O Estado de São Paulo (2020-06-18)

(Antfer) #1

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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 18 DE JUNHO DE 2020 Especial H5


Caderno 2


REAVALIA PARTICIPAÇÃO


DOS NEGROS NO VIETNÃ


SPIKE LEE

LEE DIALOGA COM O
PRÓPRIO CINEMA EM
CITAÇÕES A FILMES
COMO ‘APOCALYPSE NOW’

‘Destacamento Blood’ mostra ex-soldados que voltam ao cenário da guerra 50 anos depois


Luiz Zanin Oricchio


O projeto era anterior, mas Desta-
camento Blood,
novo “joint” de
Spike Lee, chega à Netflix em ple-
no calor das manifestações antir-
racistas provocadas pelo assassi-
nato de George Floyd nos EUA.
Em Destacamento Blood , trata-
se, nada menos, que reavaliar um
dos aspectos “esquecidos” da
questão racial norte-americana,
a que se refere à participação dos
negros na Guerra do Vietnã. Há aí
uma flagrante desproporção nu-
mérica. Embora apenas 12% da
população norte-americana seja
negra, cerca de 1/3 do contingen-
te mandado para a luta no sudes-
te asiático era composto por sol-
dados afro-americanos. Ou seja,
foi a parte da população preferen-
cialmente escolhida para servir
de bucha de canhão numa guerra
imperialista sem sentido e que,
afinal, terminou em derrota.
Essa realidade é pouco estuda-
da e, sobretudo, pouco retratada
numa filmografia que privilegia
heróis brancos e improváveis co-
mo Rambo e Chuck Norris.
A estratégia de Spike Lee ao
abordar esse tema “esquecido”
da História é múltipla e imaginati-
va. Mostra o reencontro de anti-
gos companheiros do tal Destaca-
mento Blood, reunidos para um
projeto comum. Depois de 50
anos, retornam ao cenário da
guerra por dois motivos bem dis-
tintos – tentar resgatar os restos
mortais de um companheiro mor-
to em combate. E, também, reen-
contrar um tesouro em barras de
ouro que lá deixaram enterrado.
À maneira de Spike Lee, o filme
se constrói em montagem bastan-
te forte, que mescla a história fic-
cional a material de arquivo. Por
exemplo, começa com uma fala
do pugilista Muhammad Ali expli-
cando por que se recusou a lutar
no Vietnã (apenas para lembrar:
Ali foi punido com a perda do títu-
lo de campeão mundial, que só
viria a recuperar tempos depois).
Outras figuras essenciais da luta
antirracista aparecem, como a ati-
vista Angela Davis e os líderes
Malcolm X e Martin Luther King,
ambos assassinados.
Lee também
entra em diálo-
go com o pró-
prio cinema
em citações
alusivas a fil-
mes como Te-
souro de Sierra
Madre
(John
Huston), Greed – Ouro e Maldição
(Erich von Stroheim) e Apocalyp-
se Now
(Francis Ford Coppola).
Os dois primeiros são clássicos
sobre a ambição que leva à loucu-
ra e ao crime. O terceiro é sobre a
demência da própria guerra, ins-
pirado numa obra-prima sobre a
exploração colonial, O Coração
das Trevas
, de Joseph Conrad.


Com esse denso material de re-
ferência, Lee oferece várias cama-
das de sentido a esse reencontro
entre amigos. Estão lá pela simbo-
logia do luto, que implica repa-
triar restos mortais de um compa-
nheiro que, além de líder do des-
tacamento, era uma referência
para todos eles. Depois, recupe-
rar o butim que resolveria os pro-
blemas econô-
micos de todos
eles. Vale dizer
que os dois pro-
pósitos não se
somam, a gene-
rosidade de
um e o interes-
se egoístico de
outro quase se contradizem.
Há também uma assimetria
radical dentro do grupo. Um de-
les, o mais problemático, votou
em Donald Trump para presi-
dente. Usa, orgulhosamente, o
boné com a inscrição Make Ame-
rica Great Again (Faça a Améri-
ca grande de novo). Divisa do
nacionalismo populista, tosco,

