O Estado de São Paulo (2020-06-19)

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A12 Política SEXTA-FEIRA, 19 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Breno Pires
Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA


A Polícia Federal se opôs à reali-
zação de uma operação contra
bolsonaristas autorizada pelo
Supremo Tribunal Federal no
inquérito que apura realização
de atos antidemocráticos. Em
ofício encaminhado ao relator,
Alexandre de Moraes, a delega-
da Denisse Dias Rosas Ribeiro
apontou que o cumprimento
das ordens representaria um
“risco desnecessário” à “estabi-


lidade das instituições”. Ela pe-
diu mais tempo para se manifes-
tar sobre quais diligências deve-
riam ser feitas no caso.
A pedido da Procuradoria-Ge-
ral da República, Moraes deter-
minou a operação de busca e
apreensão realizada na terça-
feira em endereços de 21 alia-
dos bolsonaristas. Além disso,
o relator autorizou a quebra de
sigilo de dez deputados e um se-
nador governistas e solicitou a
plataformas de redes sociais in-
formações sobre o financiamen-
to de páginas pró-Bolsonaro
que têm se dedicado a atacar o
Supremo e o Congresso.
As medidas haviam sido soli-
citadas pela Procuradoria-Ge-
ral da República e foram autori-
zadas por Moraes no dia 27 de
maio, e a previsão era de que a

operação fosse realizada na pri-
meira semana de junho. O pedi-
do encaminhado pela delegada
da PF foi visto com estranheza
entre procuradores e como o

motivo do atraso na realização
da operação realizada na terça.
A oposição de Denisse ao
cumprimento das medidas le-
vou a Procuradoria-Geral da Re-

pública a pedir o seu afastamen-
to do caso. A reportagem não
obteve no Supremo informa-
ção sobre se o pedido foi aceito.
A delegada fez algumas argu-
mentações de ordem técnica e
apontou que era preciso reali-
zar diligências preliminares pa-
ra então avaliar a necessidade
das medidas já autorizadas pelo
Supremo. “Pela postergação do
cumprimento ou pelo recolhi-
mento das ordens já emanadas,
a fim de que o direcionamento
dos recursos da Polícia Federal
seja inicialmente empregado
na obtenção de dados de inte-
resse e no preenchimento das
diversas lacunas das hipóteses
criminais aqui apresentadas”,
pediu Denisse a Moraes.
Denisse integra um grupo de
quatro delegados que auxilia os
trabalhos de Moraes nessa in-
vestigação e no inquérito sobre
ameaças, ofensas e fake news
disparadas contra integrantes

do STF e seus familiares. As in-
vestigações são conduzidas por
Igor Romário de Paula, que inte-
grou a Lava Jato em Curitiba, e é
tido como um aliado do ex-mi-
nistro Sérgio Moro. Depois que
Moro acusou Bolsonaro de ten-
tar interferir na PF, Moraes de-
cidiu blindar a equipe e impedir
que os delegados fossem troca-
dos em meio à substituição no
comando da corporação.
Procurada, a PF informou
que não vai se manifestar.

l ‘Lacunas’
Delegada se opôs à ação contra bolsonaristas


Operação Lume. Policiais federais durante ação em SP

“ (Defendo) o
direcionamento dos
recursos da PF no
preenchimento das diversas
lacunas das hipóteses
criminais aqui
apresentadas.”
Denisse Dias Rosas Ribeiro
DELEGADA DA PF

Denisse Ribeiro apontou


‘risco desnecessário’ em


operação autorizada pelo


ministro do Supremo
Alexandre de Moraes


BRUNO ESCOLASTICO/PHOTOPRESS–16/6/

Ministro da Educação, que se tornou um ‘gerador de crises’ para o


governo, comunica saída da pasta em vídeo ao lado do presidente


Jussara Soares
Julia Lindner / BRASÍLIA
Renata Cafardo


Pressionado a fazer um gesto
de trégua ao Supremo Tribu-
nal Federal (STF), o presiden-
te Jair Bolsonaro confirmou
ontem a demissão do minis-
tro da Educação, Abraham
Weintraub, o décimo a cair
desde o início do governo. A
saída foi anunciada em um ví-
deo publicado em rede social
em que os dois aparecem lado
a lado e comunicam a exonera-
ção. Na gravação, Weintraub
diz que “desta vez é verdade”.

