O Estado de São Paulo (2020-06-19)

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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 19 DE JUNHO DE 2020 Política A


Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA


Por 10 a 1, o Supremo Tribu-
nal Federal (STF) decidiu on-
tem dar aval à continuidade
das investigações do inquéri-
to que apura ameaças, ofen-
sas e fake news disparadas
contra integrantes da Corte e
seus familiares. Na prática, o
entendimento do Supremo
abre caminho para que as pro-
vas coletadas sejam comparti-
lhadas com o Tribunal Supe-
rior Eleitoral (TSE), “turbi-
nando” ações que podem le-
var à cassação do presidente
Jair Bolsonaro e do seu vice,
Hamilton Mourão.

O inquérito das fake news já
fechou o cerco contra o chama-
do “gabinete do ódio”, grupo de
assessores do Palácio do Planal-
to comandado pelo vereador
Carlos Bolsonaro (Republica-
nos-RJ), filho do presidente da
República. Em setembro do
ano passado, o Estadão publi-
cou a primeira reportagem so-
bre a articulação do grupo.
Ainda tramitam no TSE oito
ações contra a campanha de
Bolsonaro e Mourão, das quais
quatro – consideradas mais de-
licadas – tratam de disparo de
mensagens em massa pelo
WhatsApp. Segundo o Esta-


dão apurou, ministros do TSE
avaliam que as provas coletadas
até aqui nessas ações não são
suficientes para cassar o manda-
to do presidente. No entanto,
integrantes da Corte Eleitoral
avaliam que o compartilhamen-
to de informações pode dar um
novo fôlego às investigações, se
as provas coletadas pelo Supre-
mo forem robustas.
O relator do inquérito das fake
news, ministro Alexandre de Mo-
raes, ainda analisará o pedido de
compartilhamento feito pelo re-
lator das ações no TSE que mi-
ram a chapa Bolsonaro/Mourão,
ministro Og Fernandes.
Por decisão de Moraes, em-
presários bolsonaristas tive-
ram quebrado o sigilo bancário
e fiscal no período de julho de
2018 e abril de 2020, alcançan-
do, portanto, o período da últi-
ma eleição presidencial. O mi-
nistro já apontou indícios de
que um grupo de empresários
atua de maneira velada finan-
ciando recursos para a dissemi-
nação de fake news e conteúdo
de ódio contra integrantes do
STF e outras instituições.

Mecanismo. O julgamento no
STF sobre a validade do inquéri-
to das fake news foi concluído
ontem. Ao votar pelo prossegui-

mento da apuração, o decano
da Corte, ministro Celso de Mel-
lo, observou que os resultados
obtidos ao longo das investiga-
ções revelaram a existência de
“aparato criminoso, uma
máquina de fake news”, que
contaria com apoio de diversos

núcleos, “um deles financeiro”.
“Há um núcleo decisório, po-
lítico, financeiro e técnico-ope-
racional, à semelhança das orga-
nizações criminosas, ofenden-
do com propósito vil, crimino-
so”, afirmou Celso de Mello.
“Torna-se necessário deter es-
ses agentes anônimos, indepen-
dentemente de suas posições
na República. Regimes sensí-
veis a tentações autoritárias con-
vivem bem, muito bem, com
práticas de intolerância e de des-
respeito aos que a ele se opõem,
revelando com tal comporta-
mento perfil incompatível com
o Estado democrático de direi-
to, muitas vezes chegando até
mesmo a estimular manifesta-
ções populares e mensagens
que absurdamente qualificam

como inimigos aqueles que legi-
timamente exercem o direito
constitucional de oposição”.
Ao dar o nono voto a favor do
prosseguimento do inquérito,
Mello acrescentou: “Fake
news, muitas emanadas de um
suposto ‘gabinete do ódio’, com
ofensas às instituições demo-
cráticas, não merecem a digni-
dade da proteção constitucio-
nal que assegura a liberdade do
pensamento”.

Meio e fim. Responsável pelo
ato unilateral que criou o in-
quérito das fake news, o presi-
dente do STF, Dias Toffoli, afir-
mou que a banalização do ódio
advindo das fake news “é um
fungo, que cresce e se espalha a
partir de si mesmo”, que tem

como meta “multiplicar o
caos”. Ele acrescentou: “A ins-
tauração deste inquérito se im-
pôs e se impõe não porque o
queremos, mas porque não po-
demos banalizar ataques e
ameaças a este Supremo Tribu-
nal Federal”.
O único voto contra o prosse-
guimento do inquérito das fake
news veio do ministro Marco
Aurélio Mello, que o conside-
rou “natimorto”, por ter sido
aberto por iniciativa do próprio
STF, à revelia da Procuradoria-
Geral da República. “No direi-
to, o meio justifica o fim, jamais
o fim justifica o meio. O Judiciá-
rio é um órgão inerte, há de ser
provocado para poder atuar. To-
da concentração de poder é per-
niciosa”, criticou o ministro.

l ‘Aparato’

Investigação, aberta por decisão individual


de Dias Toffoli, é mantida por 10 votos a 1


ROSINEI COUTINHO-STF-18/6/2020)

Inquérito


sobre fake


news ganha


aval do STF


“Há um núcleo decisório,
político, financeiro e
técnico-operacional,
à semelhança das
organizações criminosas,
ofendendo com propósito
vil, criminoso.”
Celso de Mello
MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL

Defesa. Ao votar, Dias Toffoli disse que inquérito sobre fake news serve para proteger tribunal de ataques e ameaças
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