O Estado de São Paulo (2020-06-19)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:B-5:20200619:
O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 19 DE JUNHO DE 2020 Economia B5


Mariana Durão / RIO
Mariana Hallal / SÃO PAULO


A arrumadeira Ione Soares,
de 40 anos, teve o salário re-
duzido em 75% e conta que es-
tá difícil pagar as contas. Ela
aguarda há cerca de um mês o
complemento salarial devido
pelo governo – que ainda não
foi pago. O marido e o filho es-
tão na mesma situação. “A
água está atrasada, a energia
está atrasada, o aluguel está
atrasado...”, enumera.

O drama de Ione é o mesmo
vivido por milhões de brasilei-
ros. Em meio à pandemia da co-
vid-19, o porcentual de famí-
lias com dívidas atingiu em ju-
nho o recorde histórico de
67,1%, segundo a Pesquisa de
Endividamento e Inadimplên-
cia do Consumidor, realizada
pela Confederação Nacional
do Comércio (CNC) desde ja-
neiro de 2010.
Em maio, a proporção de fa-
mílias com dívidas em cheque
pré-datado, cartão de crédito,
cheque especial, carnê de loja,
empréstimo pessoal, prestação
de carro e seguro era de 66,5% e,
em junho de 2019, 64%.
Colega de trabalho de Ione,
Conceição Maria dos Reis, 51
anos, também espera a contra-
partida do governo para pagar a


dívida com o cartão de crédito
que cresce a cada dia. Ela diz
que está difícil conciliar a dimi-
nuição da renda com o aumen-
to dos preços no supermerca-
do. “A gente vê a comida fican-
do cada vez mais cara”, diz.
Com a pandemia, o trabalho
das duas arrumadeiras dimi-
nuiu e a hora extra, comple-
mento importante no salário,
foi cortada. Também é difícil
conseguir algum serviço por
fora. “Ninguém está contratan-
do diarista por causa do ví-
rus”, explica Conceição. Elas
afirmam que, antes da pande-
mia, com o dinheiro do salário
e do trabalho extra, estavam
conseguindo manter as contas
em dia.
Em nota, a CNC afirma que a
renovação da alta do endivida-
mento indica que as famílias es-
tão demandando mais crédito
no sistema bancário, seja para
pagar dívidas e despesas corren-

tes, seja para manter algum ní-
vel de consumo.
O número de famílias com
dívidas ou contas em atraso che-
gou a 25,4% em junho, atingin-
do o maior nível desde dezem-
bro de 2017 e registrando cresci-
mento nas bases mensal (+0,3
ponto porcentual) e anual (+1,8
ponto porcentual).
O total de famílias que decla-
raram não ter condições de pa-
gar suas contas ou dívidas em
atraso e que, portanto, perma-
neceriam inadimplentes che-
gou a 11,6% – patamar mais alto
desde novembro de 2012.

Controle rígido. Cristina Hele-
na Mello, doutora em Econo-
mia e professora da Escola Supe-
rior de Propaganda e Marketing
(ESPM), dá algumas dicas para
não cair no endividamento ou
sair dele. A primeira é consultar
sempre o extrato bancário e do
cartão de crédito para monito-
rar os gastos. “É necessário esta-
belecer um controle somando
os valores gastos no cartão para
não ser surpreendido no próxi-
mo mês”, diz.
Outra recomendação é nego-
ciar as despesas fixas como, por
exemplo, o aluguel. Controlar o
consumo de energia elétrica e
gás encanado também pode fa-
zer diferença no fim do mês.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Cortes.
Ione Soares
teve o
salário
reduzido em
75% e foi
obrigada a
atrasar o
pagamento
de contas

l Comida mais cara

FGV prevê retração de 6,4% para o PIB em 2020. Pág. B6 }


Endividamento


de famílias bate


recorde, diz CNC


Pandemia da covid-19 levou milhões de brasileiros a atrasar os


pagamentos e agora índice de famílias endividadas é de 67%


MARIANA HALLAL/ESTADÃO

“A gente vê a comida
ficando cada vez mais cara.”

“Ninguém está contratando
diarista por causa do vírus.”
Conceição Maria dos Reis
ARRUMADEIRA
Free download pdf