O Estado de São Paulo (2020-06-20)

(Antfer) #1

A14 Política SÁBADO, 20 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Jussara Soares / BRASÍLIA


Demitido do Ministério da Edu-
cação, o economista Abraham
Weintraub deve seguir na defe-
sa do presidente Jair Bolsona-
ro, mas, sobretudo, quer aumen-
tar sua influência nas redes so-
ciais e se projetar com um líder
da direita. A interlocutores, ele
admite usar a projeção que ga-
nhou no MEC para concorrer a


governador de São Paulo ou a
senador em 2022.
Ao ocupar um posto de dire-
tor do Banco Mundial, em
Washington (EUA), cargo para
o qual foi indicado ontem, Wein-
traub também deve se aproxi-
mar ainda mais do guru Olavo
de Carvalho, que mora no esta-
do americano de Virgina. O ex-
ministro também pretende
manter relação com o diploma-
ta olavista Nestor Forster, en-
carregado de negócios da embai-
xada brasileira na capital ameri-
cana. Embora ex-alunos do gu-
ru bolsonarista, os dois não se
conhecem pessoalmente. Por
fim, Weintraub deseja também
ser um interlocutor do grupo do

presidente Donald Trump.
Longe do governo Bolsonaro,
Weintraub disse que estará
mais livre para falar o que pensa
sem ser cobrado. O ministro de-
missionário manteve o tom pro-
vocativo em postagem na ma-
nhã desta sexta-feira, um dia de-
pois de anunciar a sua exonera-
ção. O alvo, desta vez, foi justa-
mente o atual governador de
São Paulo, João Doria, que ha-
via comemorado sua demissão.
“Gov Dória, docinho, que delí-
cia! Pegue as compras dos hospi-
tais de SP e compare com os pre-
ços dos hospitais universitários
do MEC. Respirador, máscara, ál-
cool gel, pode escolher. Caso te-
nha um item seu mais barato, uso

sapato sem meia e calça apertada
sem cueca, para não marcar”, es-
creveu. A uma apoiadora que elo-
gia sua atuação no MEC, respon-
de: “Estarei sempre por aqui”.
No entanto, um ex-integran-
te do alto escalão do Banco
Mundial, que pediu para não ser
identificado, ressaltou que, na
diretoria, Weintraub terá que
se adaptar ao código de ética do
organismo, que proíbe declara-
ções sobre a política dos países
membros. Não seriam permiti-
das, por exemplos, publicações
polêmicas em redes sociais, co-
mo a que Weintraub fez, ao iro-
nizar os chineses e a pandemia
do coronavírus.
Bolsonaro vinha sendo pres-

sionado a demitir o ministro co-
mo um gesto de trégua a magis-
trados Supremo Tribunal Fede-
ral, a quem Weintraub chamou
de “vagabundos” em reunião mi-
nisterial. A situação se agravou
após o ministro participar de um
ato ao lado de bolsonaristas e re-
petir a ofensa domingo passado.
O argumento dos que defen-

diam a demissão era de que Wein-
traub se tornou um gerador de cri-
ses desnecessárias justamente
no momento em que o presiden-
te, pressionado por pedidos de
impeachment, inquérito e ações
que podem levar à cassação do
mandato, tenta diminuir a ten-
são na Praça dos Três Poderes.
Na segunda-feira passada, Bol-
sonaro chegou a recriminar a ida
do seu ministro ao ato, dizendo
que ele não foi “prudente”. No
vídeo em que anunciou sua saí-
da, Weintraub disse que está
preocupado com a família. “O
presidente já referendou. Obri-
gado, presidente. E com isso, eu,
a minha esposa, os nossos filhos
e até a nossa cachorrinha Capi-
tu, a gente vai poder ter a segu-
rança que hoje me está deixando
muito preocupado”, afirma.
/COLABOROU LORENNA RODRIGUES

Rayssa Motta


A Justiça de São Paulo voltou a
proibir que grupos de apoiado-
res do presidente e opositores
do governo se reúnam no mes-
mo horário em manifestações
na Avenida Paulista. A diferen-
ça é que, desta vez, a decisão se
estende não só ao próximo do-
mingo, 21, como a “qualquer dia
subsequente”. O juiz Randolfo
Ferraz de Campos, da 14.ª Vara
da Fazenda Pública da Capital,
determinou ontem que “mani-
festantes de bandeiras anta-
gônicas” se revezem a cada fi-
nal de semana na Paulista.


