O Estado de São Paulo (2020-06-17)

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 17 DE JUNHO DE 2020 A


Giovana Girardi


Um remédio corticoide bara-
to conhecido como dexameta-
sona, usado para combater
doenças como artrite e asma
desde a década de 1960, foi ca-
paz de reduzir a taxa de mor-
talidade de pacientes com
quadro grave de covid-19 em
um estudo clínico conduzido
no Reino Unido.

Os resultados preliminares
foram divulgados ontem por
um grupo de pesquisadores da
Universidade de Oxford em co-
municado à imprensa. A pesqui-
sa, que envolveu pouco mais de
6 mil pacientes, apontou que o
medicamento foi capaz de redu-
zir as taxas de mortalidade dos
pacientes mais graves, submeti-
dos à ventilação, em um terço. É
o primeiro remédio testado até
agora contra a doença causada
pelo novo coronavírus que se
mostrou capaz de salvar vidas.
A droga, um forte anti-infla-
matório e imunossupressor, foi
aplicada dentro de um amplo es-
tudo clínico randômico chama-
do Recovery, que investiga seis
potenciais terapias contra a co-
vid em mais de 11 mil pacientes.
No teste com a dexametasona,
2.104 pacientes receberam do-
ses de 6 mg da droga uma vez ao
dia por dez dias. Após 28 dias, a
situação deles foi comparada à
de 4.321 pacientes que recebe-


ram só cuidados habituais.
Ao apresentar os resultados,
os pesquisadores afirmaram se
tratar de um “grande avanço”.
Os dados, porém, ainda não fo-
ram submetidos à avaliação dos
pares e não foram publicados
em revista científica. Os cientis-
tas disseram que, dada a impor-
tância desses resultados para a
saúde pública, estão trabalhan-
do para publicar todos os deta-
lhes o mais rápido possível.
O medicamento está sendo
avaliado no País para pacientes
com quadro severo pela Coali-
zão Covid Brasil, esforço coor-
denado pelos hospitais Sírio Li-
banês, Albert Einstein, HCor,
Moinhos de Vento, Oswaldo
Cruz e Beneficência Portugue-
sa (BP) para testar diversas dro-
gas candidatas. A expectativa é
ter resultados em agosto.
O grupo de Oxford informou
que, entre os pacientes que rece-
beram a medicação, houve redu-
ção de um terço das mortes en-
tre os pacientes submetidos à
ventilação e de um quinto entre
aqueles que recebiam apenas
oxigênio. Não houve benefício
para os pacientes que não preci-
savam de suporte respiratório.
Já entre os pacientes que rece-
beram os cuidados usuais, a
mortalidade em 28 dias foi de
41% naqueles que necessitaram
de ventilação, de 25% nos pa-
cientes que precisaram apenas

de oxigênio e de 13% entre aque-
les que não necessitaram de in-
tervenção respiratória.
No comunicado à imprensa,
Peter Horby, professor de doen-
ças infecciosas emergentes do
Departamento de Medicina de
Nuffield e um dos principais au-
tores do trabalho, disse que a
dexametasona é a primeira dro-
ga que mostrou ser capaz de me-
lhorar a sobrevida de pacientes
com covid-19. “É um resultado
extremamente bem-vindo. O
benefício de sobrevivência é cla-
ro e grande nos pacientes que
estão doentes o suficiente para
necessitarem de tratamento
com oxigênio. A dexametasona

deveria agora se tornar padrão
de atendimento nesses pacien-
tes. A dexametasona é barata na
prateleira e pode ser usada ime-
diatamente para salvar vidas
em todo o mundo”, disse.
Outro autor do trabalho, Mar-
tin Landray, professor de medi-
cina e epidemiologia do Depar-
tamento de Saúde da Popula-
ção de Nuffield, afirmou que os
resultados preliminares do es-
tudo são claros. “A dexametaso-
na reduz o risco de morte em
pacientes com complicações
respiratórias graves.” Ele afir-
mou considerar “fantástico”
que um tratamento capaz de re-
duzir a mortalidade “esteja ins-

tantaneamente disponível e dis-
ponível em todo o mundo”.