O ministro, o segundo a co-
mandar a pasta desde o início
do governo, ficou 14 meses no
cargo, período no qual acumu-
lou desavenças com reitores, es-
tudantes, parlamentares, chine-
ses, judeus e, mais recentemen-
te, magistrados do Supremo,
chamados por ele de “vagabun-
dos” em uma reunião ministe-
rial. O argumento dos que defen-
diam a demissão era de que ele
se tornou um gerador de crises
desnecessárias justamente no
momento em que o presidente,
pressionado por pedidos de im-
peachment, inquérito e ações
que podem levar à cassação do
mandato, tenta diminuir a ten-
são na Praça dos Três Poderes.
No vídeo ao lado de Wein-
traub, Bolsonaro disse ser “um
momento difícil para todos”,
mas afirmou que manterá os
compromissos de campanha.
“A confiança você não compra,
você adquire. Todos que estão
assistindo são maiores de idade
e sabem o que o Brasil está pas-
sando. O momento é de confian-
ça, jamais deixaremos de lutar
pela liberdade”, declarou.
Amigo dos filhos do presiden-
te, Weintraub vinha resistindo
no cargo nos últimos meses por
manter o apoio da ala ideológica
do governo. Bolsonaro relutava
em demiti-lo para não desagra-
dar essa parte do seu eleitorado.


O agora ministro demissioná-
rio deve assumir uma represen-
tação brasileira Banco Mundial,
sediado em Washington, nos Es-
tados Unidos. A indicação foi
feita ontem pelo Ministério da
Economia, mas ainda depende
de aprovação de outros países –
o que deve ser apenas uma for-
malidade. A remuneração no
cargo é de US$ 21,5 mil mensais
(cerca de R$ 115,9 mil). Como
ministro ele recebia R$ 31 mil.
“Estou saindo do MEC, vou
começar a transição agora e nos
próximos dias eu passo o bas-
tão para o ministro que vai ficar
no meu lugar, interino ou defini-
tivo. Neste momento, não que-
ro discutir os motivos da minha
saída”, disse Weintraub no ví-
deo publicado no Twitter. No
discurso, além do novo cargo,
ele falou do apoio que recebeu e
até de sua cadelinha, Capitu,
mas nada sobre educação.
O Palácio do Planalto ainda
não bateu o martelo sobre seu
substituto. O Estadão apurou
que o secretário executivo da
pasta, Antonio Vogel, deve assu-
mir de forma interina. Outro co-
tado é o secretário de Alfabetiza-
ção, Carlos Nadalim, mas seu no-
me sofre resistência pela ligação
que tem com o guru do bolsona-
rismo, Olavo de Carvalho.

Gestão. Weintraub assumiu o
cargo em abril do ano passado,
no lugar de Ricardo Vélez Rodri-
guez, demitido por apresentar

“problemas de gestão”, nas pala-
vras do próprio Bolsonaro.
Embora seguisse com prestí-
gio na ala ideológica, a gestão de
Weintraub também era alvo de
críticas na comunidade acadê-
mica e no meio político. Como
mostrou ontem o Estadão , ra-
diografia feita por uma comis-
são da Câmara indicou “omis-
sões” do ministro durante o en-
frentamento da crise do corona-
vírus. O grupo já havia aponta-
do em novembro “paralisia”
nas ações da pasta.
Logo após assumir o ministé-
rio, Weintraub também enfren-
tou protestos de estudantes e
professores contra bloqueio
nos orçamentos de universida-
des federais. Em entrevista ao
Estadão , ele afirmou que redu-
ziria os repasses a instituições
que promovessem “balbúrdia”
em seus câmpus.
Recentemente, os ataques a
Weintraub aumentaram nas re-
des sociais após sua resistência
em adiar o Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem). Mesmo
assim, em maio, o governo con-
firmou que o Enem será poster-
gado. A decisão expôs mais um
capítulo da queda de braço den-
tro do governo. Bolsonaro teve
de enquadrar Weintraub após
ser informado pelo presidente
da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), que sofreria derrota
no Congresso se insistisse em
manter a data do Enem.
Após a demissão, Maia disse
esperar um melhor diálogo
com o Ministério da Educação.
“Estava muito ruim”, afirmou.
Ele ainda ironizou a possibilida-
de de Weintraub assumir um
cargo no Banco Mundial. “Não
sabem que ele trabalhou no Ban-
co Votorantim, que quebrou
em 2009”, disse.

