O Estado de São Paulo (2020-06-19)

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A18 SEXTA-FEIRA, 19 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Esportes


Luci Ribeiro / BRASÍLIA


O presidente Jair Bolsonaro edi-
tou Medida Provisória
984/2020 que flexibiliza contra-
tos dos clubes com os jogadores
de futebol durante a pandemia
do novo coronavírus no País. O
texto permite aos times firmar
acordos de trabalho de 30 dias
com os atletas. Pela Lei Pelé, o
vínculo mínimo permitido é de
90 dias. A nova regra vale até 31
de dezembro deste ano. A MP
também dá ao time mandante o


poder de negociar os direitos de
uma partida, como os de trans-
missão de TV.
O texto foi publicado em edi-
ção extra do Diário Oficial da
União (DOU) de ontem, um dia
depois de a Câmara aprovar pro-
jeto de lei voltado para o setor e
que suspende, no decorrer da
pandemia da covid-19, os paga-
mentos das parcelas devidas pe-
los times ao Programa de Mo-
dernização da Gestão e de Res-
ponsabilidade Fiscal do Fute-
bol Brasileiro (Profut).
A MP estabelece ainda que “per-
tence à entidade de prática des-
portiva mandante o direito de are-
na sobre o espetáculo desportivo,
consistente na prerrogativa exclu-
siva de negociar, autorizar ou proi-
bir a captação, fixação, emissão,
transmissão, retransmissão ou re-

produção de imagens, por qual-
quer meio ou processo, do espetá-
culo desportivo”.
Isso tira o direito de TV dos
dois times envolvidos com o jo-
go e passa apenas a um deles, o
dono da casa. Agora, somente o
mandante tem direito a voto na
negociação com a TV, por exem-
plo. Em maio, o Flamengo este-
ve com Bolsonaro em Brasília e
o assunto foi tratado.
No Campeonato Carioca des-
te ano – que voltou a ser disputa-
do ontem com a partida entre
Bangu e Flamengo –, o clube ru-
bro-negro foi o único dos 12 par-
ticipantes a não assinar contra-
to de transmissão com a Rede
Globo, de modo que seus jogos
não vinham sendo mostrados.
A MP daria à Globo o direito
de transmitir a partida de on-

tem, pois o mando era do Ban-
gu. Mas a emissora entende que
os contratos já assinados têm
de ser respeitados.
“A Globo vem esclarecer que
a nova legislação, ainda que seja
aprovada pelo Congresso Na-
cional, não modifica contratos
já assinados, que são negócios
jurídicos perfeitos, protegidos
pela Constituição Federal. Por
essa razão, a nova Medida Provi-
sória não afeta as competições
cujos direitos já foram cedidos
pelos clubes, seja para as tempo-
radas atuais ou futuras”, infor-
ma a emissora sobre a MP 984,
por nota. “A Globo continuará a
transmitir regularmente os jo-
gos dos campeonatos que adqui-
riu, de acordo com os contratos
celebrados, e está pronta para
tomar medidas legais contra

qualquer tentativa de violação
de seus direitos adquiridos.”
A Medida Provisória assinada
por Bolsonaro diz que, na hipó-
tese de eventos desportivos
sem definição do mando de jo-
go a captação, a fixação, a emis-
são, a transmissão, a retransmis-
são ou a reprodução de ima-
gens, por qualquer meio ou pro-
cesso, dependerá da anuência
de ambas as entidades de práti-
ca desportiva participantes.

Não ficou claro se os times po-
derão oferecer os direitos de
TV para outras emissoras.

Mudanças. A MP também alte-
ra trechos da Lei Pelé e do Esta-
tuto de Defesa do Torcedor. O
texto determina que “serão dis-
tribuídos, em partes iguais, aos
atletas profissionais participan-
tes do espetáculo, 5% da receita
proveniente da exploração de
direitos desportivos audiovi-
suais, como pagamento de natu-
reza civil, exceto se houver dis-
posição em contrário constan-
te de convenção coletiva de tra-
balho”.
A alteração do tempo míni-
mo de contrato de 90 para 30
dias tem o objetivo de socorrer
os times pequenos. Com a para-
lisação, muitos não têm nem ti-
me para colocar em campo na
volta dos Estaduais, pois os con-
tratos que tinham com os atle-
tas venceram no início de maio.

