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A14 SEXTA-FEIRA, 19 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
REVELAÇÕES DOS
BASTIDORES DA
CASA BRANCA
Internacional
Em livro, John Bolton escreve que Trump
acreditava que a Venezuela era ‘parte dos EUA’
WASHINGTON
U
m presidente desin-
formado. Esse é o re-
trato que surgiu on-
tem de novos detalhes do li-
vro de John Bolton sobre os
bastidores da Casa Branca,
que será lançado na terça-fei-
ra nos EUA. O Departamento
de Justiça entrou com ação
para impedir as vendas, mas
analistas dizem que dificil-
mente a obra será censurada.
O presidente, segundo seu
ex-conselheiro de Segurança
Nacional, insistia que a Vene-
zuela era “de fato parte dos
EUA” e acreditava que seria
“bacana” invadir o país. “Du-
rante reunião no Pentágono,
em março de 2019, Trump
deu uma bronca no comando
militar, questionando por que
os EUA mantinham tropas no
Afeganistão e no Iraque, mas
não na Venezuela”, escreveu
Bolton, segundo trechos divul-
gados ontem.
Outra revelação foi a decisão
de apoiar a prisão de uigures –
minoria muçulmana da China –
em campos de concentração na
Província de Xinjiang. Em ju-
nho de 2019, durante conversa
com o presidente chinês, Xi Jin-
ping, no Japão, Trump disse
que os campos “eram a coisa cer-
ta a se fazer”. Curiosamente, a
revelação foi feita no dia em que
o americano assinou uma lei pu-
nindo funcionários públicos
chineses suspeitos de abusos
contra minorias na China.
Em seu livro, Bolton descreve
um Trump obcecado por triviali-
dades. Em 2018, quando a apro-
ximação com a Coreia do Norte
fracassava, a maior preocupa-
ção do presidente era dar ao lí-
der norte-coreano, Kim Jong-
un, um CD com a música Rocket
Man , assinado por Elton John,
em referência ao apelido de que
ele colocou em Kim.
O livro The Room Where It Hap-
pened (“A Sala Onde Tudo Acon-
teceu”, em tradução livre) con-
seguiu uma proeza: ao revelar os
bastidores do governo irritou de-
mocratas e republicanos. Os
aliados de Trump criticaram
Bolton, chamando o ex-con-
selheiro de “mentiroso” e ga-
rantindo que ele expôs dados
confidenciais. Peter Navar-
ro, assessor comercial da Ca-
sa Branca, disse ontem que o
livro era uma “vingança por-
nográfica”. Já a oposição re-
clama que as revelações deve-
riam ter sido feitas no ano
passado, durante o processo
de impeachment, do qual o
presidente acabou absolvi-
do. / NYT e WP
PANDEMIA DO CORONAVÍRUS
Operação liberta brasileiro
sequestrado na Colômbia
LIMA
Com mais de 240 mil casos de
covid-19 confirmados, o Peru
já passou a Itália em número
de infectados – é o sétimo país
no ranking com mais contami-
nados no mundo. Enquanto o
vírus avança e a economia des-
ce ladeira, os peruanos fazem
malabarismo para obter a
commodity mais importante
da pandemia: oxigênio – que
pode ser encontrado no mer-
cado negro com um ágio de
até 1.000%.
Quando Mario Solís Rodrí-
guez precisou de oxigênio, sua
mãe não teve escolha. Os hospi-
tais públicos estavam sobrecar-
regados e a linha direta do go-
verno não respondia a suas cha-
madas. Então, Denisse Rodrí-
guez foi ao mercado negro. Vas-
culhando o Facebook, a dona
de casa de 48 anos encontrou
um fornecedor informal ofere-
cendo um tanque por 4.500 sóis
- US$ 1,3 mil. O oxigênio era de
qualidade duvidosa. O preço
era 1.000% mais caro que o nor-
mal, valor quase inviável para
família – o marido de Rodríguez
ganha menos de US$ 50 por dia
dirigindo um mototáxi em Li-
ma.
Denisse pegou o dinheiro em-
prestado com parentes e ami-
gos. “O que mais deveríamos fa-
zer?”, perguntou. “Sem oxigê-
nio, meu filho não consegue pas-
sar a noite. Mesmo se o levas-
sem ao hospital, ele morreria.
Não sei como pagaremos a dívi-
da.”
A situação se tornou comum
no Peru. Mesmo antes da pande-
mia, o sistema de saúde já não
dava conta de atender às neces-
sidades dos 31 milhões de cida-
dãos após décadas de falta de
investimentos. Por ano, o gover-
no gasta menos de US$ 700 em
assistência médica por pessoa –
uma das taxas mais baixas em
proporção ao PIB na América
Latina.
O surto encorajou ainda mais
o exército de falsificadores que
inundam o mercado com más-
caras e medicamentos falsos ou
de baixa qualidade para tratar a
covid-19. Quando a reportagem
do Washington Post entrou em
contato com o vendedor de oxi-
gênio de Lima, ele confirmou
que vendia tanques de 8 metros
cúbicos por US$ 1,3 mil, mas se
recusou a dizer a origem do pro-
duto.
Em nenhum lugar do mundo
a diferença entre esperança e
realidade foi mais devastadora
durante o surto de coronavírus
do que no suprimento de oxigê-
nio do Peru. A falta de peças e
manutenção deixou os siste-
mas de oxigênio de vários hospi-
tais fora de serviço. As autorida-
des ainda tentam aplicar uma
multa de US$ 6,9 milhões por
suposta fixação de preços, im-
posta em 2013, a duas empresas
que controlam o fornecimento.