Repercussão. Após a divulga-
ção dos dados, o secretário de
Estado da Saúde e Assistência
Social do Reino Unido, Matt
Hancock, afirmou que vai ado-
tar o remédio na rede pública
do País. Os resultados também
foram saudados pela Organiza-
ção Mundial da Saúde (OMS)
por mostrarem que a droga po-
de salvar vidas de pacientes cri-
ticamente doentes. A OMS afir-
mou que vai coordenar uma
“meta-análise para aumentar a
compreensão geral dessa inter-
venção” e vai atualizar suas dire-
trizes sobre a covid-19 “para re-
fletir como e quando o medica-
mento deve ser usado”.
Especialistas ouvidos pelo Es-
tadão disseram que a notícia é
boa, mas recomendaram aten-
ção. Primeiro ao fato de os deta-
lhes do estudo ainda não terem
sido divulgados. Em segundo,
ao perfil dos pacientes que se
beneficiaram no estudo. “Não
houve benefícios para casos
mais leves, para quem não está
sob ventilação ou recebendo
oxigênio. Não é para o cara que
recebe um diagnóstico e é man-
dado para casa passar na farmá-
cia e comprar”, afirma o pneu-
mologista Fred Fernandes, pre-
sidente da Sociedade Paulista
de Pneumologia e Tisiologia.

GONZALO


VECINA


RISCOS, ORIENTAÇÕES E EFEITOS COLATERAIS

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Pesquisa de Oxford com 6 mil pacientes apontou que a dexametasona foi capaz de salvar um terço dos pacientes com situação severa


submetidos à ventilação. Medicamento já passa por análises no Brasil, coordenadas por Sírio, Einstein, HCor, Oswaldo Cruz, Moinhos e BP


C


alma, ainda não. A tradicio-
nal Universidade de Oxford
da Inglaterra veio a público
ontem anunciar as descobertas rea-
lizadas por seus pesquisadores em
um importante estudo randomiza-
do, duplo-cego. Este tipo de estudo
é o padrão ouro para construir uma
evidência científica. Além disso uti-
lizou uma amostra – número de ca-
sos – bem grande.
Estudos randomizados são carac-
terizados por um grupo que recebe o
medicamento que se quer testar e
um grupo que recebe o placebo. A de-
cisão de quem recebe o quê é por sor-
teio e o duplo-cego significa que nem

profissionais que conduzem a pesquisa
nem pacientes sabem quem recebe o
quê. Tudo é meticulosamente planeja-
do de tal forma a reduzir a probabilida-
de de desvios. Somente se sabe que exis-
tem os grupos para que, durante a pes-
quisa, se algum for muito beneficiado
ou começar a sofrer eventos inespera-
dos o pesquisador paralise o experimen-
to e abra os dados de forma que todos
possam ser beneficiados pelos efeitos
positivos ou, ao contrário, suspender o
recebimento da droga que está provo-
cando efeitos indesejáveis.
Neste caso cerca de 11.500 pacientes
participaram em 175 hospitais do Servi-
ço Nacional de Saúde, o SUS dos ingle-

ses. Desse total, 2.104 pacientes da co-
vid-19 receberam dexametasona por
dez dias, ante 4.321 que não receberam
esse medicamento. Os demais recebe-
ram outras drogas que terão seus resul-
tados divulgados à frente.
Os resultados comprovados por
meio de provas estatísticas informam
que pacientes graves reduziram a proba-
bilidade de morrer em 35% e os menos
graves, mas internados e que necessita-
vam de oxigenioterapia, reduziram a
chance de morrer em 20%. Nos casos
menos severos os resultados não foram
considerados significativos.
O importante é que finalmente apare-
ce uma droga que é um auxiliar compro-
vado para ajudar no controle dessa
doença. A primeira. E é um remédio bas-
tante barato e fácil de produzir.
Porém, sempre tem um porém, o que
está anunciado não é cura e sim um me-
dicamento que, junto de cuidados, auxi-
lia o tratamento da doença. Não é uma
vacina que impede de ter a doença e não
é um remédio que ataca o vírus. Embora
importante é muito menos que isso. É

bastante conhecida pelos médicos a im-
portância do quadro inflamatório que a
doença provoca e em decorrência desse
processo inflamatório as lesões pulmo-
nares, cardíacas, renais, neurológicas. É
uma doença com reflexos em todo o cor-
po e do qual pacientes que conseguem
se salvar saem com bastante sequelas,
em particular os mais graves, em que a
dexametazona foi mais importante.

