Sabor Club - Edição 29 (2019-05)

(Antfer) #1

46 | Sabor. club [ ed. 29 ]


NÃO FAZ MUITO TEMPO, O CONTEÚDO da lancheira
da Mari Sciotti era um dos grandes pesadelos da sua vida
de menina. Enquanto a moda era ir para cantina comprar
Cheetos com Coca-Cola, ela tinha banana desidrata e
“uma coisa de açúcar mascavo”. Esse era o status da
classe média dos anos 80 e 90, da Zona Sul de São Paulo,
pelos bairros de Moema e Campo Belo. Por ali, ai de
quem perguntasse o que ela ia comer.
A pequena Mariana foi criada por uma mãe, diz,
meio natureba, mas sem nenhuma restrição alimentar.
Isso explica porque a cozinheira do Quincho, um dos

melhores vegetarianos da paulicéia, não é vegetariana.
E isso é ótimo!
A maneira diversa, sem preconceito, de como ela
pensa a comida, a faz chegar em pratos com muito mais
textura, muito mais sabor, graças-a-Buda, muito além das
papas e caldos com temperos orientais que comemos por
tanto tempo, em salões com cheiro de incenso.
“Para mim, sempre foi natural combinar a minha
cozinha mais vegetal com uma grade bem grande de
ingredientes.”
A declaração explica de onde vem a ideia do brócolis
assado com maionese de alho negro, lasquinhas dele e
lasconas de grana padano. Quem olha, a princípio vê

um prato de vegetais. Quem come, percebe que é muito
mais dos isso. É incrível com as notas típicas do brócolis
casam com as do alho fermentado e aí vem a textura
do queijo e faz o palato explodir de felicidade. “Meu
cliente é o homem carnívoro. Vejo esse cara vir para cá,
sem preconceito, e sair feliz. Sem sentir falta da proteína
animal. Não comer carne aqui é um detalhe, não é o
meu grande propósito, embora seja a força motriz do
restaurante. O objetivo é fazer comida boa.”
Missão dada, missão cumprida, a partir do discurso
que tão falado (e correto!) de que a paleta de cores e

sabores dos vegetais é muito variada – e que pode ser
mais divertido trabalhar com elas do que com os tons
mais retos, embora vibrantes, das proteínas animais.
“O desafio é aplicar técnicas culinárias para ganhar
texturas e intensificar o sabor. Com ou carne, eu quero
gosto. Comida bem feita, nuances que me tirem do lugar
comum. A couve-flor não é um bife. E não vai ser melhor
do que ele. Mas pode ser incrível também.”
Pode mesmo. O legume gralhado com glace de
vegetais, lentilhas com cebola caramelizada e molho
romesco, por exemplo, é um desbunde. Uma dessas
receitas com potencial para virar prato de resistência
da casa, no futuro. Hoje, quem ocupa o lugar é o

“Meu cliente é o homem carnívoro. Vejo esse cara vir para cá, sem preconceito,
e sair feliz. Não comer carne aqui é um detalhe, não é o meu grande propósito, embora
seja a força motriz do restaurante. O objetivo é fazer comida boa”

Muito à frente
A referência da Mari Sciotti é um lugar incrível onde se fala
e se faz uma cozinha mais verde com inclusão social faz tempo
Assim o Moinho de Pedra, numa casinha na Chácara Sto. Antônio, em São Paulo, se define: “Quando pensamos numa
receita vamos muito mais além de seu sabor e da qualidade dos ingredientes. Ao criá-la pensamos em todo o contexto
cultural envolvido no ato de se alimentar. Desde a gestação natural de cada semente posta na terra, a transformação em
alimento, os aromas, sabores e o bem-estar de quem o leva a boca. Pensar a comida nunca foi tão real num restaurante”.
Aqui, tudo sai das cabeças da Márcia e Tatiana Cardoso que, há 24 anos, abriram um entreposto num belo jardim para
servir sucos e sanduíches naturais. A coisa cresceu e a Tatiana foi para a Califórnia, a Meca da culinária vegetariana no
mundo. Voltou de lá uma mestra, não são só das panelas, mas também no aspecto social. Faz tempo, ela empodera as
tantas mulheres que trabalham na sua linha cozinha, repleta de delícias feitas para todo mundo – só que sem carne.

Moinho de Pedra – R. Francisco de Morais, 227, Chác. Sto Antônio, São Paulo – SP. Tel.: (11) 5181-0581 (só para almoço)
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