O Estado de São Paulo (2020-06-18)

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A8 QUINTA-FEIRA, 18 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Internacional


Kim Yo-jong ordenou a destruição do escritório
de relações entre as duas Coreias na terça-feira

WASHINGTON

John Bolton, ex-conselheiro
de Segurança Nacional da Ca-
sa Branca, disse que Donald
Trump pediu ajuda ao presi-
dente chinês, Xi Jinping, para
vencer a eleição de novem-
bro. A denúncia está no novo
livro de Bolton, com lança-
mento marcado para terça-
feira que vem. O Departamen-
to de Justiça entrou com uma
ação judicial para barrar a pu-
blicação, mas alguns trechos
foram revelados ontem pela
imprensa americana.
Segundo Bolton, o pedido
ocorreu durante uma reunião
com Xi a portas fechadas, em ju-
nho de 2019. “Surpreendente-
mente, Trump mudou o rumo
da conversa e passou a falar das
próximas eleições presiden-
ciais americanas, se referindo à
capacidade econômica da Chi-
na e implorando para que Xi ga-
rantisse sua vitória”, escreveu o
ex-conselheiro.
Durante a reunião, Trump
usou a guerra comercial com o
país asiático para obter vanta-
gens políticas. De acordo com
Bolton, o presidente teria pedi-
do que Xi comprasse produtos
agrícolas americanos para que
ele pudesse vencer a eleição em
Estados-chave dos EUA. “Ele
(Trump) enfatizou a importân-
cia dos agricultores e das impor-
tações chinesas de soja e trigo
no resultado das eleições”, dis-
se o ex-conselheiro.
A Casa Branca de Trump já foi
objeto de outros livros. No en-
tanto, até então, todos haviam
sido relatos de jornalistas ou de

ex-funcionários com pouco
acesso a informações privilegia-
das. É a primeira vez que um al-
to servidor público do governo
conta detalhes em primeira
mão de bastidores da gestão.
Bolton é um republicano his-
tórico, que milita no partido des-
de os anos 60 e sempre apresen-
tou credenciais impecáveis em
gabinetes de presidentes con-
servadores, como Ronald Rea-
gan e George Bush, pai e filho.
Defensor de intervenções mili-
tares americanas em outros paí-
ses, ele foi nomeado conselhei-

ro de Segurança Nacional em
abril de 2018 e demitido pelo
Twitter em setembro de 2019.
“Seus serviços não serão mais
necessários na Casa Branca”, es-
creveu o presidente.
O intervencionismo de Bol-
ton incomodava Trump. O ex-
conselheiro defendia posições
mais duras contra Venezuela,
Coreia do Norte e o Taleban, no
Afeganistão. A demissão ocor-
reu logo após a notícia de que
Trump havia pedido ajuda do
presidente da Ucrânia, Volod-
mir Zelenski, para investigar

Joe Biden, democrata que lidera-
va a corrida presidencial e
maior rival na campanha.
Durante o processo de impea-
chment, Bolton se tornou alvo
de intimações de deputados e
senadores democratas, que que-
riam que ele testemunhasse no
inquérito contra o presidente –
a Casa Branca conseguiu barrar
seu depoimento. Desde que dei-
xou o governo, no entanto, o ex-
conselheiro anunciou a inten-
ção de escrever suas memórias.
Antes mesmo de ser lançado,
o livro The Room Where It Happe-

ned (“A Sala Onde Tudo Aconte-
ceu”, em tradução livre) se tor-
nou um best-seller nos EUA.
Ontem, os jornais The Wall
Street Journal e New York Times
publicaram trechos da obra. Em
577 páginas, Bolton diz que o in-
quérito de impeachment igno-
rou outras ações criminosas do
presidente e garante que mui-
tos aliados e assessores falam
mal de Trump pelas costas.
Bolton descreve ainda vários
episódios em que o presidente
atuou para obstruir investiga-
ções criminais – além do escân-
dalo da Ucrânia, que foi alvo do
inquérito de impeachment. O
ex-conselheiro cita “favores”
concedidos a “ditadores” e em-
presas da China e da Turquia.
Quem teve acesso afirma que
o livro é um retrato sombrio de
um presidente ignorante e sus-
cetível a elogios feitos por líde-
res autoritários que o manipu-
lam facilmente. Segundo Bol-
ton, Trump não sabia, por exem-
plo, que o Reino Unido tinha ar-
mas nucleares e perguntou,
uma vez, se a Finlândia fazia par-
te da Rússia.
Bolton diz também que os
EUA estiveram mais perto do
que se imagina de sair da Otan e
cita um bilhete constrangedor
do secretário de Estado, Mike
Pompeo. Em 2018, durante reu-
nião com Kim Jong-un, Pom-
peo teria escrito para Bolton
uma mensagem criticando
Trump. “Ele só fala bobagem”,
dizia o bilhete. Além da tentati-
va de impedir o lançamento do
livro, ninguém na Casa Branca
comentou ontem os trechos pu-
blicados na imprensa. / NYT e AFP

