O Estado de São Paulo (2020-06-20)

(Antfer) #1

A12 Política SÁBADO, 20 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Daniel Weterman
Tânia Monteiro / BRASÍLIA


Um dia depois de demitir o
ministro da Educação, Abra-
ham Weintraub, o presidente
Jair Bolsonaro enviou emissá-
rios a São Paulo para “cobrar
a fatura” do ministro Alexan-
dre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF). A dis-
pensa de Weintraub, que cha-


mou magistrados da Corte de
“vagabundos”, foi um gesto
político do presidente em
busca de uma trégua com ma-
gistrados da Corte.
Na tentativa de uma aproxi-
mação, os ministros Jorge Oli-
veira (Secretaria-Geral da Pre-
sidência), André Mendonça
(Justiça e Segurança Pública) e
José Levi Mello do Amaral Jú-
nior (Advocacia-Geral da

União) se reuniram com Mo-
raes, na tarde de ontem, em São
Paulo. O encontro faz parte da
estratégia do Palácio do Planal-
to para construir um canal de
diálogo do presidente com o Su-
premo.
Moraes é o relator de dois in-
quéritos que investigam alia-
dos de Bolsonaro e estão fe-
chando o cerco sobre o Palácio
do Planalto. Um deles é o das

fake news, que apura ameaças,
ofensas e calúnias contra inte-
grantes da Corte. A investiga-
ção mira o chamado “gabinete
do ódio”, grupo de assessores
da Presidência comandado pe-
lo vereador Carlos Bolsonaro
(Republicanos-RJ). A existên-
cia desse “bunker ideológico”
foi revelada pelo Estadão, no
ano passado.
Entre as decisões de Moraes
que preocupam o governo está
a quebra de sigilo bancário e fis-
cal de empresários bolsonaris-
tas. O magistrado viu indícios
de que o grupo atua de maneira
velada, financiando a dissemi-
nação de fake news e conteúdo
de ódio contra integrantes do
Supremo e outras instituições.
As provas coletadas nesse in-
quérito poderão ser usadas em
ação que tramita no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) para
investigar denúncias de irregu-
laridades na campanha eleito-
ral de 2018. O processo pode re-
sultar na cassação da chapa de
Bolsonaro e do vice, Hamilton
Mourão. O presidente também
tem receio de que o caso envol-
vendo Fabrício Queiroz, ex-as-

sessor de seu filho, o senador
Flávio Bolsonaro (Republica-
nos-RJ), chegue ao Supremo
em um momento de conflito
com a Corte.

Receita. Outra investigação
nas mãos de Moraes tem como
foco a organização de atos anti-
democráticos, que, nos últimos
meses, pregaram o fechamento
do Congresso e do Supremo.
Dez deputados e um senador
bolsonaristas tiveram os sigilos
bancários quebrados no dia 27
de maio. Além disso, Moraes au-
torizou a entrada da Receita Fe-
deral no caso. Dessa forma, os
alvos da investigação – todos
aliados de Bolsonaro – terão
seus dados bancários comparti-
lhados com a Receita, que anali-
sará a evolução patrimonial de

cada um e transações financei-
ras consideradas suspeitas.
Moraes é, ainda, relator de
uma ação que questiona a revo-
gação de portarias sobre o ras-
treamento de armas e muni-
ções, como revelou o Estadão.
Na escalada de tensão entre o
Planalto e o Supremo, Bolsona-
ro fez um aceno na direção da
Corte, na quinta-feira, ao con-
firmar a saída de Abraham
Weintraub do Ministério da
Educação. Desde que Wein-
traub disse, na reunião ministe-
rial de 22 de abril que, se depen-
desse dele, despacharia os “va-
gabundos” do STF para a ca-
deia, a demissão passou a ser
vista pelos magistrados como
primeiro passo para a retoma-
da do diálogo com o Planalto.
Foi com o atendimento dessa
“exigência” em mãos que o nú-
cleo jurídico do governo procu-
rou Moraes, na tarde de ontem.
Não foi a primeira vez, no entan-
to, que Bolsonaro enviou emis-
sários para tentar uma interlo-
cução com Moraes. No início
deste mês, o ministro da Defe-
sa, general Fernando Azevedo e
Silva, também esteve em São
Paulo e se reuniu com ele.