antiglobalista e intervencionis-
ta, marca registrada de Trump,
e que encontrou ressonância en-
tre os ressentidos do eleitorado
norte-americano.
Há então essa fricção interna
no grupo heterogêneo formado
por Paul (Delroy Lindo), Otis
(Clarke Peters), Melvin (Isiah
Whitlock Jr.) e Eddie (Norm
Lewis). O herói morto, referên-
cia do pelotão, e que aparece co-
mo “fantasma” ao longo da tra-
ma, é ‘Stormin’ Norman
(Chadwick Boseman, de Pante-
ra Negra ). Os quatro sobrevi-
ventes se encontram num hotel
da cidade de Ho Chi Minh (ex-
Saigon), no Vietnã, e partem pa-
ra a aventura.
Spike Lee vem trabalhando a
questão racial nos Estados Uni-
dos como viga mestra de sua car-
reira, de sua estreia com Faça a
Coisa Certa, passando por Febre
da Selva, A Hora do Show, Infiltra-
do na Klan até este Destacamento
Blood. De maneira geral, acerta
nesse trabalho de contestação de

um racismo estrutural, que, ape-
sar de tantas lutas, lá existe e per-
siste, como existe aqui no Brasil.
Volta e meia ele explode, com
aconteceu em Charlottesville (in-
corporado em Infiltrado na Klan )

e na morte de George Floyd, asfi-
xiado por um policial branco (dia-
logando, a posteriori, com este
Destacamento Blood ).
A sintonia com a chaga do racis-
mo estrutural joga a favor do fil-

me. No entanto, nem sempre o
conjunto funciona bem do ponto
de vista da construção narrativa.
Algumas escolhas de Lee são inte-
ressantes – como usar os mes-
mos atores para representar os
personagens tanto no tempo
atual como quando eram jovens
soldados no Vietnã. Essa disso-
nância causa efeito interessante
e é marca de ousadia. No entanto,
a trilha sonora, maravilhosa quan-
do usa a música de Marvin Gaye,
às vezes se torna solene e opressi-
va, dando tom envelhecido a uma
obra que se quer inovadora.
Há questões de roteiro, tam-
bém, como nos excessos folheti-
nescos que passam a dominar a
trama quando os ex-soldados
se encontram com uma ONG
francesa de desarmamento de
minas em plena selva vietnami-
ta. As cenas de ação parecem às
vezes exageradas quando não
dispensáveis. Assim como a
atuação de Delroy Lindo, elogia-
da por muitos críticos, flerta
com o overacting. Em especial
quando emula um alucinado
Coronel Kurtz, personagem de
Marlon Brando em Apocalypse
Now. O retrato que faz dos viet-
namitas soa bastante estereoti-
pado, derrapada fatal numa
obra antirracista.
É possível que essas falhas
passem despercebidas tama-
nho o sentido de urgência que o
filme ganha com este momento
histórico, sob a palavra de or-
dem Black Lives Matter. Mas,
apesar desse senso acidental de
oportunidade, que o põe em res-
sonância com a vaga mundial
antirracista, cabe registrar que
Destacamento Blood não é exata-
mente o melhor Spike Lee. Lon-
ge disso.

Retorno. Grupo volta para resgatar restos mortais de um companheiro morto em combate

Eliana Silva de Souza


Com estreia marcada para sex-
ta-feira, 19, às 22h15, no Fox
Premium, a série Godfather of
Harlem
é inspirada na vida de
“Bumpy” Johnson (Forest
Whitaker), um dos chefes ma-
fiosos mais notórios dos Esta-
dos Unidos. Em seus dez episó-
dios, vamos acompanhar a his-
tória de Bump, começando
em 1963, imediatamente após
ele sair da prisão, e regressar
ao Harlem, Nova York. Mas,
após esse tempo recluso, per-
cebe que a vizinhança que ele
governava não existe mais. As
ruas estão controladas pela
máfia italiana e Bumpy precisa-
rá enfrentar a família Genove-
se para recuperar o poder.
Conheça a seguir, os perso-
nagens principais da história.
Bumpy (Forest Whitaker) –


Gângster ficou conhecido co-
mo “o Robin Hood do Har-
lem”.
Vincent “Chin” Gigante
(Vincent D’onofrio) – Ex-bo-
xeador e líder dos Genovese.
Detroit Red (Nigél Thatch)


  • Radical islâmico e amigo de
    “Bumpy”, também conhecido
    como Malcolm X.
    Adam Clayton Powell Jr.
    (Giancarlo Esposito) – Céle-
    bre ativista dos direitos civis.
    Mayme Johnson (Ilfenesh
    Hadera) – Mulher de Bumpy.
    Elise Johnson (Antoinette
    Crowe-Legacy) – Filha de
    Bumpy.
    Guapo Boricua (Luis Guz-
    mán) – É o braço direito de
    Bumpy.


Sem intervalo


Streaming*


Magnólia/
Magnolia
(EUA, 1999.) Dir. e roteiro de Paul Tho-
mas Anderson, com Tom Cruise, Julian-
ne Moore, William H. Macy, Philip Sey-
mour Hoffman, Jason Robards.