A PODEROSA IRMÃ


DO DITADOR DA


COREIA DO NORTE


Diplomacia. Imprensa publica trechos do livro de John Bolton, ex-assessor de Segurança Nacional, primeiro relato de um alto


funcionário sobre bastidores do governo; presidente é retratado como alguém ignorante e facilmente manipulado por líderes autoritários


“Trump mudou o rumo da
conversa, se referindo à
capacidade econômica
da China e
implorando
para que Xi
garantisse
a sua
vitória”
TRECHO
DO LIVRO
DE JOHN
BOLTON

A


demolição do escritó-
rio de relações entre
as Coreias, na terça-
feira, voltou a confirmar as
suspeitas de que Kim Yo-
jong, irmã caçula de Kim
Jong-un, é uma das pessoas
mais poderosas do regime e
potencial herdeira do líder su-
premo da Coreia do Norte.
Sua influência começou a
ficar maior em março, quan-
do o primeiro comunicado

oficial do governo assinado por
ela foi publicado. Desde então,
ela não parou de crescer e está
no centro da ruptura com Seul.
No último fim de semana, a ca-
çula da família anunciou que
era necessário “destruir com-
pletamente o inútil escritório
de relações”. Poucos dias de-
pois, as autoridades norte-co-
reanas explodiram o prédio,
um dos símbolos da tentativa
de acordo entre as Coreias.

Kim Yo-jong é uma das asses-
soras mais próximas de Kim
Jong-un, o que a transforma em
uma das mulheres mais podero-
sas do país. Oficialmente, ela é
membro suplente do comitê
executivo do Partido dos Traba-
lhadores da Coreia do Norte,
cargo para o qual foi nomeada
em outubro de 2017. Em comu-
nicado divulgado pela agência
oficial de notícias KCNA, ela fa-
la sobre seu “poder autorizado
pelo líder supremo, nosso parti-
do e o Estado”.
Nascida em 1988, segundo o
Ministério Sul-Coreano da Uni-
ficação, Yo-hong é filha do fale-
cido líder Kim Jong-il e de sua
terceira esposa, a ex-bailarina
Ko Yong-hui. Assim como o seu
irmão, ela estudou na Suíça e as-
cendeu rapidamente na hierar-
quia do regime desde que ele
herdou o poder após a morte do
pai, em 2011.
Em 2009, fez a primeira apari-
ção pública em uma visita com o

pai a uma universidade agrícola.
E, até a morte dele, era uma figu-
ra recorrente em seu entorno.
Nas fotos do funeral, ela apare-
ce atrás do irmão. “Não há ne-
nhuma dúvida de que Kim Jong-
un tem uma relação muito próxi-
ma com a irmã”, observa Yang
Moo-jin, da Universidade de Es-
tudos Norte-Coreanos de Seul.

“Jong-un e Yo-jong passaram
boa parte da juventude de modo
solitário no exterior. Penso que,
naquele momento, desenvolve-
ram uma forma de camarada-
gem, além de amor fraterno.”
Nenhuma mulher governou
até hoje a Coreia do Norte, mas
alguns analistas a consideraram
uma possível candidata à suces-

são do irmão quando surgi-
ram boatos sobre a saúde de
Kim Jong-un, após uma au-
sência de várias semanas em
eventos públicos.
Alguns analistas dizem que
sua onipresença nos últimos
meses na imprensa norte-co-
reana e o fato de ela estar dire-
tamente associada à destrui-
ção do escritório de relações
intercoreanas pode ter como
objetivo reforçar sua credibi-
lidade ante o Exército e a alta
cúpula do regime.
Antes das recentes ofensi-
vas, Yo-jong era associada
principalmente às iniciati-
vas diplomáticas norte-co-
reanas, como ocorreu nos Jo-
gos Olímpicos de Inverno,
em 2018, realizados no país
vizinho. Yo-jong também es-
teve em cada uma das reu-
niões entre seu irmão e os
presidentes dos EUA, Do-
nald Trump, e da Coreia do
Sul, Moon Jae-in. / AFP