AGU. Na prática, a própria es-
colha de José Levi para o coman-
do da Advocacia-Geral da
União teve o objetivo de fazer
um “agrado” a Moraes. Bolsona-
ro não conhecia Levi, mas foi
informado pelo presidente do
Supremo, Dias Toffoli, e por ou-
tros ministros que ele era mui-
to qualificado. Levi é ligado a
Moraes e chegou a ser secretá-
rio executivo do Ministério da
Justiça quando ele era o titular
da pasta, no governo Michel Te-
mer (2016 a 2017). Nada disso,
porém, adiantou.
Diante das investigações ba-
tendo à porta do Planalto, Bol-
sonaro também procurou,
nos últimos dias, retomar o
diálogo com Toffoli. Na últi-
ma quarta-feira, o presidente
convidou Toffoli para a posse
do ministro das Comunica-
ções, Fábio Faria, e, depois,
conversou com ele.
Nem Moraes nem os minis-
tros do governo deram entrevis-
tas após o encontro de ontem.
Oficialmente, porém, a reunião
foi para discutir processos so-
bre a terra indígena Raposa Ser-
ra do Sol, prejuízos do setor su-
croalcooleiro, bloqueio de
bens decidido pelo Tribunal de
Contas da União (TCU) e con-
trole de armas e munições pelo
Exército. / COLABOROU RAFAEL
MORAES MOURA

Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA


Depois de intensificar a artilha-
ria contra o Supremo Tribunal
Federal, ameaçar não obedecer
a decisões judiciais e falar na
imposição de um “limite”, o
presidente Jair Bolsonaro viu
nos últimos dias uma série de
determinações da Justiça que
miraram apoiadores, parlamen-
tares, empresários e até mes-
mo o seu núcleo mais próximo.
A “semana dos infernos”, co-
mo está sendo chamada no Pla-


nalto, começou com a prisão de
extremistas do grupo “300 do
Brasil”, avançou com a quebra
do sigilo bancário de dez depu-
tados e um senador bolsonaris-
tas, prosseguiu com o aval do
Supremo ao inquérito das fake
news e culminou com a prisão
de Fabrício Queiroz, ex-asses-
sor de Flávio Bolsonaro (Repu-
blicanos-RJ). Queiroz foi deti-
do em um imóvel em Atibaia
(SP) de Frederick Wassef, advo-
gado do senador Flávio.
Na quarta-feira passada, Bol-
sonaro citou o “povo” como es-
cudo para blindar o seu gover-
no, mas depois subiu o tom e
comparou o que vem pela fren-
te a uma “emboscada”. A verda-
deira “emboscada”, avaliaram
magistrados ouvidos pela re-
portagem, pode ser a prisão de

Queiroz, cujo desdobramento
é considerado imprevisível.
Uma das especulações nos bas-
tidores é se o ex-assessor pode-
ria aceitar um acordo de colabo-
ração premiada. Um ministro,
no entanto, afirmou que a práti-
ca de “rachadinha” (recolhi-
mento de parte do salário de as-
sessores para devolvê-la ao po-
lítico responsável pelo gabine-
te) é relativamente comum nas
Casas legislativas, mas, mesmo
assim, aposta que o episódio
tem potencial para aprofundar
o desgaste do clã Bolsonaro.
As relações entre o Supremo
e o Palácio do Planalto se dete-
rioraram após o tribunal im-
por uma série de reveses ao go-
verno, como a suspensão da no-
meação de Alexandre Rama-
gem – amigo da família Bolso-

naro – para a direção-geral da
Polícia Federal e o entendi-
mento do plenário da Corte
que garantiu a prefeitos e go-
vernadores de todo o País auto-
nomia para tomar medidas de

isolamento social no enfrenta-
mento da pandemia do novo
coronavírus.

Supremo. Uma das últimas
pontes que restam do Palácio

do Planalto com o STF é o minis-
tro Dias Toffoli, presidente da
Corte. Segundo o Estadão apu-
rou, no entanto, Toffoli ficou in-
comodado com a falta de uma
nota oficial de Bolsonaro em re-
púdio à escalada de manifesta-
ções contra o tribunal, como os
fogos de artifício disparados
em direção à sede do STF e as
tochas carregadas na Praça dos
Três Poderes pelo grupo bolso-
narista 300 do Brasil, liderado
pela extremista Sara Giromini.
Sara foi presa por decisão do mi-
nistro Alexandre de Moraes.
Enquanto Bolsonaro se si-
lenciava sobre o assunto, a
página oficial do Supremo di-
vulgava uma mensagem dos
ex-presidentes José Sarney,
Fernando Collor, Fernando
Henrique Cardoso, Luiz Iná-
cio Lula da Silva, Dilma Rous-
seff e Michel Temer rechaçan-
do os ataques e prestando soli-
dariedade ao tribunal.

