avia-
ção de asa fixa no Exército. A Aeronáu-
tica, claro, não gostou de perder uma
briga antiga numa mísera canetada.
As polícias militares, conquista-
das também pelo bolso, onde a disci-
plina e a hierarquia são valores mais
frouxos, integraram-se mais rapida-
mente ao projeto Bolsonaro. Mui-
tas já lhe devem mais vassalagem do
que devem aos governadores. Em-
bora as Forças Armadas olhem com
certa desconfiança o movimento do
presidente em direção às polícias
militares, nada podem fazer quan-
do não podem se distrair e precisam
se dedicar, integralmente, à discipli-
na dos seus. Certamente para não
perderem de vez o controle e não
terem de ouvir, de um subalterno,
que é Bolsonaro que o representa.

E-MAIL: [email protected]
ROSÂNGELA BITTAR ESCREVE SEMANALMENTE ÀS
QUARTAS-FEIRAS

A cisão das Forças Armadas é
a crise das crises entre tantas
encomendadas pelo presidente

Wilson Tosta /RIO


Não vai ter golpe – pelo menos
não uma quartelada clássica, co-
mo as do passado –, mas a ofen-
siva autoritária do presidente
Jair Bolsonaro, tendo as Forças
Armadas como guarda pretoria-
na, pode em tese ser vitoriosa.
A possibilidade, afirma o cien-
tista político e professor da
UERJ Christian Edward Cyril
Lynch, se concretizará se o
Congresso Nacional e o Supre-
mo Tribunal Federal, intimida-
dos, renunciarem às suas prer-


rogativas. “Bolsonaro só colou
nos militares para poder usá-
los como guarda pretoriana
contra o impeachment, intimi-
dando o Congresso”, afirma
Lynch. Abaixo, os principais tre-
chos da entrevista.

lQuando Bolsonaro foi eleito
presidente, dizia-se que os milita-
res o enquadrariam ou conteriam
seus arroubos. Por que isso, apa-
rentemente, não aconteceu?
Não foi por falta de vontade.
Bolsonaro não é propriamente
um militar; ele é um político de
baixo clero que, tendo sido te-
nente, formou sua clientela
eleitoral representando os inte-
resses de seus antigos compa-
nheiros de farda e de outras
corporações armadas. Os fi-
lhos ampliaram a clientela do

pai explorando um eleitorado
de direita radical na base do po-
pulismo, seguindo técnicas de
manipulação digital sofistica-
das. Então, enquanto os gene-
rais palacianos se orientam
mais conforme uma lógica de
caserna, fechada, hierárquica e
disciplinada, imaginando um
“bom governo” ordeiro e har-
monioso, a família Bolsonaro
se orienta por uma lógica de
“guerra cultural” que mante-
nha o País em estado de perma-
nente polarização e inquieta-
ção. Daí as tensões frequentes
entre o núcleo conservador rea-
cionário, “lacrador” e radical, a
quem Bolsonaro deve a sua elei-
ção, e o núcleo dos generais pa-
lacianos, mais moderado e tra-
dicional. A aliança com os pri-
meiros é estratégica, e com os

segundos, apenas tática.

lComo o Centrão entra na equa-
ção? No que resultará a mistura
de militares com deputados fisio-
lógicos e algumas vezes proces-
sados por corrupção?
Dispor de uma base parlamen-
tar é condição de viabilidade de
qualquer governo normal, e es-
sa discussão só parece bizarra
porque se trata do governo Bol-
sonaro. Ao buscarem o apoio
dos conservadores do Centrão,
os generais foram pragmáticos,
recorrendo ao presidencialis-
mo de coalizão, respeitando a
“estratégia” de não os colocar
na cabeça dos ministérios, e
sob promessa da não reitera-
ção de práticas de corrupção. É
evidente que a entrada do Cen-
trão rompe com a narrativa an-
tissistema do radicalismo rea-
cionário, mas os generais não
pertencem a esse grupo.

