O Estado de São Paulo (2020-06-19)

(Antfer) #1

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B4 Economia SEXTA-FEIRA, 19 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ELENA


LANDAU


T


endo esgotado minha biblio-
teca de séries durante a qua-
rentena, revi a 7.ª temporada
de Homeland e para engatar na 8.ª e
última. Fiz as pazes com Carrie, a
heroína. Seu transtorno bipolar co-
move e irrita ao mesmo tempo. Lem-
brei de meu pai. Eu estava acostuma-
da com seu lado deprimido. Os epi-
sódios de euforia apareceram só
mais tarde na sua vida. Com eles, a
onipotência e o desperdício de di-
nheiro, dívidas e generosidade ex-
cessiva. E ele sem controle sobre is-
so.
É muito difícil para os filhos limi-
tar o poder de decisão de seus pró-
prios pais. Referências de nossas vi-
das, fortes, porto seguro de nossas
aflições, se tornam frágeis. Mas, se
na velhice perdem controle de seus
atos, podendo causar danos a si mes-
mos, não há opção. Meu pai lutou
muito contra todo tipo de vigilância

sobre ele, os remédios e o dinheiro.
Não foi fácil para ele, nem para nós.
Nessa temporada da série, a presi-
dente dos EUA é afastada com base na
25.ª emenda. Adotada em 1967, ela tra-
ta de casos de inabilitação para o cum-
primento de funções constitucionais e
define regras para sua substituição.
Em um episódio maníaco e tirânico, a
ameaça aos seus colaboradores mais
próximos dá base para que seu vice e a
maioria do gabinete a retirem do co-
mando do país.
Impossível não pensar no Brasil. Se
bem que nosso ministério não é lá mui-
to são. Há muito se alega que o caso de
Bolsonaro talvez seja de interdição.
No Brasil há regras para o processo de
impedimento. Crimes de responsabili-
dade dão base ao pedido. Já vivemos
dois deles na nossa, ainda curta, expe-
riência democrática. Mas não há a pre-
visão de afastamento por incapacida-
de, seja física ou psíquica. Questões do

corpo, que tiraram Rodrigues Alves e
Costa e Silva da presidência, são mais
fáceis de lidar do que tormentas da al-
ma.
A bipolaridade de Bolsonaro não pa-
rece involuntária. Ele segue no seu jo-
go de morde e assopra, idas e vindas,
testando os limites institucionais. O
STF tem barrado seus arroubos, en-
quanto o Congresso emite notas de re-
púdio. Ele não esconde seu inconfor-
mismo com o sistema de freios e con-
trapesos da democracia constitucio-
nal. A tese de autogolpe continua for-
te. A história mostra que não é preciso
um levante da noite para o dia para
estabelecer uma ditadura. Bastam mi-
crogolpes cotidianos, contra a liberda-
de de expressão e a mídia, atacando os
demais poderes, militarizando o gover-
no, fortalecendo milícias civis.
Não adianta subestimar Bolsonaro
tratando-o como um menino maluqui-
nho. Já está claro que ele tem método
na loucura. Por isso, mudou a estraté-
gia quando percebeu a perda de apoio
de antigos eleitores e o crescimento de
movimentos com #ForaBolsonaro.
Abraçou o Centrão e resolveu apelar
para o social. Uma guinada de 180
graus bem organizada.
Não por acaso, Guedes começou a
pensar nos pobres. Chegou até a falar
em Estado Social, levando ao desespe-

ro seus fiéis seguidores libertários. Pa-
ra quem achava que empregada não po-
dia ir a Miami, que R$ 5 bilhões resol-
viam a gripezinha, que R$ 200 são sufi-
cientes como auxílio emergencial e
que fazer quarentena é curtir a vida
boa, a transformação é notável. Ele ain-
da nos promete um futuro brilhante
para este novo Brasil que se iniciará em
poucos meses.
Tudo bem pensado para ganhar
apoio da classe de renda mais baixa.
Para isso é preciso alcançar os “invisí-
veis”. Essa grande parcela da popula-
ção que ficou fora do auxílio emergen-
cial. Segundo o ministro da Economia
“eles são os taxistas, faxineiras e ambu-
lantes. Os que nunca pediram nada,
nunca precisaram do governo”.
Invisível para quem, cara pálida? Es-
tão em todos os cantos, para quem qui-
ser ver. Nas esquinas, nos sinais, dor-
mindo nas calçadas. São muito mais
que os trabalhadores informais. Nun-
ca receberam nada do Estado. E não
deveriam ter que pedir. E quem disse
que não precisaram do governo?
A pandemia tornou impossível igno-
rá-los. A foto de um menino pobre,
sem camisa, descalço pisando no esgo-
to, mas usando uma máscara amarela é
a imagem do surrealismo de uma situa-
ção que a crise escancarou.
O Estado deveria suprir, ou criar con-