BERLIM

As autoridades alemãs disseram
ontem ter “provas” de que a me-
nina britânica Madeleine Mc-
Cann, desaparecida em Portu-

gal em 2007, está morta. “São
provas concretas, fatos que es-
tão em nossas mãos, e não sim-
ples indicações”, afirmou o pro-
curador da cidade de Brunswick,
Hans Christian Wolters. Ele não
deu detalhes, mas disse que, ape-
sar das evidências contunden-
tes, não há “prova pericial”.
Ontem, os promotores da Ale-
manha escreveram para os pais
de Madeleine, Kate e Gerry Mc-
Cann, para informá-los da mor-
te. A mensagem fala de “evidên-

cias concretas” de que o suspei-
to Christian Bruckner, de 43
anos, a matou, embora os deta-
lhes ainda não possam ser reve-
lados. Segundo o jornal The
Sun , os promotores disseram
que revelar evidências agora
prejudicaria as chances de
Bruckner – que está preso – ser
julgado pelo crime.
Wolters disse que os Mc-
Cann não receberam todos os
detalhes, mas conhecem o resul-
tado da investigação. “A polícia

britânica foi informada, mas
não possui todas as evidências
que temos. Os resultados de
nossa investigação foram com-
partilhados, mas nem todos fo-
ram passados para a Scotland
Yard (polícia britânica)”, afir-
mou o promotor.
O advogado português da fa-
mília McCann, Rogério Alves,
pediu à polícia alemã que com-
partilhe as evidências. No en-
tanto, o promotor reiterou que
isso atrapalharia a investiga-
ção. “Entendo o que o advoga-
do da família McCann está di-
zendo. Simpatizo com os pais,
mas se revelarmos mais deta-
lhes, isso pode comprometer a
investigação. Eu sei que seria
um alívio para os pais saber co-

mo ela morreu. Mas este é um
caso de assassinato e não de pes-
soas desaparecidas. Fomos bas-
tante claros que investigamos
um assassinato e temos provas
disso”, afirmou.
Madeleine tinha 3 anos quan-
do foi sequestrada no aparta-
mento de férias de seus pais no
resort português da Praia da
Luz, no Algarve, no dia 3 de
maio de 2007. No início deste
mês, a polícia alemã disse que
Bruckner era suspeito do desa-
parecimento. Para os investiga-
dores, ele é um “estuprador, tra-
ficante de drogas e pedófilo”.
Segundo reportagem da revis-
ta Der Spiegel , Bruckner escon-
dia roupas de crianças e 8 mil
imagens pedófilas em seis pen

drives e dois cartões de memó-
ria em sua van, descoberta pela
polícia alemã em 2016 – ela ha-
via sido abandonada em Brauns-
chweig, onde Bruckner viveu en-
tre 2013 e 2015.
Friedrich Fulscher, advoga-
do de Bruckner, afirmou que
seu cliente não tem relação
com o desaparecimento de Ma-
deleine. Agora, os investigado-
res alemães querem testar nova-
mente uma amostra de saliva
encontrada no apartamento de
onde a garota desapareceu. Os
testes portugueses não encon-
traram DNA compatível com o
novo suspeito. Acredita-se, po-
rém, que após 13 anos da coleta,
seja impossível extrair qual-
quer perfil. / AFP e REUTERS

KEVIN LAMARQUE/REUTERS-29/6/

l Bastidores

Procurador alemão diz ter provas


de que Madeleine está morta


Ex-conselheiro da Casa Branca diz que


Trump pediu ajuda da China na eleição


Pedido. Fatídico encontro citado por Bolton: Donald Trump cumprimenta presidente chinês, Xi Jinping, em junho de 2019

JORGE SILVA/EFE-2/3/

Influência. Kim Yo-jong durante visita oficial ao Vietnã

Sucessora

Promotores enviam carta
aos pais da menina
britânica, mas não
revelam detalhes do
desaparecimento
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