O Estado de São Paulo (2020-06-19)

(Antfer) #1

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H6 Especial SEXTA-FEIRA, 19 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Caderno 2


Sem intervalo


Zachary Small
THE NEW YORK TIMES


Quando o instrutor lhe pediu pa-
ra descrever sua vida em duas pa-
lavras, Walter Enriquez esco-
lheu com cuidado: medo e vio-
lência. Ele passou décadas traba-
lhando como policial no Peru du-
rante os dias mais sangrentos de
conflito armado entre forças do
governo e guerrilheiros que ma-
taram quase 70 mil pessoas. Mas
ele disse que nada poderia tê-lo
preparado para o extremo isola-
mento e solidão que vêm com a
quarentena. Tendo perdido um
punhado de amigos e vizinhos
devido à pandemia do novo coro-
navírus, o aposentado de 75 anos
se voltou para os programas de
arteterapia oferecidos pelo Que-
ens Museum em Nova York para
melhorar sua saúde mental.
“Não podemos sair e aprovei-
tar nossas vidas como antes”,
disse Enriquez. “Mas a arte nos
ajuda a capturar o passado e revi-
ver experiências positivas para
superar a dor e a tristeza.”
Toda quinta-feira, ele espera
pacientemente no computador
pelo início da aula. Por 30 minu-
tos, ele mexe com lápis de cor,
canetas e papéis na mesa dentro
do apartamento de sua filha em
Richmond Hill, Queens. E com
essas ferramentas, ele cria cenas
de sua vida com base em orienta-
ções de seu instrutor: retratos
de sua mãe e amigos; imagens de
Goyaesque que lembram demô-
nios de pesadelos representan-
do doenças que, quando repro-
duzidas no papel, parecem me-
nos ameaçadoras.
Os participantes comparti-
lham suas criações por meio do
Zoom, usando desenhos e poe-
sias (também parte das aulas) pa-
ra discutir a vida antes e depois
da pandemia. Como milhares de
outros nova-iorquinos mais ve-
lhos, Enriquez aprendeu recen-
temente a usar a internet para se
conectar com o mundo exterior.
La Ventanita, uma das iniciati-
vas do museu em resposta à pan-


demia de covid-19, oferece a ele
a chance de socializar com ou-
tros falantes de espanhol por
meio de aulas de arte guiadas so-
bre autoexpressão.
“Antes do programa, eu me
sentia muito sozinho, agora eu
posso aprender a produzir arte”,
disse ele, acrescentando que o
programa fez renascer sua aspira-
ção infantil de se tornar poeta
por meio das instruções sema-
nais que pedem para ele criar poe-
sia com base em sua juventude.
Embora os psicólogos reco-
nheçam há muito tempo os bene-
fícios da arteterapia, que déca-
das de pesquisas científicas suge-
rem que podem melhorar o hu-
mor e reduzir a dor, poucos mu-
seus americanos dedicaram re-
cursos para a criação de progra-
mas com esse enfoque. Mas as
demandas de um público em lu-
to estão agora obrigando institui-
ções culturais em todo o país a
criar iniciativas conscientes do
trauma que colocam suas cole-
ções de arte e educadores na van-
guarda de uma crise de saúde
mental criada pela pandemia e
pelos protestos mundiais contra
a brutalidade policial e racismo
após a morte de George Floyd.
E diante de projeções de recei-
ta em queda, os líderes do setor
dizem que não ficariam surpre-

sos se os museus se voltassem pa-
ra a arteterapia como uma nova
fonte de receita ou outras oportu-
nidades de financiamento. “A ar-
teterapia geralmente é financia-
da pelas seguradoras”, disse Di-
na Schapiro, presidente assisten-
te do Departamento de Terapia
de Artes Criativas do Instituto
Pratt. “Você já tem frequentado-
res entrando em museus e pagan-
do uma taxa. Seria especialmen-
te bom para pessoas que são resis-
tentes aos locais tradicionais de
terapia como um consultório.”
Embora não planeje cobrar
por esses programas, o Metropo-
litan Museum of Art está procu-
rando começar a realizar iniciati-
vas baseadas em arteterapia. “Es-
tamos nos adaptando a uma no-
va realidade e estudando como
podemos usar a história da arte
para refletir sobre experiências
compartilhadas
de isolamento e
trauma”, disse
Rebecca McGin-
nis, coordenado-
ra de educação
para acessibilida-
de do museu.
O Metropoli-
tan Museum of Art planeja rea-
brir como um espaço seguro pa-
ra os nova-iorquinos da mesma
maneira que fez após os ataques
terroristas de 11 de setembro. Os
curadores estão começando a
pensar em como as exposições
podem ser organizadas de modo
sensível e evitando desencadear
mais dor nos visitantes. Rebecca
também preparou uma lista de
obras de arte que podem ajudar
os visitantes a acalmar suas ansie-
dades após a pandemia, incluin-
do cenas de tranquilidade do-
méstica como The Laundress
(1863), de Honoré Daumier; re-
presentações de resiliência co-
mo Street Story Quilt (1985), de
Faith Ringgold (1985) e memo-
riais aos mortos.
No Museu de Arte Rubin, os
funcionários começaram a fazer
perguntas semelhantes à sua pró-
pria coleção de objetos tibetanos
e nepaleses perfeitamente ade-
quados para a arte da autocon-
templação. Por enquanto, o mu-
seu planeja reiniciar seu podcast

