O Estado de São Paulo (2020-06-19)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-6:20200619:
A6 Política SEXTA-FEIRA, 19 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ELIANE


CANTANHÊDE


A


pergunta não é mais onde es-
tá o Queiroz, mas onde está
Jair Bolsonaro. Com Fabrício
Queiroz preso, Frederick Wassef des-
mascarado, a pressão de STF, TSE,
TCU, Congresso, Justiça do Rio e mo-
vimentos pró-democracia, a situa-
ção do presidente da República vai se
tornando insustentável. Cresce o alí-
vio em setores governistas que se de-
cepcionaram com Bolsonaro e agora
trabalham pela ascensão do vice Ha-
milton Mourão. Neste caso, estão mi-
litares da ativa e da reserva.
O temor desses setores era de que
o torniquete fosse do TSE e estran-

gulasse a chapa Bolsonaro-Mourão,
mas o cerco contra Bolsonaro, filhos,
advogado e apoiadores mais radicais
se fecha não no TSE, que pode cassar a
chapa, mas no Supremo, onde as inves-
tigações envolvendo bolsonaristas de
todos os tipos levam diretamente ao
presidente e não há nada contra o vice.
Sem esquecer que as circunstâncias e
a opinião pública começam a pressionar
o Congresso, onde o alvo de um impeach-
ment seria Bolsonaro, não a chapa, não o
vice. Com as várias frentes que desembo-
cam no presidente, não há Centrão ca-
paz de segurar uma onda que vem de fora
e pode chegar incontrolável ao Congres-

so – como nos casos de Collor e Dilma.
As pontas se juntam rapidamente:
milícia, rachadinha, gabinete do ódio
no Planalto, parlamentares, empresá-
rios e manifestantes golpistas, o tal
Wassef... Sem currículo, sem casos ex-
pressivos, vira advogado e faz-tudo do
presidente, esconde o Queiroz em ca-
sa e indica para ele o mesmo advogado
de quem? Do capitão Adriano, o milicia-
no morto pela polícia numa operação,
suspeita-se, de queima de arquivo.

Tudo em torno de Bolsonaro é estra-
nho. Tudo e todos. Como um cidadão
como Wassef se aproxima, vira amigo
da família, participa de posses e desfru-
ta da intimidade dos palácios? Liga-
ções com satanismo, ex-mulher proces-
sada por uma montanha de crimes, fai-
xa pró AI-5 ao lado de bonecos do Scar-

face, poderoso chefão hollywoodiano.
Pensem nos empresários, pastores, lí-
deres partidários e gurus que integram
esse círculo. Cada vez é mais difícil par-
ticipar disso. Sérgio Moro que o diga.
Se a demissão de Abraham Wein-
traub do MEC é para restabelecer pon-
tes do governo com o Supremo – ou
“baixar a bola”, como dizia Mourão –, é
tarde demais. Até porque a bola não es-
tá mais só no STF. O pedido para que-
brar o sigilo bancário de parte da banca-
da bolsonarista foi da PGR. A decisão de
prender Queiroz foi da Justiça do Rio.
Militares da ativa e da reserva, juris-
tas renomados e personagens impor-
tantes de governos anteriores tenta-
vam articular com ministros do Supre-
mo uma espécie de trégua, encampan-
do uma crítica recorrente de Bolsona-
ro: “Estão abusando”. Seria então a ho-
ra de dar um “refresco”, “um pouco de
ar” para Bolsonaro.
Isso não seria exatamente a favor dele


  • considerado caso perdido –, mas para
    dar uma satisfação aos militares que es-


tão no bloco dos cansados com o pre-
sidente, mas ao mesmo tempo con-
vencidos de que o Supremo e a mídia
extrapolam e há uma perseguição
contra Bolsonaro. Os fatos, no entan-
to, se acumulam e mostram que nem
há exagero nem perseguição, mas a
constatação de que a eleição dele foi
um erro. O País está à deriva em meio
a uma pandemia devastadora.
Alerta o ex-presidente do STF Ay-
res Britto: “Numa democracia con-
solidada, não se pode impedir a im-
prensa de falar primeiro nem o Judi-
ciário de falar por último”. O presi-
dente e seus apoiadores, arrependi-
dos ou não, precisam entender que
não há “abusos” do Supremo. Há de-
cisões com base na Constituição, a
defesa implacável da democracia. E
não há como dar um “respiro” nem
“baixar a bola”, inclusive porque o
Supremo é a parte mais visível, mas
integra uma sólida resistência a um
presidente que nunca assumiu de fa-
to. Mourão está no radar.

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TWITTER: @ECANTANHEDE
ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E
SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

MP acusa Queiroz de pagar


contas pessoais de senador


Queda de Weintraub não ‘baixa
a bola’, pois as pontas contra
Bolsonaro se juntam rapidamente

Flávio diz que operação é peça no


tabuleiro para atacar presidente


BRASÍLIA


O presidente Jair Bolsonaro
tratou como “espetaculosa”
a prisão do ex-assessor parla-
mentar Fabrício Queiroz, en-
contrado ontem em um imó-
vel do advogado Frederick
Wassef, que defende o sena-
dor Flávio Bolsonaro (Repu-
blicanos-RJ). Wassef tam-
bém se apresenta como “con-
sultor jurídico” do presiden-
te. “Parecia que estavam pren-
dendo o maior bandido da fa-
ce da terra”, disse Bolsonaro.