Luiz Carlos Merten

A obra-prima do autor, mes-
mo após Trama Fantasma ,
permanece sendo esse am-
plo painel de vidas cruzadas
numa rua de Los Angeles.
Grandes interpretações nas
histórias de nove persona-
gens que incluem suicídio,
abuso infantil, homossexuali-
dade e culminam numa chu-
va de sapos que até hoje per-
manece polêmica.
HBO MUNDI, 12H50, COL., 188 MIN.

Spike Lee.
Diretor
trabalha
a questão
racial nos
EUA desde
o início de
sua carreira

ANDRE D. WAGNER/NYT

Retorno. Grupo volta
para resgatar restos
mortais de um
companheiro
morto em
combate

Forest


Whitaker


estrela


nova série


Nova versão
Será nesta quinta-feira, 18, que
irá ao ar o episódio especial da
série The Blacklist , que usa ani-
mação como forma de driblar a
questão do isolamento social por
causa da pandemia do coronaví-
rus, que suspendeu as grava-
ções com elenco. Esse será o
19º e último episódio da sétima
temporada e vai ao ar às 22h,
pelo canal AXN. Mas a tarefa de
realizar esse final dessa forma
não foi nada fácil, primeiro por-
que a equipe de produção preci-
sou escolher que partes do rotei-
ro possibilitariam essa transfor-
mação em desenho. Depois tive-
ram de enviar equipamentos pro-
fissionais de gravação de áudio
para os atores, que estavam con-
finados. Agora, imagina James
Spader, que interpreta Reymond
Reddington e estava em uma
fazenda do século 19, distante
de tudo, e que precisou recorrer
a métodos rudimentares para
captar um áudio cristalino. Bem,
fora todo transtorno para tornar
viável esse episódio, o que inte-
ressa mesmo é saber que vivere-
mos fortes emoções, com Liz
(Megan Boone) sendo forçada a
tomar uma decisão radical.

No fundo do mar
O fotógrafo Luciano Candisani é
o destaque desta sexta-feira, 19,
do #MISemCasa, que tem trans-
missão pelo YouTube do museu,
a partir das 20h. Em bate-papo
mediado por Eder Chiodetto, Can-
disani vai falar sobre a sua expe-
riência com as Haenyeo, mulhe-
res da Ilha de Jeju, na Coreia do
Sul, onde pôde fazer imagens
dessas senhoras de até 90 anos
de idade, que tiram seu sustento
do fundo do mar.

Bailando pela vida
O SescTV disponibiliza nesta
quinta-feira, 18, às 20h, episó-
dios inéditos da série Dança Con-
temporânea. Com direção geral
de Antonio Carlos Rebesco, a
nova temporada, que é compos-
to por 13 episódios, propõe um
olhar plural a partir das poéticas
do corpo negro. Na estreia e na
quinta da semana seguinte, o
canal exibe respectivamente os
espetáculos Sons D’Oeste , cria-
do e dirigido por Flávia Mazal e
interpretado pela Trupe
Benkady, e Mensagens de Mo-
çambique , de Wolfgang Pannek
e Jorge Ndlozy e encenado pela
Taanteatro Companhia.

DESTAQUE
PLAYARTE PICTURES

Orlando, a Mulher
Imortal/Orlando
(Inglaterra/Holanda, 1992.) Dir. e roteiro
de Sally Potter, com Tilda Swinton, Quen-
tin Crisp, Billy Zane, Lothaire Bluteau,
Charlotte Valandrey, John Wood.

O nobre Orlando é condenado pe-
la rainha Elizabeth (I) a permane-
cer eternamente jovem. Ora como
homem, ora como mulher, atra-
vessa os séculos. Baseado na
obra famosa de Virginia Woolf,
indicado para Oscars de direção
de arte e figurinos.
TEL. CULT, 22H. COLORIDO, 94 MIN.

Filmes na TV


O Banquete
(Brasil, 2018.). Dir. e roteiro de Daniela Tho-
mas, com Drica Moraes, Georgette Fadel,
Caco Ciocler, Mariana Lima, Rodrigo Bolzan,
Chay Suede, Bruna Linzmeyer.

Inspirado num evento real – uma
carta escrita pelo jornalista Otávio
Frias Filho contra o então presiden-
te Fernando Collor de Mello, que
tentava intimidar a imprensa –, o
filme, muito bem escrito e interpre-
tado, revisa Platão por meio de um
jantar entre amigos que vira lava-
gem de roupa suja.
C. BRASIL, 22H15. COL., 104 MIN.

NETFLIX/EFE
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