João Prata

O diretor de futebol Rui Cos-
ta foi um dos responsáveis pe-
la reconstrução da Chape-
coense após o trágico aciden-
te de avião em 2016. Em meio
ao luto pela morte de 71 pes-
soas, em 25 dias o dirigente
montou um elenco pratica-
mente do zero com capacida-
de para erguer o troféu do
Campeonato Catarinense
do ano seguinte e terminar
na honrosa oitava colocação
do Campeonato Brasileiro.
Rui Costa é o terceiro en-

trevistado do Estadão da série
sobre a retomada financeira
dos clubes após a pandemia da
covid-19. Atualmente, o diri-
gente está desempregado. Seu
último trabalho teve duração
de dez meses no Atlético-MG.
Na conversa sobre os novos
caminhos do futebol, ele conta
como a experiência no clube
catarinense pode servir de fa-
rol para as equipes evitarem a
crise. Aponta também a trans-
formação dos times em empre-
sa como uma solução para fi-
nanciar dívidas e atrair investi-
dores. E fala de ajuda mútua.

lO que os clubes podem fazer
neste momento para evitar uma
crise financeira?
Não quero ser mal interpreta-
do, mas é a oportunidade de os
clubes serem muito transpa-
rentes com seus torcedores. In-
felizmente alguns clubes vão
ter de admitir que não disputa-
rão títulos, mas lutarão por
sua reconstrução, essa é a pala-
vra. O momento seria para
muitos chegarem ao torcedor
e avisar: “A gente vai pagar a
conta”. Isso afeta o nível de po-
pularidade de um dirigente es-
tatutário, claro, mas será neces-
sário essa coragem.

lComo ser sincero assim sem
desestimular o torcedor?
Quem não for profissional vai
sucumbir rapidamente. Será
necessário um diretor de
marketing extraordinário, um
CEO extraordinário, um cara
para desenvolver novos con-
teúdos... O executivo de fute-
bol terá de ser capacitado para
ser muito transparente com os

atletas. Vai ter de saber expli-
car, por exemplo, por que o clu-
be está contratando com redu-
ção de salário. Terá de ter um
bom profissional para esclare-
cer essas coisas. Isso demanda
credibilidade e lealdade.

lAcha que os clubes vão conse-
guir contratar?
As relações humanas serão pre-
ponderantes. Vai precisar ter
muita conversa com os agen-
tes, com os jogadores e com o
mercado. O mercado vai viver
de troca. Esse mercado de tro-
ca vai ser muito aquecido. Vai
ser um processo de reconstru-
ção de conceito de gestão.

lAs vendas para o exterior
também devem diminuir.
Os clubes vivem da ven-

da dos direitos de transmissão
e de atletas. O mercado euro-
peu, que é o grande compra-
dor, vai pagar menos pelos nos-
sos produtos. Isso é inegável.
Na ordem de 30% a 40%.

lVocê acredita que esse cenário
abre ainda mais o caminho para
muitos clubes virarem empresa?
Se pensar que 39% do endivida-
mento dos clubes é fiscal e,
portanto, os outros tantos são
dívidas de médio e longo pra-
zo, a opção por transformar o
clube em sociedade, separar o
estatutário e possibilitar am-
pla renegociação da
dívida fiscal e fazer
recuperação judicial
das dívidas não tri-
butárias é o melhor
dos mundos. Há clu-
be com dívida
de R$ 600,
R$ 700, R$
800 mi-
lhões. São
impagá-
veis.

lDe que forma a experiência
que você teve na Chapecoen-
se te ajuda a enxergar o fute-
bol na pandemia?
Sempre tomo cuidado ao to-
car no assunto porque o fa-
to gerador de tudo toca mui-
to as pessoas. Respeitada a
tragédia e como foi devasta-
dora em um clube emergen-
te, que tinha orçamento li-
mitado. De uma hora para
outra aquilo terminou. Foi
para mim experiência única
em vivência de adversidade.
Sem fazer comparação, por-
que não há nada mais adver-
so do que aconteceu com a
Chapecoense. Somente dois
jogadores sobreviveram e
em 25 dias tinha de colocar
um time em campo. Nin-
guém vai passar por isso. Es-
se episódio me mostrou que
no futebol, quando há clare-
za de propósito, autonomia,
respeito às questões orça-
mentárias e competência
funcional, é possível supe-
rar qualquer crise.

Marcio Dolzan / RIO


Enquanto 258 pessoas conva-
lesciam pela covid-19 no hos-
pital de campanha do Maraca-
nã, a poucos metros de lá a bo-
la voltou a rolar pelo Campeo-
nato Carioca. Na noite desta
quinta-feira, dois dias depois
de completar 70 anos, o mais
icônico estádio do País não te-
ve um único torcedor em
seus 78 mil assentos para as-
sistir Flamengo x Bangu. No
campo, com jogadores se
comportando, não cuspindo
no gramado e com a comemo-
ração de gols comedida – em-
bora Bruno Henrique tenha
abraçado companheiros ao
fazer o seu –, o jogo acabou 3 a
0 para o rubro-negro.