de meditação e direcionar alguns
de seus programas de aprendiza-
do para os afetados pela covid-19
com obras de arte pensativas, co-
mo uma estátua dourada da deu-
sa hindu Durga no século 13.
Adotando outra abordagem, o
Museu de Arte de Cincinnati,
em Ohio, planeja treinar mais de
100 docentes voluntários em
técnicas de arteterapia que os
ajudarão a receber visitantes
quando o museu reabrir.
O fato de os museus levarem a
arteterapia mais a sério do que
nunca se deve em grande parte a
um programa no Museu de Be-
las Artes de Montreal que permi-
te que os médicos prescrevam
acesso gratuito a suas galerias.
O museu também foi um dos pri-
meiros na América do Norte a
contratar um arteterapeuta em
tempo integral em 2017.
Stephen Legari,
que assumiu o car-
go, normalmente
atende cerca de
1,2 mil participan-
tes a cada ano,
mas as demandas
por seus serviços
aumentam à medi-
da que Montreal – o epicentro do
surto do novo coronavírus no Ca-
nadá – reabriu estabelecimen-
tos. “Durante a quarentena, você
está olhando as mesmas coisas
em seu apartamento todos os
dias”, explicou. “A repetição está
diminuindo sua capacidade de
concentração. Por outro lado,
museus são lugares de encanta-
mento, beleza e admiração.”
Katerine Caron ingressou no
programa de arteterapia há cerca
de três anos. Durante grande par-
te de sua vida, a escritora de 52
anos lidou com danos neurológi-
cos e traumas graves depois de
ser atropelada por um carro em
alta velocidade enquanto passea-
va com seus filhos pela rua. Kate-
rine aguarda ansiosamente as
sessões de grupo de quarta-feira.
Para ela, a terapia criou um espa-
ço sem a pandemia para proces-
sar emoções difíceis. “Estou me-
nos ansiosa e agitada”, disse.
“Quando vejo obras de outros ar-
tistas, sei que não estou sozi-
nha.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Luiz Carlos Merten


Num encontro com o repórter,
no Festival de Cannes, Sofia
Coppola admitiu que precisou
ser muito forte para sobreviver
ao vendaval de críticas negativas
a sua participação como atriz


em O Poderoso Chefão III , de seu
pai, Francis Ford Coppola.
Virou diretora – autoral. Es-
treou com críticas positivas

em As Virgens Suicidas , de


  1. Ganhou o Oscar – de me-
    lhor roteiro original – por En-
    contros e Desencontros
    , longa
    que também levou o Cesar, o
    Oscar francês, de melhor fil-
    me estrangeiro.
    É a atração desta sexta, 19,
    no Telecine Cult, às 23h55. Lost
    in Translation
    . Literalmente,
    Perdidos na Tradução. Um
    ator que está em Tóquio para
    gravar um comercial, Bill Mur-
    ray. Indicado para o Oscar, per-
    deu para o Sean Penn de Sobre
    Meninos e Lobos
    , de Clint
    Eastwood. A mulher de um fo-


tógrafo que também está
em Tóquio, a trabalho, e não
tem tempo para ela, Scarlett
Johansson.
Dois perdidos, solitários
e com dificuldade para se co-
municar na língua que não
entendem. Sofia e suas per-
sonagens favoritas. Mulhe-
res jovens, como ela.
Um filme muito bem escri-
to e realizado, rico em obser-
vações humanas e sociais. A
pergunta que não quer calar


  • o que Bob/Murray sussur-
    ra no ouvido de Charlot-
    te/Scarlett, no final?


ADOTA TÉCNICAS


DE ARTETERAPIA


‘QUANDO VEJO
OBRAS DE OUTROS

ARTISTAS, SEI QUE
NÃO ESTOU SOZINHA’

MUSEU


Queens Museum e outras instituições nos EUA oferecem


programas a distância para ajudar o público em tempos difíceis


Visuais*


Karingana,
Licença para Contar
(Brasil, 2018.) Dir. de Mônica Monteiro, roteiro
de Igor Miguel, fotografia de Luís Abramo,
com Maria Bethânia.

Luiz Carlos Merten

Bethânia canta e recita poesias
que conectam diferentes for-
mas de expressão em língua por-
tuguesa. Ela leva seu show à Áfri-
ca, a Moçambique e o filme que
valoriza a língua e a cultura ser-
ve como homenagem ao Dia do
Cinema Brasileiro, nesta sexta,


  1. Depoimentos de autores im-
    portantes como Mia Couto e Jo-
    sé Eduardo Agualusa enrique-
    cem a produção.
    CURTA!, 15H40. COLORIDO, 73 MIN.


DESTAQUE

Filmes na TV


Queens Museum. Participantes
compartilham suas criações
por meio de videoconferência

Desenho. Aposentado Walter Enriquez cria cenas de sua vida

AGATON STROM/NYT

WALTER ENRIQUEZ VIA THE NEW YORK TIMES

A solidão pelo


olhar sensível


da diretora


Sofia Coppola


CINEGROUP
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