O ministro da Saúde, Víctor
Zamora, diz que o Peru enfren-
ta um déficit diário de 180 tone-
ladas de oxigênio. Ele apresen-
tou um pacote de US$ 28 mi-
lhões para importar o produto e
construir novas fábricas, e está
pedindo ao Congresso que cri-
minalize o acúmulo e a especu-
lação feita com suprimentos
médicos.
“Até que isso aconteça, não
temos como intervir”, disse Za-
mora. “A única ferramenta que
temos é nosso poder de com-
pra. Somente quando comprar-
mos mais e nos tornarmos mais
eficazes na distribuição é que
vamos reduzir essa prática.”
A resposta do presidente Mar-
tín Vizcarra ao surto lhe rendeu
elogios. O número de casos con-
firmados, que na América do
Sul perde apenas para o Brasil,
um país muito maior, é visto co-
mo um reflexo de uma estraté-
gia de teste bem-sucedida. Qua-
se 1,4 milhão de peruanos fo-
ram testados, aproximadamen-
te 4,5% da população, uma pro-
porção muito maior do que na
maioria dos países da região.
Mas a pobreza, a corrupção, a
ineficiência e a informalidade
agravaram a crise. A maioria
dos analistas concorda que o nú-
mero oficial de mortes, de
7.257, é uma estimativa otimis-
ta da realidade. Com 4 mil no-
vos casos em média por dia, as
autoridades dizem que o pico
da pandemia passou e começa-
ram a reabrir a economia. Mas,
para Denisse e sua família, a bus-
ca diária por oxigênio continua.
Solís, um trabalhador de 29
anos de uma companhia de na-
vegação, ficou doente em maio
e está convalescendo na casa lo-
tada que divide com mãe, pa-
drasto e outros oito parentes
no bairro de Comas, em Lima.
Com o tempo, a família pas-
sou a comprar oxigênio da em-
presa de um ex-marinheiro,
Luis Barsallo, que não aumen-
tou seus preços. Ele chama seus
concorrentes de “sicários” – as-
sassinos de aluguel.
Recarregar o tanque se tor-
nou a tarefa do dia. O padrasto
de Solís, César García, faz fila
do lado de fora do depósito de
Barsallo às 4 horas da manhã to-
dos os dias. Por volta das 9 ho-
ras, outro parente leva o tanque
vazio para García, que continua
esperando sua vez de reabaste-
cer, o que acontece às 16 horas.
O reabastecimento custa US$
- Depois, ele se mete em um
táxi de volta para casa, onde So-
lís luta a cada respiração. A famí-
lia espera que o oxigênio dure
pelo menos mais 24 horas. / WP
BOGOTÁ
O Exército da Colômbia anun-
ciou ontem a libertação de um
brasileiro e um suíço que ti-
nham sido sequestrados havia
três meses por guerrilheiros
que não aderiram ao acordo de
paz. José Ivan Albuquerque e
Daniel Guggenheim foram res-
gatados durante operação mili-
tar no Departamento de Cauca,
uma das áreas mais atingidas pe-
la violência do narcotráfico.
O governo brasileiro emitiu
uma nota na qual afirma ter re-
cebido com satisfação a liberta-
ção do brasileiro. “Ao agradecer
os esforços das autoridades co-
lombianas, o Brasil parabeniza
as forças policiais e militares pe-
la operação”, afirma a notado
Itamaraty.
Os dois homens caíram nas
mãos da Coluna Móvel Dago-
berto Ramos em 16 de março,
informou o grupo de resgate do
Exército, conhecido como Gau-
la. Os sequestradores são parte
das dissidências das Farc, que
entregou suas armas em 2016,
depois de mais de meio século
de conflito – muitos, no entan-
to, decidiram continuar a luta
armada e usam receitas do cri-
me para financiar a insurgên-
cia. “Os militares capturaram
em flagrante um dos captores
que tinha como função a custó-
dia dos reféns”, acrescentou o
Gaula.
Os dois foram sequestrados
durante viagem turística no lito-
ral do Pacífico. Durante o cati-
veiro, foram transferidos várias
vezes de local. Os sequestrado-
res pediram um resgate de US$
266 mil, até aceitarem libertá-
los por US$ 1.300.
Guggenheim e Albuquerque
foram levados junto com seus
animais de estimação – dois
cães da raça Pomerânia – para
uma propriedade rural, de onde
foram resgatados em meio ao
período de confinamento pro-
vocado pela pandemia de coro-
navírus. / AFP
No Peru, pacientes pagam 1.000% a
mais por oxigênio no mercado negro
l Desespero
José Ivan Albuquerque
e o suíço Daniel
Guggenheim haviam
sido levados por
guerrilheiros em março
Escassez.
Enfermeira
com
oxigênio
em hospital
de Lima
Com hospitais sucateados e produção interna insuficiente, peruanos arriscam a vida em busca de uma das commodities mais importantes
na pandemia; tanque de 8 metros cúbicos pode custar até US$ 1,3 mil nas mãos de produtor informal, sem garantia de origem ou qualidade
SEBASTIAN CASTANEDA / REUTERS
“Sem o oxigênio, meu filho
não consegue passar a
noite. O que mais
deveríamos fazer?”
Denisse Rodríguez
MÃE DE SOLÍS RODRÍGUEZ, QUE
LUTA CONTRA A COVID-19 EM LIMA
BRENDAN SMIALOWSKI / AFP
Novo livro. John Bolton (E) e Trump: em lados opostos
Ex-conselheiro