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H6 Especial QUINTA-FEIRA, 18 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Luiz Carlos Merten
Por mais que exista controvér-
sia quanto ao Dia do Cinema
Brasileiro – 19 de junho ou 5 de
novembro? –, esta sexta é im-
portante, porque marca o iní-
cio de uma promoção imperdí-
vel do Espaço Itaú de Cinema.
O cinéfilo, e não apenas o pau-
listano, sabe que o conjunto de
salas da Rua Augusta tem sido o
abrigo da produção brasileira e
independente internacional.
Pois, neste dia 19, o Espaço ini-
cia um festival de pré-estreias
em seu site, e em parceria com a
plataforma Looke Eventos Pa-
ralelos.
Serão 11 filmes brasileiros e
oito estrangeiros – 19, no total.
Além de numericamente privi-
legiar a produção nacional, e
por se tratar do Dia do Cinema
Brasileiro, um dos onze estará
disponível gratuitamente a
partir da meia-noite desta
quinta, 18, ou zero hora da sex-
ta. Piedade é o novo (grande fil-
me) de Cláudio Assis, o mais
brilhante diretor de sua gera-
ção e um gigante do cinema
pernambucano – com Kleber
Mendonça Filho, claro. A sele-
ção do Espaço Itaú Play no fes-
tival de pré-estreias online,
que vai até dia 29, terá filmes
de São Paulo, Rio, Pernambu-
co, Bahia, Ceará, Minas e Rio
Grande do Sul.
Os estrangeiros também são
produções de sete países – Afe-
ganistão, Alemanha, Áustria,
China, França, EUA, Turquia.
Destacam-se o Liberté de Albert
Serra, autor catalão tão e até
mais transgressor que Cláudio
Assis, e, para as feministas de
carteirinha, a história jamais
contada da primeira cineasta
do mundo, Alice Guy-Blanché.
Toda essa programação ri-
quíssima e variada estará dispo-
nível a partir de sexta, e Piedade ,
de graça, por um dia, para feste-
jar não apenas o cinema brasi-
leiro, mas a autoralidade. Só fil-
mes de autor.
Cada um permanecerá dispo-
nível durante 48 horas, a um
ingresso no valor de R$ 10, ex-
ceto Piedade , que, por ter seu
primeiro dia de graça, terá
mais tempo no ar. Produção da
República Pureza de Marcelo
Ludwig Maia e da Perdidas Ilu-
sões de Assis e Camila Valença
- os nomes das empresas já fa-
zem sonhar –, Piedade não é
bem o bairro do Recife, mas
uma cidade fictícia, fronteira à
metrópole que Assis (e Kleber
Mendonça) retrata como espe-
lho das desigualdades sociais
que são a cara do Brasil. Uma
família e seus dramas. Um gran-
de elenco: Fernanda Montene-
gro, Matheus Nachtergaele,
Cauã Reymond, Irandhir San-
tos, Gabriel Leone.
Uma praia interditada – pe-
los ataques de tubarões e pelo
vazamento de uma tal Petro-
green, que de verde tem só o
nome. A praia, não por acaso,
chama-se Saudade – do tempo
em que o País era outro. E há,
ainda, o cinema pornô, cenário
de cenas ousadas.
Todo filme de Assis é pes-
soal, uma experiência no limi-
te, mas esse é mais. “Cauã faz o
papel do meu irmão que foi rou-
bado na maternidade. Passei
anos procurando esse irmão.
Fernanda é minha mãe, Irand-
hir sou eu”, disse no debate do
filme, no Festival de Brasília do
ano passado.
Os demais filmes brasileiros
incluem Três Verões , de Sandra
Kogut, a crise brasileira retrata-
da ao longo de três tempora-
das, e a apoteose, o fecho, a Ver-
de-e-Rosa, Mangueira em Dois
Tempo s, de Ana Maria Maga-
lhães.
Em tempo: o 19 de junho foi
quando o italiano Afonso Segre-
to fez as primeiras imagens do
Brasil, captadas de um navio
que chegava à baía de Guanaba-
ra, em 1898. O 5 de novembro
foi celebrado durante anos por-
que, segundo Carlos Ortiz em
sua pioneira história do cinema
no Brasil, teria sido a data da
primeira filmagem feita no País
- pelo português Antônio Leal,
em 1907. A Ancine instituiu o 19
de junho como data oficial.
