O Estado de São Paulo (2020-06-19)

(Antfer) #1

OESTADODES.PAULO SEXTA-FEIRA, 19 DEJUNHODE 2020 Política A


Maio de 2020
‘Informações
antecipadas’
Suplente de Flávio Bolsona-
ro no Senado, o empresário
Paulo Marinho diz que o
filho do presidente foi avisa-
do com antecedência por
um delegado da PF sobre
a Operação Furna da
Onça, que investigou
a prática de “rachadi-
nha” na Assembleia
do Rio.

morreu durante uma operação
policial na Bahia.
Catta Preta está no Rio, na ca-
deia de Benfica, onde Queiroz
ficará preso. Eles conversaram
pessoalmente, pela primeira
vez, no início da tarde de on-
tem. “A família me procurou no
início do mês, estava preocupa-
da por ele estar sem advogado”,
afirmou o advogado ao Esta-
dão , pouco antes de Queiroz
chegar ao local.
O defensor disse também
que ainda não estudou a fundo
os autos do caso, que, desde
2018, é conduzido pelo Ministé-
rio Público do Rio.

Miliciano. Capitão Adriano foi
morto em fevereiro deste ano
pela polícia da Bahia, no municí-
pio de Esplanada. Ele era apon-
tado por investigadores do Rio
como chefe do Escritório do Cri-
me, grupo miliciano que atua na
zona oeste da capital fluminen-
se. Quando ainda era policial mi-
litar – chegou a ser capitão do
Bope –, Adriano trabalhou com
Queiroz no batalhão de Jacare-
paguá, também na zona oeste.
Ele respondem juntos a um

homicídio registrado como “au-
to de resistência”.
A mãe e a ex-mulher dele, Rai-
munda Veras Magalhães e Da-
nielle Mendonça da Costa Nób-
rega, respectivamente, foram
nomeadas assessoras no gabine-
te de Flávio na Assembleia Le-
gislativa do Rio (Alerj), durante
o período investigado.
Em uma das etapas da investi-
gação, que resultou em uma
operação no fim do ano passa-
do, mostrou que elas transferi-
ram para Fabrício Queiroz, en-
tão assessor parlamentar e con-
siderado o operador do esque-
ma, parte de seus salários, além
de terem feito saques que pode-
riam indicar repasses em es-
pécie para a “organização crimi-
nosa”. O dinheiro vivo seria
uma forma de não deixar ras-
tros no sistema financeiro.

T


rês bonecos do mafio-
so Tony Montana, o
personagem do ator
Al Pacino no filme Scarface ,
dirigido por Brian de Palma,
em 1984, ladeavam um cartaz
alusivo ao Ato Institucional
n.º 5, decorando a lareira da
sala de estar da casa que hos-
pedava o ex-assessor parla-
mentar Fabrício Queiroz.
Dois dos bonecos de Mon-
tana vestiam ternos brancos;
o terceiro, um preto. E porta-
vam armas. No filme, Pacino
é um criminosos cubano em-
barcado pelo regime de Fidel
Castro nos barcos que parti-
ram do porto de Mariel, em
1980, apinhados de imigran-
tes para os Estados Unidos.
Ali o mafioso faz carreira, ree-
ditando os passos do Scarfa-

ce original, o mafioso Al Capo-
ne, na Chicago dos anos 1920.
No esconderijo de Queiroz, à
esquerda da lareira, havia uma
televisão em cima de um móvel
com duas dúzias de DVDs. Uma
raquete para matar mosquito e
um ventilador guarneciam o la-
do direito. A sala tinha ainda
duas poltronas e uma mesa,
atrás da qual havia um colchão.
Foi sentado em uma de suas ca-
deiras que o ex-assessor do sena-
dor Flávio Bolsonaro acompa-
nhou as buscas da polícia.
Os investigadores só recolhe-
ram os documentos de Queiroz.
Nenhum objeto do dono do imó-
vel, o advogado Frederick Was-
sef – como o cartaz do AI-5 ou os
bonecos de Montana –, foi
apreendido. Havia a suspeita de
que o lugar fosse usado para

guardar papéis de outros clien-
tes do advogado. Um tapete na
casa, aliás, fazia referência ao es-
critório de Wassef – Wassef &
Sonnenburg Advogados.
Queiroz dormia em uma ca-
ma de casal em um dos dois quar-
tos do imóvel. O cômodo tinha
ainda um armário com uma ima-
gem de Nossa Senhora. O outro

quarto tinha duas camas de
solteiro. A cozinha e um ba-
nheiro completavam a planta
da casa. “O lugar era sim-
ples”, disse o delegado Osval-
do Nico Gonçalves. Um am-
biente bem diferente da man-
são de Tony Montana, com o
letreiro anunciando: “O mun-
do é seu”. / M.G.