lBolsonaro, ao longo do gover-
no, tem oscilado entre a ala mili-
tar e a ala ideológica. Agora,
parece estar fechado com os

ex-colegas de farda, mas já
esteve assim no passado e
mudou de lado. A atual posi-
ção pró-militar, na sua avalia-
ção, é definitiva?
Claro que não. É tática. Bol-
sonaro só colou nos milita-
res para poder usá-los como
guarda pretoriana contra o
impeachment, intimidando
o Congresso. Alguns dos ge-
nerais se incomodaram, o Al-
to Comando também, fize-
ram declarações moderadas,
e afastaram a possibilidade
de golpe com que o presiden-
te flertava junto ao seu públi-
co de radicais. Afinal, em últi-
mo caso, os generais palacia-
nos sempre terão o general
Mourão, para ser acionado
em caso de emergência. Não
estão amarrados ao mesmo
mastro que Bolsonaro na
tempestade. Se hoje parece
haver maior comunhão en-
tre eles é porque o inquérito
das fake news no STF elevou
a possibilidade de cassação
da chapa pelo TSE, o que li-
quidaria a solução Mourão.
Fato é que, alguma hora, os
generais palacianos terão de
se sentar com os congressis-
tas e os juízes para dar uma
solução mais definitiva a es-
sa crise infindável que, come-
çada em 2013, não termina
graças ao radicalismo do “nú-
cleo ideológico”.

lInvertendo o slogan que
marcou o ocaso do governo
Dilma: vai ter golpe?
Já não se fazem mais golpes
como antigamente. Se o Con-
gresso e o Supremo Tribunal
cederem à intimidação da fa-
mília Bolsonaro, renuncian-
do ao livre exercício de suas
prerrogativas constitucio-
nais, o golpe estará consuma-
do e será o primeiro de vá-
rios outros. Mas, sinceramen-
te, creio que, com seu aguça-
do senso de sobrevivência
corporativa, os militares não
cairão nesse truque. Percebe-
rão a inutilidade de seus es-
forços e contribuirão, no mo-
mento oportuno, para a cos-
tura da única saída constitu-
cional aceitável para todos,
que passa pela assunção da
Presidência da República pe-
lo general Hamilton Mourão.

ENTREVISTA


Camila Turtelli / BRASÍLIA


A ampliação do tempo de campa-
nha eleitoral na TV neste ano já
começou a fazer parte das discus-
sões políticas. O presidente da
Câmara, Rodrigo Maia (DEM-
RJ), disse que se trata de uma
“boa ideia” após se reunir, nesta
terça-feira, com o presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (T-
SE), Luís Roberto Barroso, e tam-
bém com médicos para avaliar a
data das eleições municipais.


As disputas estão marcadas
para 4 de outubro, mas, por cau-
sa da pandemia do novo corona-
vírus, devem ser adiadas. Uma
das propostas prevê que o pri-
meiro turno ocorra em 15 de no-
vembro e a segunda rodada, em
6 de dezembro. A mudança, po-
rém, depende da aprovação de
uma Proposta de Emenda à
Constituição (PEC).
“Acho que é uma boa ideia
( aumentar o tempo de TV na cam-
panha desse ano ). Vamos ter
mais dificuldade, mesmo em
um momento de queda da cur-
va, de aglomeração, de proximi-
dade. Talvez ampliar (...) o tem-
po de televisão durante o dia ou
aumentar em cinco dias seja um
caminho que possa ajudar”, dis-
se Maia, que defende início da

votação de uma PEC em até
duas semanas. “É preciso uma
solução rápida”.
A reunião para discutir o as-
sunto, por videoconferência,
também contou com a partici-
pação do presidente do Senado,
Davi Alcolumbre, do vice-presi-
dente do TSE Edson Fachin, de
líderes dos partidos no Congres-
so e de infectologistas como Da-
vid Uip e Clóvis Arns da Cunha.
Maia disse que a ideia de am-
pliar o tempo de campanha na
TV partiu do líder do PDT na Câ-
mara, deputado Wolney Quei-
roz (PE). Segundo Maia, não é
preciso recurso para isso, mas,
sim, a renúncia fiscal das emisso-
ras de TV. “Não seria nenhum va-
lor absurdo em relação à impor-
tância do eleitor poder conhecer

seus candidatos”, afirmou ele.
Uma das ideias aventadas no
encontro foi a de realizar o pri-
meiro turno em dois dias, para re-
duzir aglomerações. O ministro