A declaração, em transmis-
são ao vivo na internet, ocorreu
após ministros e advogados pas-
sarem o dia discutindo uma es-
tratégia para tentar desvincular
Wassef do presidente. Pela ma-
nhã, auxiliares foram convoca-
dos às pressas para uma reunião
de emergência, no Palácio no
Planalto. A prisão do ex-asses-
sor de Flávio, filho mais velho
do presidente, foi discutida no
encontro, que durou duas ho-
ras. A conclusão foi a de que era
preciso tentar afastar Wassef
de Bolsonaro.
À tarde, a advogada Karina Ku-
fa divulgou nota para afirmar
que Wassef não representa o
presidente em nenhuma ação ju-
dicial. “O advogado Frederick
Wassef não presta qualquer ser-
viço advocatício em nenhuma
ação em que seja parte o senhor
Jair Messias Bolsonaro e não
faz parte do referido escritório,
não constando seu nome em
qualquer processo”, diz a nota
assinada por Kufa.
O comunicado, porém, não ci-
ta o livre acesso de Wassef nos
palácios do Planalto e da Alvora-
da. O advogado esteve ao menos


oito vezes com Bolsonaro nos
últimos meses, mas nem todas
as visitas foram registradas na
agenda – apenas três delas. A in-
terlocutores, Wassef sempre se
vangloriou da proximidade com
a família presidencial. Recente-
mente, contou ter sido chama-
do pelo presidente para dar uma
volta de jet-ski no Lago Paranoá.
Embora o advogado não re-
presente Bolsonaro em ações ju-
diciais, Wassef se apresenta co-
mo consultor jurídico do presi-
dente. Questionado pelo Esta-

dão no fim do ano passado so-
bre por que não constava nos
processos, Wassef justificou
que indicava profissionais para
fazer o serviço.

‘Meu advogado’. A presença
do advogado sempre incomo-
dou os auxiliares mais próxi-
mos do presidente, que o viam
com desconfiança. Wassef se
aproximou de Bolsonaro em
2014, mas ganhou a confiança
do clã presidencial justamente
com o caso Queiroz, quando

passou a frequentar o Planalto.
Em dezembro do ano passa-
do, o próprio Bolsonaro disse à
imprensa que era representado
por Wassef. O presidente se reu-
niu com o advogado e com Flá-
vio no Palácio da Alvorada, em
18 de dezembro de 2019 – dia
em que foi deflagrada uma ope-
ração no Rio de Janeiro para in-
vestigar um esquema de “racha-
dinha” no gabinete do filho
“01”. A prática consiste no re-
passe de parte do salário do ser-
vidor a políticos e assessores.

No dia seguinte, o presidente
foi questionado sobre a opera-
ção, e disse aos repórteres para
perguntarem ao seu advogado.
“O senhor esteve aqui com o
advogado ontem?”, indagou
um repórter. “Estive. Ele é meu
advogado no caso Adélio (Bis-
po, autor de uma facada contra o
presidente, na campanha eleitoral
de 2018) ”, respondeu Bolsona-
ro, que havia se reunido com
Wassef e Flávio na véspera.

Tensão. Ao longo de todo o
dia de ontem, o clima no gover-
no foi tenso. A avaliação é de
que a prisão do ex-assessor par-
lamentar em um endereço do
advogado ligado ao presidente
colocou o caso da “rachadinha”
dentro do Palácio do Planalto.
Desde o início das investiga-
ções do esquema na Assem-
bleia Legislativa do Rio, o gover-
no trabalhou para blindar o
mandato do presidente.
Auxiliares de Bolsonaro afir-
mam que o governo continuará
insistindo na narrativa de que,
se houve algum problema, foi lo-
calizado no gabinete de Flávio e,
portanto, sem qualquer ciência
do presidente. Outra estratégia
é evitar comentários sobre o ca-
so, em uma tentativa de, mesmo
nos bastidores, passar a imagem
de que não se trata de um assun-
to de preocupação do Planalto.
Ao mesmo tempo, integran-
tes do Planalto avaliam que a
prisão de Queiroz reforçará o
discurso do presidente de que
há uma perseguição política e
conspiração contra ele e sua fa-
mília para desestabilizar o go-
verno. / JUSSARA SOARES, BRENO
PIRES, VINICIUS VALFRÉ, JULIA
LINDNER e TÂNIA MONTEIRO