Do total arrecadado, 20% do
valor será destinado à APRO
(Associação Brasileira da Pro-
dução de obras audiovisuais),
para auxiliar os profissionais do
audiovisual afetados pela pan-
demia. E, após a exibição onli-
ne, os títulos desse festival en-
trarão em cartaz no circuito
Itaú Cinemas, em datas a serem
definidas posteriormente, con-
forme plano de retomada das
autoridades sanitárias.
O
s militares não podiam
ter seus quartéis dentro
dos perímetros da Roma
antiga. Anos de mau convívio en-
sinaram a sociedade civil romana
a manter os generais e suas le-
giões longe do poder, ou das ten-
tações do poder. Não adiantou
muito: foram os generais e suas
legiões que fizeram história en-
quanto os tribunos faziam discur-
sos. Roma antiga nos legou grandes
peças de oratória contra a promis-
cuidade indesejada de políticos e mi-
litares que acabaram sendo hinos à
hipocrisia. O papel dos militares
num tempo de paz, portanto, é uma
discussão que precede Roma, prece-
de qualquer sociedade minimamen-
te organizada e também precede a
hipocrisia.
O que fazer com um poder arma-
do quando ele não é necessário? Ou
quando fazer guerra não é mais sua
atribuição principal, mas ele man-
tém seu garbo e suas verbas? O ro-
mancista francês Stendhal, na sua
obra mais importante, O Vermelho e
o Negro , que não tem nada a ver com
as cores anarquistas ou com as co-
res do Flamengo, escreveu sobre os
dois caminhos que um jovem indeci-
so, lançando-se no conturbado mun-
do da Europa pós-napoleônica, de-
veria contemplar para ter uma car-
reira respeitável. A escolha era en-
tre o vermelho da Igreja, e o negro
do Exército. Em nenhum momento
da narrativa o protagonista de
Stendhal revela uma vocação religio-
sa ou atração pela vida militar. Ele
talvez seja o primeiro personagem
da literatura a fazer uma escolha
fria entre instituições que perde-
ram o sentido, pensando só na sua
carreira e inaugurando o herói mo-
derno.
Desde a Roma antiga, desde antes
da Roma antiga, desde antes do an-
tes do antes, o que fazer com um
poder armado num tempo de
paz? Se ele não é o poder modera-
dor que pretende ser, mas o minis-
tro Fux diz que não é, o que é
então? Julien Sorel, o persona-
gem de Stendhal, escolhe o sacer-
dócio, mas não renuncia às mulhe-
res e acaba guilhotinado. Se tives-
se escolhido a farda teria uma be-
la carreira militar e acabaria, pro-
vavelmente, reformado em vez
de decapitado. E teria tempo para
meditar sobre o papel das forças
armadas através dos tempos, des-
de as primeiras cavernas.
Verissimo
‘PIEDADE’
l]
LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE
ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS
NA MOSTRA DO DIA DO CINEMA
Comemoração, que começa na sexta, 19, conta com 11 longas brasileiros e oito estrangeiros
O vermelho e o negro
PROGRAMAÇÃO
Caderno 2
PERDIDAS ILUSÕES/REPÚBLICA PUREZA
Está chegando!
31º Grande Leilão de Joias
Exposição:
Hoje e amanhã, das 11 às 19h e dia 20, a partir das 11h.
Dê seus lances ao vivo:
Rua Oscar Freire, 213 - SP
ou pelos telefones 11 3062.2999 11 97770.8545
http://www.miltonsayeghleiloes.com.br
O MELHOR PREÇO DO MERCADO
EM 10X SEM JUROS NO CARTÃO
Dia 20/06 (sábado), 16h.
‘Piedade’. Com Irandhir Santos e Fernanda Montenegro em cena: filme mais recente de Cláudio Assis será exibido gratuitamente durante um dia
l Sexta (19) e sábado (20)
Três Verões , de Sandra Kogut, e
Alice Guy-Blaché: A História Não
Contada da Primeira Cineasta do
Mundo , de Pamela B. Green
l Sábado (20) e
domingo (21)
Aos Olhos de Ernesto , de Ana
Luiza Azevedo, e O Conto das
Três Irmãs , de Emin Alper
l Domingo (21) e
segunda (22)
Piedade , de Cláudio Assis,
e Deerskeen: A Jaqueta de
Couro de Cervo , de Quentin
Dupieux
l Segunda (22) e terça (23)
A Febre , de Maya Da-Rin
l Terça (23) e quarta (24)
Música para Morrer de Amor , de
Rafael Gomes, e O Orfanato , de
Shahrbanoo Sadat