A


demissão de Abraham Weintraub
do Ministério da Educação é uma
festa triste. O convite foi enviado há
muito, mas a celebração tardou. Uma fes-
ta, porque seu afastamento da cadeira que
já foi de Darcy Ribeiro é motivo de come-
moração para todos efetivamente compro-
metidos com esse setor. Triste, pois sua
saída não afasta o olavismo esotérico-auto-
ritário do MEC e não há garantia, nem
mesmo muita esperança, de que seu suces-
sor altere a trilha.
Em 14 meses, o rol de entregas de Wein-
traub é tão limitado como seu domínio do
vernáculo. Até hoje aguarda-se o progra-
ma nacional de alfabetização anunciado

como meta de 100 dias de governo. A ex-
pansão do programa de ensino médio em
tempo integral também segue parada. Na
educação superior, alardeado com pirotec-
nia em agosto de 2019, o Future-se chegou
desidratado e silencioso ao Congresso já
em meio à pandemia. Dentro do próprio
governo, foi apenas tolerado e foi alijado
das negociações sobre o novo Fundeb.
Weintraub também tentou destruir mui-
to: as universidades, a independência dos
entes federativos, a confiança na relevân-
cia e no poder transformador da educação.
Conseguiu menos do que queria, pois en-
controu educadores, instituições e a pró-
pria lei a limitar suas diatribes. Foi incom-
petente para criar e para destruir. A des-
truição é sua ideologia, mas a incompetên-
cia é sua maior marca.

]
DIRETOR DE ESTRATÉGIA POLÍTICA DO
TODOS PELA EDUCAÇÃO

l ‘Transição’

Weintraub revoga incentivo a
cotas na pós

E


ducadores se sentem aliviados em
usar a partir de agora o verbo no pas-
sado ao falar de Abraham Weintraub
no Ministério da Educação (MEC). Ele foi
ministro. E a marca que ele deixou em 1
ano e dois meses está longe de ter qualquer
ligação com ensino, escola, professor. Sa-
be-se de tudo o que Weintraub fez nas re-
des sociais, em ataques primeiro às univer-

sidades e depois ao Supremo, em dispara-
tes quase inacreditáveis que viam um co-
munista em cada sala de aula do Brasil.
Mas Weintraub deixou de fazer muito
também. Weintraub não fez nada para que
o Fundeb, o fundo responsável por finan-
ciar a educação no País e que ajuda princi-
palmente redes mais pobres, pudesse conti-
nuar a existir no ano que vem. Deixou tudo
por conta dos deputados, que se desdobra-
ram antes da pandemia para ter uma pro-
posta e agora penam para que o assunto
volte à pauta com tantas desgraças. Sem
Fundeb, o país pode agora aumentar mais
ainda suas desigualdades em 2021.
Weintraub ignorou secretários de educa-

ção pelo País e fez com que trabalhassem
sozinhos para tentar melhorar o ensino na
escola pública. Deixou até de repassar re-
cursos para programas que já existiam e só
precisavam não ser atrapalhados, como os
de ensino integral, construção de creches e
alfabetização.
O ex-ministro nunca sequer mencionou
a Base Nacional Comum Curricular, docu-
mento inédito aprovado em 2017, que final-
mente ajuda as escolas a entender o que
elas tem que ensinar. Qualquer país com
uma política de educação razoável tem um
documento como esse.
E então veio a pandemia, e Weintraub
também não fez. Não criou qualquer plano

para combate à pandemia que atacou em
cheio a educação brasileira. Não deu qual-
quer orientação sobre como as escolas de-
veriam conduzir o ensino a distância, não
tentou conseguir dados patrocinados para
que os alunos mais pobres pudessem conti-
nuar a estudar em seus celulares, não se
preocupou em formar professores para a
tecnologia essencial nesse momento de au-
las com distanciamento. Não fez nada.
Weintraub sai para o Banco Mundial dei-
xando em seu currículo um programa de
ensino militar que atingiu 0,15% das esco-
las do País. Esse foi seu legado como minis-
tro da Educação. O resto do que é Wein-
traub, todo mundo está cansado de saber.

Não há garantia de


que o sucessor altere


a trilha da destruição


]
ANÁLISE: João Marcelo Borges

SERGIO LIMA / AFP

Por trégua com


STF, Bolsonaro


demite Weintraub


“Eu estou saindo do MEC,
vou começar a transição e
nos próximos dias eu passo
o bastão para o ministro
que vai ficar no meu lugar,
interino ou definitivo. Neste
momento, não quero
discutir os motivos da
minha saída, não cabe.”
Abraham Weintraub
EM VÍDEO PUBLICADO ONTEM

Desgaste. Abraham Weintraub ficou em situação insustentável e perdeu o ministério

Pág. A

]
ANÁLISE: Renata Cafardo

Saída de ministro


é um alívio para


os educadores

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