Auditoria do Tribunal de Con-
tas de São Paulo apontou indí-
cios de irregularidades na
compra de luvas hospi-
talares para comba-
te à pandemia do
novo coronavírus.
De acordo com o
conselheiro Anto-
nio Roque Citadini,
a Secretaria de Saú-
de do Estado não apre-
sentou critérios de paga-
mento, nem estimativa de pre-
ços no contrato, sem licitação,
com a fornecedora Bremem –
no valor de R$9.16 milhões.

O Tribunal Regional Federal
da 4.ª Região negou um habeas
corpus impetrado pela
defesa de Sérgio Ca-
bral, mantendo a
prisão do ex-gover-
nador do Rio de
Janeiro. O ex-che-
fe do Palácio Gua-
nabara (2007 –
2014) foi condena-
do pela 13.ª Vara Fede-
ral de Curitiba, pelo en-
tão juiz Sérgio Moro, a 14 anos
e 2 meses de reclusão pelos cri-
mes de corrupção passiva e de
lavagem de dinheiro.

lCotados para Supremo
André Mendonça e Jorge Olivei-
ra, ministros que estiveram on-
tem com Alexandre de Moraes,
são cotados para ocupar uma
cadeira no Supremo a partir de
novembro.

Após ameaçar STF, presidente tem semana de derrotas


Bolsonaro viu apoiadores


presos e aliados tendo


o sigilo quebrado, além


de assistir à detenção
de Fabrício Queiroz


A pandemia de covid-19 é a jus-
tificativa do presidente do Con-
selho de Ética do Senado, Jay-
me Campos (DEM-MT) (foto),
para não levar adiante proces-
so contra o senador Flávio Bol-
sonaro (Republicanos-RJ).
Após a prisão do ex-assessor
do senador Fabrício Queiroz
partidos de oposição pressio-
nam para que ele dê andamen-
to ao pedido de apuração, para-
do desde fevereiro, e que pode
resultar na cassação do manda-
to do filho do presidente. “Não
sou Maria vai com as outras.

Sou independente e vou agir
dentro da forma da lei. Em um
assunto que está mexendo na
vida da pessoa, não se pode de
forma intempestiva e irrespon-
sável tomar uma decisão como
essa”, afirmou Campos.

LAVA JATO

MARCOS CORRÊA/PR-18/6/

Justiça.
Presidente
Jair Bolsonaro
em cerimônia
em Brasília

Bolsonaro envia


ministros para tentar


trégua com Moraes


Auxiliares do presidente se encontram em São Paulo com ministro


do Supremo, que tem tomado decisões contrárias ao governo


INVESTIGAÇÃO NO RIO


WERTHER SANTANA/ESTADÃO-18/6/

Prisão. Queiroz é levado após ser detido em Atibaia (SP)

ROQUE DE SÁ/AGÊNCIA SENADO-12/11/

JUSTIFICATIVA


Presidente do Conselho de Ética diz que


pandemia atrasa processo contra Flávio


14
ANOS DE PRISÃO FOI
A CONDENAÇÃO DE
SÉRGIO CABRAL EM
AÇÃO DA LAVA JATO

Justiça prorroga a
prisão de Sara Giromini
O ministro Alexandre de Mo-
raes, do Supremo Tribunal Fe-
deral (STF), prorrogou por cin-
co dias a prisão temporária da
extremista Sara Giromini e
mais quatro integrantes do gru-
po “300 do Brasil”. A continui-
dade das detenções foi um pe-
dido da Polícia Federal porque
ainda está sendo feita a análise
dos materiais apreendidos jun-
to ao grupo. Sara foi detida pe-
la PF na segunda-feira, no âm-
bito do inquérito sobre organi-
zação e financiamento de atos
antidemocráticos. Um sexto
envolvido está foragido.

ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS

A Polícia Civil de São Paulo in-
diciou e pediu a prisão preven-
tiva de Hércules Cordeiro Tor-
res por tentativa de extorsão
do governador João Doria
(PSDB). O relatório final do
inquérito indica que, em men-
sagens enviadas a Doria e à pri-
meira-dama do Estado, Bia Do-
ria, Hércules afirmava que o
assassinato do governador te-
ria sido encomendado por R$ 3
milhões e cobrava R$ 5 mi-
lhões para que não houvesse a
execução. A reportagem não
conseguiu contato com a defe-
sa do indiciado.

Suspeito de extorsão a
governador é indiciado

SÃO PAULO II
TCE vê irregularidades
na compra de luvas

SÃO PAULO
TRF-4 nega pedido de
soltura de Sérgio Cabral
Free download pdf