dições para o setor privado ofere-
cer, saneamento, habitação popular
e transporte público dignos, educa-
ção e saúde. Cansados de esperar,
desistiram até de pedir. A indiferen-
ça de governantes em todos os ní-
veis é que os torna invisíveis aos
olhos do Estado.
Guedes nos pede para ajudar a in-
formar ao invisível sobre o pagamen-
to do auxílio, o governo quer ajudar.
Basta baixar o aplicativo no smartp-
hone, que ele talvez nem tenha.
Qualquer dúvida, podem perguntar
para Alexa, sugeriu seu secretário
de desestatização. Seria cômico se
não fosse trágico.
Esse pessoal vive em uma realida-
de paralela. Em breve, vamos conta-
bilizar um Maracanã de mortos pela
covid-19. A sensação de impotência
é grande. Queria uma 25.ª emenda
no Brasil. Quem sabe um Dr. Willis
pudesse ajudar a formar o diagnósti-
co. Ele foi o psiquiatra de Maria I e
de Jorge III.
Em tempo: A indicação de Wein-
traub para o Banco Mundial deve
ser parte da estratégia do ministro
Ernesto Araújo para desmoralizar
as instituições globalistas.

]
ECONOMISTA E ADVOGADA

Maria, Jorge e Jair


E-MAIL: [email protected]
ELENA LANDAU ESCREVE QUINZENALMENTE

Atividade econômica


volta ao nível de 2006


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Fabrício de Castro / BRASÍLIA


A crise provocada pela pande-
mia do novo coronavírus fez
o nível da atividade econômi-
ca no Brasil recuar 14 anos.

Dados divulgados ontem pe-


lo Banco Central mostram que
seu Índice de Atividade (IBC-
Br) fechou abril em 118,30 pon-
tos, já considerando os ajustes
sazonais. Este é o menor nível
mensal para a atividade desde
outubro de 2006, quando o indi-

cador estava em 117,99 pontos.
Em relação a março, a queda do
IBC-Br foi de 9,73% – o maior
recuo mensal da série histórica,
iniciada em janeiro de 2003.
Considerando apenas dois
meses de crise – março e abril,

quando o isolamento social já
estava em curso, a atividade eco-
nômica despencou 15,29%.
Conhecido como uma es-
pécie de “prévia do BC para o
PIB”, o IBC-Br serve como parâ-
metro para avaliar o ritmo da
economia ao longo dos meses.
A projeção atual do BC para a
atividade em 2020 está defasa-
da, segundo admite a própria
instituição. No dia 25 de junho,
o BC divulgará uma nova esti-
mativa por meio do Relatório
Trimestral de Inflação (RTI).
O Ministério da Economia já
trabalha com uma retração de
4,7% do PIB. No mercado finan-
ceiro, a retração projetada por
algumas instituições já chega à
casa dos dois dígitos.

Endividamento das famílias bate recorde, diz CNC. Pág. B5 }


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● 'Prévia do PIB' do BC mostra que pandemia derrubou atividade

DERROCADA

IBC-Br*
EM PONTOS

*ÍNDICE DE ATIVIDADE DO BANCO CENTRAL JÁ AJUSTADO AOS EFEITOS SAZONAIS,
O QUE PERMITE A COMPARAÇÃO MENSAL

AGO
2006

JAN
2008

JAN
2010

JAN
2012

JAN
2014

JAN
2016

JAN
2018

ABR
2020

110

130

150

116,6 118,3

9,73%
foi o recuo da
atividade econômica
em abril, conforme o
IBC-Br

FONTE: BANCO CENTRAL INFOGRÁFICO/ESTADÃO

‘Prévia do PIB’ do BC sofreu retração de 9,73% em abril, maior


recuo mensal da série histórica, com pandemia de coronavírus

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