A primeira partida oficial em
solo brasileiro desde o início da
pandemia só foi confirmada na
terça-feira e sob a promessa do
cumprimento de uma série de
medidas de segurança, mas
nem todas foram seguidas ao pé
da letra, incluindo a que tem ser-
vido de mantra aos que defen-
dem o retorno do futebol: a de
que todos os envolvidos com a
partida passariam por testes pa-
ra detecção de infecção por co-
ronavírus.
O problema é que nenhum la-
boratório do Rio conseguiria en-
tregar o resultado do exame
mais seguro a tempo da partida.
Com isso, restou a alguns o uso


dos testes rápidos, cuja eficácia
é incerta em quem não apresen-
ta nenhum sintoma.
Outras medidas foram de fa-
to cumpridas. Na entrada do es-
tádio, jornalistas tiveram que
passar por uma cabine de desin-
fecção para roupas e equipa-
mentos e receberam máscaras

e álcool em gel, que também fi-
cou disponível no acesso às tri-
bunas. Funcionários da limpe-
za podiam ser vistos a todo mo-
mento fazendo a desinfecção
de corrimãos. Junto ao grama-
do, bolas que saíam pelas late-
rais durante o jogo eram higieni-
zadas pelos gandulas.

Com as arquibancadas va-
zias, o distanciamento social
foi fácil de controlar. Estafe de
Flamengo, Bangu e funcioná-
rios da Federação de Futebol do
Rio (Ferj), além de jornalistas,
mantiveram afastamento de pe-
lo menos um metro.
No reservado, nenhum atleta

pôde se sentar junto a outro, e
todos utilizaram máscaras. Elas
foram retiradas, contudo, quan-
do eles foram aquecer atrás da
meta durante o segundo tempo
da partida.
Os técnicos dos dois times,
por sua vez, não usaram a prote-
ção em nenhum momento.

Entre os jogadores, claro, o
contato foi inevitável. E isso
aconteceu mesmo nas vezes em
que se tentou ter precaução.
Quando Arrascaeta marcou 1 a
0, em chute da entrada da área,
a comemoração com os colegas
foi contida e sem abraços, dan-
do lugar ao tradicional toque de
cotovelos. Alguns cumprimen-
taram o autor do gol com um
toque de mãos fechadas.
Já Bruno Henrique pareceu
mais à vontade. Ao marcar 2 a 0
na etapa final, ele abraçou dois
companheiros no fundo de cam-
po com a mesma naturalidade
dos tempos pré-pandemia. Pe-
dro Rocha fez o terceiro. O ato,
temerário e que não deveria
acontecer, serviu ao menos pa-
ra diminuir a melancolia de um
Maracanã de arquibancadas va-
zias e que mais parecia um cen-
tro de treinamento.
Do lado de fora do estádio
também não pareceu noite de
jogo. A movimentação, peque-
na, foi apenas de pessoas que
aproveitaram o calçadão do en-
torno para a prática de exercí-
cios. O policiamento parecia o
de um dia como qualquer outro
da semana.
A diferença só foi notada an-
tes do início da partida, quando
um grupo de 15 torcedores dos
quatro grandes clubes do Rio es-
tendeu faixas contra o presiden-
te Jair Bolsonaro. A manifesta-
ção durou poucos minutos.

ENCOLHIMENTO

]Os muros da sede social do Corin-
thians, no Parque São Jorge, foram
pichados na noite da última quarta-
feira, com palavras de ordem contrá-

rias ao presidente Andrés Sanchez.
Dentre as pichações, constam provo-
cações e pedidos de impeachment.
Foram escritas ofensas e ameaças
como “pilantra”, “Andrés ladrão”,
“vai morrer” e “transparência ou mor-
te”. O clube terá eleição neste ano.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


MP altera direitos de TV e permite contrato de 30 dias


Texto assinado por


Bolsonaro flexibiliza


contrato dos atletas e


dá ao mandante do jogo


poder sobre transmissão


Rui Costa.
Novo futebol
vai exigir
dirigentes
autênticos

CHAPE É EXEMPLO


PARA O PÓS-PANDEMIA


BRUNO CANTINI/ATLETICO MG-6/8/

Carioca. No retorno do futebol, jogadores seguiram as normas de segurança, mas Bruno Henrique se empolgou a marcar nos 3 a 0 do Fla


Melancolia. Flamengo e Bangu fizeram um jogo morno na volta do futebol no País, mas jogadores seguiram as regras

CORINTHIANS TEM OS
MUROS DA SEDE PICHADOS

REPRODUÇÃO/TWITTER

Rui Costa, diretor de futebol

90 dias
era o tempo mínimo de contrato
de acordo com a Lei Pelé

Executivo entende que modo como os catarinenses
reconstruíram o time pode servir como parâmetro

ENTREVISTA | A retomada econômica do futebol – Capítulo 3

Volta tem máscaras e abraços tímidos


WILTON JUNIOR/ESTADÃO
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