Barroso observou, porém, que is-
so implicaria em um custo adicio-
nal de R$ 180 milhões. Ficou acer-
tado ali que Alcolumbre coorde-
nará o grupo de parlamentares

que vai debater a data da elei-
ção.“A gente sabe que tem muito
prefeito que considera que a data
( da eleição ) deveria ser outubro e
alguns até defendem a prorroga-
ção, impossível do ponto de vista
constitucional”, afirmou Maia.
O socorro pago pela União a
Estados e municípios para com-
pensar a queda de arrecadação
de impostos durante a crise vai
até setembro. Depois disso, a
perspectiva é que muitas prefei-
turas não tenham dinheiro para
saldar as folhas de pagamento, o
que pode arranhar a popularida-
de dos que tentam a reeleição.
Na avaliação do epidemiologis-
ta Paulo Lotufo, que participou
do encontro virtual, o risco de
manter as eleições em 4 de outu-
bro é muito alto. “Cada um sou-
be ( na reunião ) respeitar todos
os lados e os líderes colocaram
suas preocupações”, afirmou o
epidemiologista Paulo Lotufo.

A batalha mascarada


Bolsonaro intimida


Poderes para impedir


sua queda, diz analista


‘Brazil Forum


UK’ discute


futuro do SUS


Maia defende aumentar tempo de TV na campanha


NA WEB
Portal. Leia
a íntegra da
entrevista

estadao.com.br/e/entrevistalynch
6

JONATHAN CAMPOSGAZETA DO POVO-24/7/

Disputa.
Para Lynch,
crise não termina
graças à ‘núcleo
ideológico’ do governo

Cientista político afirma


que presidente usa


militares como ‘guarda


pretoriana’ para evitar


impeachment


Christian Edward Cyril Lynch, cientista político e professor do IESP-UERJ


Tomás Conte

Em meio à pandemia do novo
coronavírus, o Brazil Forum UK
discute “O Futuro do SUS” nes-
ta quarta-feira, 17. O médico
Drauzio Varella, o líder comuni-
tário Gilson Rodrigues e a médi-
ca Ligia Bahia são os painelistas
confirmados. O evento vai ocor-
rer às 17 horas e tem moderação
de Lia Pessoa, da London
School of Economics.
Para Gilson Rodrigues, coorde-
nador nacional do G10 das Fave-
las, “o papel do SUS é muito im-
portante neste momento”. En-
tretanto, segundo Gilson, o SUS
“está entrando em colapso por
falta de gestão e por falta de ini-
ciativas do governo para poder
resolver o problema da saúde e
atendimento da população que
mais precisa neste momento”.
O coordenador nacional do
G10 das Favelas destaca que,
“diante da ausência de uma po-
lítica pública específica para as
favelas”, o combate ao coronaví-
rus nas favelas “tem sido lidera-
do pelos seus próprios morado-
res”. Gilson explica que, para
além das aglomerações, nas fa-
velas tem-se sofrido com “a fal-
ta da água, com o desemprego e
com a fome”.
Segundo Gilson, os próprios
moradores têm buscado se orga-
nizar. O coordenador nacional
do G10 das Favelas, cita algu-
mas iniciativas feitas em Parai-
sópolis, como a contratação de
ambulâncias, a distribuição de
mais de 10 mil marmitas por dia
e a fabricação de máscaras. De
acordo com ele, “estas iniciati-
vas têm sido replicadas em
mais de 14 estados através do
G10 das Favelas”.
O Brazil Forum UK 2020 é a
quinta edição do evento. Neste
ano, o tema é “What’s Next Bra-
zil? Alternativas para múltiplos
desafios”. O evento é gratuito e
não necessita de inscrição. É
possível acompanhar as discus-
sões no portal estadao.com.br,
nas redes sociais Twitter (@es-
tadao) e Facebook e no canal do
Estadão no YouTube. A agenda
completa do Brazil Forum UK
2020 pode ser vista no site do
evento.

MICHEL JESUS/CÂMARA DOS DEPUTADOS

Pleito. Maia discute adiamento das eleições para novembro

Presidente da Câmara


considera ampliação


do horário eleitoral
uma ‘boa ideia’ em


meio à pandemia

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