A supra renal é uma glândula que fica
sobre o rim e produz importantes hor-
mônios que nos ajudam a regular um
conjunto importante de fenômenos
biológicos – o cortisol ou hidrocortiso-
na é o principal desses hormônios. Há
60 anos começamos a produzir cópias
desse hormônio e temos à venda um
conjunto deles que são chamados de an-
ti-inflamatórios hormonais – os glico-
corticoides. São imunossupressores e

anti-inflamatórios potentes. Mas
têm de ser usados com muito cuida-
do e por prazo limitado. O médico
deve sempre escolher o uso e efeitos
colaterais possíveis de serem provo-
cados. É um balanço entre efeitos de-
sejáveis e indesejáveis, sempre levan-
do em conta a vida do paciente. Quan-
do tomados, esses produtos tendem
a diminuir a produção do nosso pró-
prio hormônio, além de induzir uma
queda de nossas defesas, de nossa
imunidade. Por isso o risco.
Potencialmente essas drogas são
mais problemáticas do que a cloro-
quina, mas são muito potentes co-
mo anti-inflamatórios e já vinham
sendo usadas desde o começo da
pandemia. Agora veio a confirma-
ção de seus efeitos positivos. Não
corra à farmácia para comprar a sua
dose – somente deve ser usada em
pacientes internados e seu uso sem
controle médico é muito perigoso.

]
É MÉDICO SANITARISTA

No mundo, há


153 drogas e


vacinas em teste


Acordo de SP com chineses não prevê produção de vacina. Pág. A10 }


Esse é um medicamento que
ajuda no tratamento; não
corra à farmácia

Descoberta a cura?


E-MAIL: [email protected]

Metrópole


l O que é a dexametasona
É um corticoide usado contra
doenças reumatológicas, como
artrites, e alérgicas, como asma.
Ele atua como um potente anti-in-
flamatório. No Brasil, o produto
de referência é o Decadron, mas
também há versões genéricas.

l Efeitos colaterais
O uso indiscriminado do medica-
mento, de forma crônica, pode
causar vários problemas como
retenção de líquidos, levando à
hipertensão; hiperglicemia e des-

compensação de diabete. O remé-
dio também é um imunossupres-
sor, diminuindo as defesas pró-
prias do organismo.

l Limitações do estudo
O ensaio clínico no Reino Unido
mostrou que a dexametasona só
reduziu a taxa de mortalidade de
pacientes graves de covid-19,
que dependam de ventilação ou
estejam com oxigenação baixa. A
aplicação recomendada é hospi-
talar. Não há indicação para ca-
sos leves nem para prevenção.

Atualmente, não existem trata-
mentos ou vacinas aprovados
para a covid-19, doença causada
pelo novo coronavírus que ma-
tou mais de 440 mil pessoas em
todo o mundo. No Brasil já são
mais de 45 mil vítimas.
Mas, até o início de junho, ha-
via 153 drogas e vacinas sendo
testadas em 1.765 estudos com
pacientes que contraíram co-
vid-19. A maioria dos remédios,
porém, ainda está em fase mui-
to inicial dos estudos. Alguns
dos trabalhos que mais avança-
ram foram com os antimalári-
cos cloroquina e a hidroxicloro-
quina, mas os resultados são
pouco animadores. As drogas
têm se mostrado pouco efica-
zes para tratar a doença.
“Diferentemente da cloroqui-
na, a dexametasona é um medi-
camento com plausibilidade
biológica para que seja adjuvan-
te no tratamento da covid-19.
Os resultados anunciados mos-
tram diferença expressiva de
mortalidade. No entanto, para
que essa medicação seja real-
mente tão efetiva na vida real
quanto foi no estudo científico,
os cuidados intensivos ofereci-
dos em nossas UTIs precisam
ser de alta qualidade. O básico
precisa ser bem feito para que a
dexametasona possa realmen-
te salvar um terço dos trata-
dos”, afirma o médico e pesqui-
sador Ricardo Schnekenberg,
que tem acompanhado os estu-
dos clínicos contra a doença.
Outra droga que chama aten-
ção é o antiviral remdesivir, usa-
do originalmente contra o ebo-
la. Estudo preliminar publicado
em 22 de maio no New England
Journal mostrou que o tempo
de recuperação em pacientes
hospitalizados por coronavírus
foi menor (11 dias) para aqueles
que tomaram o medicamento
em comparação com os pacien-
tes que receberam placebo (
dias). A mortalidade foi menor,
mas não significativamente.
Também se destaca o tocilizu-
mabe, que impede a chamada
tempestade inflamatória, mas
o estudo feito com o remédio
até agora teve poucos pacien-
tes. O Brasil também está tes-
tando o medicamento. / G.G.

Estudo indica 1º remédio capaz de reduzir


a mortalidade em casos graves de covid


Esperança.
Corticoide já
é usado para
combater
doenças
como artrite
e asma
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