Sabor Club - Edição 29 (2019-05)

(Antfer) #1

22 | Sabor. club [ ed. 29 ]


A IMAGEM PUBLICADA NO SEU PERFIL DO
INSTAGRAM define horizontes à cozinheira: o mar azul
encontra no céu as cores de um pôr do sol da Bahia e,
no primeiro plano, descansando nas areias de Morro de
São Paulo, a presença curiosa da cuia de chimarrão. As
aparências revelam. Argentina de sangue, Alejandra Maidana
postou a foto do paraíso, mas não estava de bobeira. Fazia
apenas uma pausa na pesquisa de campo. Porque dali foi
mexer no panelão de siri da baiana para entender a carne
que desfia sozinha na lenta cocção. E aprender a queimar o
coco no fogo para abrí-lo com facilidade.
“Comecei a fazer meu leite de coco e o iogurte com a
fruta seca e passada na chama, dando um toque defumado
gostoso”, diz a chef nascida em Buenos Aires. Na fala, seu

portunhol surpreende os clientes que esperam encontrar
no salão uma cozinheira com o jeitinho da Gabriela,
de Jorge Amado.
Da varanda do restaurante Quitéria, no Rio,
conseguimos esticar o pescoço e ver outro mar, o que
lambe a praia de Ipanema. É diante desse oceano que
Alejandra nos conta como conseguiu, aos 32 anos,
e com apenas três de Brasil, ser uma das chefs mais
comentadas na cidade quando o assunto é a gastronomia
brasileira, premiada pela crítica e anfitriã do Cozinheiras
Brasileiras, um projeto animador que está levando à sua
cozinha, uma por uma, as melhores cozinheiras do país.
Roberta Sudbrack, Manu Buffara, Bel Coelho e Janaina
Rueda são algumas que já participaram dos jantares
definidos por Alejandra como “batalhas intelectuais” pelo

empoderamento feminino através da comida.
Um sinal: foram mulheres as personagens que abriram,
desde a infância, os caminhos da paixão de Alejandra
pelos ingredientes e suas transformações. Na trajetória
de uma cozinheira precoce e estudiosa, dois momentos-
chave aparecem no início da prosa. Primeiro, a mãe de
ascendência espanhola que a levava pela mão à feira
livre para ajudar a escolher as verduras, frutas e carnes
da semana. Segundo, buscando novas paisagens para
o diploma argentino, a descoberta de certa brasileira
cozinhando na internet.
“Toda quarta era dia de feira e eu gostava de conversar
com os vendedores. Minha mãe ensinava a fazer
empanadas e preparava milanesas de acordo com o gosto

de cada filho. O meu era mais torradinho. Havia muito
carinho envolvido na comida”, lembra.
E o Brasil, Alejandra, pinta em que capítulo? “Sempre
fui pesquisadora e quis ir além das paredes na faculdade
de gastronomia. Sonhava com um país grande e cheio de
ingredientes desconhecidos, com uma cultura rica. Um
dia descobri um vídeo da Bel Coelho ensinando a cozinhar
um camarão. Aquilo me impactou. Percebi que tinha uma
galera no Brasil prezando pela cozinha técnica, assertiva
e com emoção, usando produtos que eu gosto”, recorda,
inserindo a gíria carioca no sotaque carregado.
Alejandra viajou pela América do Sul e concluiu os
estudos na Espanha, mas o samba a mandou chamar. De
férias no Nordeste, a epifania veio apimentada no tabuleiro
da baiana, com origem no candomblé: “O acarajé virou

“Sonhava com um país grande e cheio de ingredientes desconhecidos, com uma cultura rica.
Um dia descobri um vídeo da Bel Coelho ensinando a cozinhar um camarão”

Marias guerreiras
Séria de jantares reúne grandes cozinheiras do Brasil
Maria Quitéria (1792-1853), a heroína militar da Independência, se encheria de orgulho e água na boca. Enquanto o nome
da primeira mulher a ir para o combate pelo exército brasileiro batiza a rua carioca onde está o homonimo restaurante
da chef Alejandra Maidana, há uma série em andamento na casa que destaca as guerreiras da gastronomia nacional.
Na terceira temporada, o projeto Cozinheiras Brasileiras já levou oito grandes mulheres (Roberta Sudbrack,
Bel Coelho, Flávia Quaresma, Ana Luiza Trajano, Tereza Paim, Janaína Rueda, Daniella Dahoui e Manu Buffara)
ao Quitéria para jantares de menus inéditos com ingredientes brasileiros. A programação de 2019 tem como tema:
Histórias das mulheres, histórias feministas e contará com Manuelle Ferraz, Ruth Almeida, Mônica Rangel
e Morena Leite. “As guerras não são apenas físicas, há confrontos intelectuais com resultados fabulosos.
Valorizar cozinheiras é destacar e empoderar a mulher na sociedade.
Free download pdf