Bruno Ribeiro
Marcelo Godoy
Renato Vasconcelos

O ex-assessor parlamentar
Fabrício Queiroz acordou
com a polícia em torno de sua
cama, levantou as mãos e
mostrou que estava desarma-
do. Parecia estar com medo.
“Ele ( Queiroz ) não fez nada,
não reagiu. Levantou as mãos
e falou: ‘Olha, tudo bem. Vo-
cês cumpram a função de vo-
cês, vou me entender com a
Justiça do Rio’. Foi ótimo,
trouxemos ele para cá”, disse
o delegado Osvaldo Nico Gon-
çalves, diretor do departa-
mento de Operações Poli-
ciais Estratégicas (Dope).
Queiroz estava escondido em
uma casa do advogado Frede-
rick Wassef, em Atibaia, a 65
quilômetros de São Paulo.
A operação que encontrou
Queiroz começou a ser dese-
nhada na terça-feira quando o
promotor Amauri Silveira Fi-
lho, do Grupo de Atuação Espe-
cial e Repressão ao Crime Orga-
nizado (Gaeco), da capital, pro-
curou o secretário executivo da
Polícia Civil de São Paulo, dele-
gado Youssef Abou Chahin.
Amauri havia acabado de rece-
ber dos colegas do Rio o manda-
do de prisão e a informação do
endereço de Queiroz.
Os promotores do Rio ha-
viam feito a descoberta sobre o
endereço do ex-assessor por
meio da análise de fotos e men-
sagens achadas no celular de
Márcia Oliveira Aguiar, mulher
de Queiroz. Em uma delas, ha-
via uma foto dele em um chur-
rasco e uma mensagem: “Nós fi-
zemos um churrasquinho aqui.
Umas garotinhas ‘bacaninhas’ e
vimos o Cruzeiro ser rebaixa-
do... O Cruzeiro ser rebaixado
tomando uma Corona aqui com
limãozinho.... Muito bom!”

Youssef informou apenas
duas pessoas sobre o caso: o de-
legado-geral, Ruy Ferraz Fon-
tes, e o diretor do Dope. O alvo
da operação foi mantido em sigi-
lo. Nico designou uma equipe

para verificar se existia o ende-
reço em Atibaia passado pelos
promotores do Rio e em nome
de quem o imóvel estaria regis-
trado. Foi quando os policiais
tiveram uma surpresa: o endere-
ço estava em nome de Wassef,
advogado do senador Flávio
Bolsonaro (Republicanos-RJ) e
amigo do pai do parlamentar, o
presidente Jair Bolsonaro.
Como era curto o prazo para
executar o mandado de prisão,
os investigadores queimaram
etapas. “Ficamos com receio de
fazer aquilo que chamamos ‘re-
conhecimento’, que é um proce-
dimento padrão que adotamos
quando a gente vai cumprir uma
ordem judicial que não é nos-
sa”, contou o promotor Jandir
Moura Gomes Neto, do Gaeco.

Para saber quantos agentes le-
var e se havia rotas de fuga, a
pesquisa foi feita no computa-
dor. “Fizemos uma pesquisa
em bancos de dados normais,
vulgo Google, e pesquisas em
bases de dados que nós temos”,
afirmou. Além dos agentes, de-
legados e promotores, represen-
tantes da Ordem dos Advoga-
dos do Brasil (OAB) acompa-
nharam a operação, pois não se
sabia se o imóvel era ou não usa-
do por Wassef como escritório.
Todos se encontraram às 4h
e rumaram em direção ao alvo.
Só então os demais envolvidos
na operação ficaram sabendo
quem iam prender em Atibaia.