Fausto Macedo
Marcelo Godoy

O pedido de prisão feito pelo Mi-
nistério Público do Rio contra
Fabrício Queiroz acusa o ex-as-
sessor parlamentar de pagar con-
tas pessoais do senador Flávio
Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Os investigadores dizem ter pro-
vas de que o ex-assessor quitou
mensalidades escolares das fi-
lhas do senador e suspeitam que
ele possa ter pago o plano de saú-
de da família de Flávio.
Ao todo, 11 assessores de Flá-
vio Bolsonaro em seu antigo ga-
binete na Assembleia Legislati-
va do Rio (Alerj) tinham rela-
ções de parentesco, vizinhança
ou amizade com Queiroz. Me-
diante centenas de transferên-

cias bancárias e depósitos em di-
nheiro, de abril de 2007 a dezem-
bro de 2018, Queiroz recebeu R$
2,039 milhões – 69% desse total
em espécie – e sacou R$ 2,9 mi-
lhões. Essas movimentações ti-
nham por objetivo, segundo o
MP, “ocultar rastros”.
“O investigado também trans-
feria parte dos recursos para o pa-
trimônio familiar do ex-deputa-
do estadual Flávio Bolsonaro me-
diante depósitos bancários que
ocorriam de forma fracionada e
pagamentos de despesas pes-
soais do ex-deputado”, diz o MP.
Entre os pagamentos citados
pelos promotores está um de-

pósito de R$ 25 mi em 2011 na
conta de Fernanda Antunes Bol-
sonaro, mulher de Flávio. Quei-
roz também pagou, em outubro
de 2018, duas mensalidades es-
colares das filhas do senador –
de R$ 3.382,27 e R$ 3.560,28. O
MP apurou que não há nas con-
tas do casal saques na época cor-
respondentes aos pagamentos.
Os investigadores verifica-
ram nos extratos bancários de
Flávio e da mulher que foram pa-
gos R$ 251.847 em parcelas de
mensalidades escolares e ape-
nas débitos de R$ 95.227 nas con-
tas do casal, deixando descober-
to o equivalente a 53 mensalida-
des cujos “boletos bancários (fo-
ram) pagos com dinheiro em es-
pécie não provenientes das con-
tas bancárias do casal”.
O mesmo foi detectado nos pa-
gamentos do plano de saúde da
família. A diferença entre os
débitos nas contas do casal foi
de R$ 108,4 mil, quantia equiva-
lente a 63 boletos bancários pa-
gos em espécie de origem
“alheia aos rendimentos lícitos
do casal”. Segundo os investiga-
dores, eles pagaram R$ 117,3 mil
em planos de saúde, mas só R$
8,9 mil saíram de suas contas. O
Estadão não conseguiu contato
com a defesa dos acusados.

O senador Flávio Bolsonaro
(Republicanos-RJ), filho do pre-
sidente Jair Bolsonaro, se mani-
festou após a prisão de seu ex-
assessor Fabrício Queiroz, on-
tem, em Atibaia. Ele estava em
um imóvel do advogado de Flá-
vio e amigo do presidente da Re-
pública, Frederick Wassef, e foi
levado para o Rio de Janeiro no
final da manhã.
“Encaro com tranquilidade
os acontecimentos de hoje (on-
tem)
. A verdade prevalecerá!
Mais uma peça foi movimenta-
da no tabuleiro para atacar Bol-
sonaro”, escreveu Flávio nas re-
des. “Em 16 anos como deputa-
do no Rio nunca houve uma vír-
gula contra mim. Bastou o presi-
dente Bolsonaro se eleger para


mudar tudo! O jogo é bruto!”
Queiroz é investigado um su-
posto esquema de rachadinha
na Assembleia Legislativa do
Rio e por lavagem de dinheiro
em transações imobiliárias
com valores de compra e venda
fraudados.
Os mandados de busca e
apreensão e de prisão contra
Queiroz foram expedidos pela

Justiça do Rio e a prisão foi fei-
ta na Operação Anjo, da Polícia
Civil e do Ministério Público
de São Paulo.
A operação também teve co-
mo alvos outros dois ex-servido-
res da Assembleia Legislativa
do Rio, Matheus Azeredo Couti-
nho e Luiza Paes Souza, e o ad-
vogado Luis Gustavo Botto
Maia. / MATHEUS LARA

l Resposta

Presidente critica operação que prendeu Fabrício Queiroz e governo discute estratégia para desvinculá-lo de advogado Frederick Wassef


l Acusação

Mourão no radar


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO - 18/2/

INVESTIGAÇÃO NO RIO


YOUTUBE/JAIR BOLSONARO

Prisão foi ‘espetaculosa’, diz Bolsonaro


“O advogado Frederick
Wassef não presta
qualquer serviço
advocatício em nenhuma
ação em que seja parte
o senhor Jair Messias
Bolsonaro e não faz parte
do referido escritório,
não constando seu nome
em qualquer processo”
Karina Kufa
ADVOGADA DE BOLSONARO

Críticas. Presidente Jair Bolsonaro durante transmissão pela internet em que criticou a operação que prendeu Queiroz

“Movimentações bancárias
atípicas são evidência
contundente da função
exercida por Queiroz como
operador financeiro na
divisão de tarefas da
organização criminosa.”
MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO

Em pedido de prisão de
ex-assessor, promotores
dizem que ele pagou
mensalidades escolares
de filhas de parlamentar

Argumento. Para Flávio Bolsonaro, ‘a verdade prevalecerá’

Para senador, ação que


resultou na prisão de


seu ex-assessor tem


como objetivo atingir o


governo de seu pai

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