Grupo. Um grupo de What-
sApp foi montado pelos promo-
tores do Rio e de São Paulo,
com a participação dos delega-
dos paulistas para a coordena-
ção da operação. E foi nele que
Nico informou aos colegas que
havia achado o Queiroz. Não ha-
via armas na casa. O ex-asses-
sor parecia “agoniado” quando
viu os policiais, que cortaram
uma corrente para abrir o por-
tão e depois usaram um aríete
para abrir a porta da casa.
“Ele havia tomado um remé-
dio e estava dormindo”, contou
o delegado Nico. Queiroz ficou
surpreso ao saber que sua pri-
são preventiva havia sido decre-
tada. De acordo com Nico, um
caseiro informou à polícia que
Queiroz estava havia mais de
um ano no imóvel. O ex-asses-
sor disse que fazia compras sozi-
nho e afirmou aos policiais que
estava doente. Foi autorizado a
levar uma mochila com roupas.
Vestiu máscara e boné preto. Pa-
ra evitar qualquer problema, te-
ve seu cinto retirado da calça.
Youssef deu a ordem aos su-
bordinados para que o material
arrecadado na casa fosse coloca-
do em um malote – R$ 900 que
estavam na carteira de Queiroz,
dois celulares e documentos do
ex-assessor. Toda a ação foi fil-
mada. O preso foi levado a São
Paulo e, depois, transferido em
helicóptero da Polícia Civil pa-
ra o Rio. No WhatsApp, os poli-
ciais receberam os parabéns -
dos promotores cariocas. E, pe-
lo telefone, chegaram os para-
béns do governador João Doria
(PSDB), transmitidos pelo se-
cretário da Segurança, general
João Camilo Pires de Campos.

Ação da polícia pegou


Queiroz deitado na cama


Novembro de 2019
Liminar derrubada
STF decide autorizar o com-
partilhamento pela Receita
Federal – sem necessidade
de autorização judicial – de
informações bancárias e
fiscais sigilosas com o Mi-
nistério Público e as polí-
cias. Liminar de Toffoli cai.

Junho de 2020
Prisão
Fabrício Queiroz é preso em Atibaia (SP), onde estava havia
mais de um ano, segundo a polícia. As ordens contra Queiroz
e a mulher dele são expedidas pelo juiz Flávio Itabaiana –
ao pedir as prisões, o Ministério Público do Rio citou risco de
continuidade de crimes, de fuga e de ocultação de provas.

Julho de 2019
Nova suspensão
Presidente do Supremo Tribunal
Federal, ministro Dias Toffoli
suspende, a pedido da defesa de
Flávio Bolsonaro, todos os pro-

cessos judiciais que tramitam no
País em que houve compartilha-
mento de dados da Receita, do
Coaf e do Banco Central com o
Ministério Público sem prévia
autorização judicial.

UM CARTAZ DO AI-5 E


MAFIOSOS NA LAREIRA


Apuração.
Frederick
Wassef
chega ao
Aeroporto de
Brasília,
após a
prisão

l Obrigação

Grupo foi montado por promotores e policiais em rede social para


coordenar operação; governador Doria parabenizou agentes


NA WEB
Portal. Veja fotos
da casa onde
Queiroz foi preso

estadao.com.br/e/queirozimagens
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POLICIA CIVIL SAO PAULO

ROSINEI COUTINHO/STF-18/6/
WILTON JUNIOR/ESTADÃO - 20/5/

POLICIA CIVIL SAO PAULO

Preferência. Lembrança de ato de exceção e de mafioso

Decoração

Sala da casa tinha bonecos de Tony Montana


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

Esconderijo. Casa onde Fabrício Queiroz ficou é simples

“Ele ( Queiroz ) não fez nada,
não reagiu. Levantou as
mãos e falou: ‘Olha, tudo
bem. Vocês são policiais.
Cumpram a função de
vocês, que eu vou me
entender com a Justiça do
Rio’. Foi ótimo, trouxemos
ele para cá.”
Osvaldo Nico Gonçalves
DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE
OPERAÇÕES ESTRATÉGICAS

POLICIA CIVIL SAO PAULO
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