A partir de amanhã, haverá al-
ternância entre os grupos, co-
meçando pelos bolsonaristas.
Aqueles que protestam contra o
presidente Jair Bolsonaro pode-
rão se reunir em “local diverso”,
mas estão proibidos de cami-
nhar em direção à avenida. Nos
finais de semana subsequentes,
haverá inversão na ordem.
Na decisão, o juiz destaca que
o direito dos cidadãos de se reu-
nirem “pacificamente” não é ab-
soluto e, quando competem
com outros direitos e interes-

ses previstos na Constitui-
ção, “devem submeter-se a
juízo de ponderação a fim de
que se alcance a solução que
melhor concilie os interes-
ses em conflito”. Segundo o
magistrado, o objetivo da de-
cisão é preservar “a ordem pú-
blica, o direito à vida no qual
se inclui a integridade física e
o direito de propriedade, sem
prejuízo do exercício do direi-
to à liberdade de reunião”.
A decisão atende a um pedi-
do do governo de São Paulo,
João Doria (PSDB), que che-
gou a obter parecer favorável
no plantão judiciário, e agora
foi acolhido em definitivo.

Confronto. O Executivo en-
trou na Justiça após um ato
contra o governo federal or-
ganizado por grupos ligados
a torcidas de futebol, na Ave-
nida Paulista, terminar em
confronto entre manifestan-
tes, apoiadores do presiden-
te e a Polícia Militar. A confu-
são aconteceu no primeiro fi-
nal de semana em que oposi-
tores ao presidente Bolsona-
ro, até então recolhidos em
razão da pandemia, resolve-
ram sair às ruas e fazer frente
aos atos pró-governo.

Breno Pires / BRASÍLIA


Interlocutores do presidente
Jair Bolsonaro indicaram nas
redes sociais que a nomeação
de Abraham Weintraub para o
Banco Mundial não se trata de
um prêmio de consolação,
mas de uma estratégia do presi-
dente para tirar o ex-ministro
do País e evitar sua prisão pelo
Supremo Tribunal Federal.
Weintraub é investigado no in-
quérito das fake news, que tra-
mita na Corte e já determinou
ações contra vários alvos.
Procurado para comentar
qual o objetivo do presidente
com a indicação de Weintraub,
o Palácio do Planalto não res-
pondeu até a conclusão desta
edição. Nas suas redes sociais,
o ex-ministro disse ontem que
precisa sair do País “o quanto
antes”. Em entrevista à CNN
Brasil, revelou o motivo. “A
prioridade total é que eu saia do
Brasil o quanto antes. Agora é
evitar que me prendam, ca-
deião, e me matem”, disse ele.
O youtuber Bernardo Küster,
um dos alvos do inquérito das
fake news, foi o mais explícito,
Num vídeo, afirmou que Wein-
traub vai exercer um cargo no
exterior para “fugir” de ser pre-
so pelo Supremo. “Estão articu-
lando a prisão desse homem e a
vida dele vai de complicar. O Su-
premo já sinalizou que não vai
dar moleza para ele quando o
mantiveram no inquérito das
fake news. O entendimento de
muitos é de que a prisão dele vai


acontecer, ou ia acontecer, não
sei, mais dia, menos dia, e ele,
para preservar sua vida e de sua
família, ele vai embora do Brasil
para fugir dessa perseguição di-
tatorial que já se instalou no
Brasil”, afirmou.
Küster explicitou a preocu-
pação com a perda da prerroga-
tiva de foro de Weintraub.
“Imagina se ele perde o foro pri-
vilegiado, fica aqui no Brasil, é
capaz de ele ser preso, sim.
Acontece que ele vai exercer
um cargo no exterior e sair do
Brasil. Ele sai por causa de um
comentário feito privadamen-
te numa reunião ministerial”,
disse num vídeo gravado pou-
co antes de a demissão ser
anunciada.
O empresário Leandro Rus-
chel, que também integra a re-
de bolsonarista, é outro que re-
lacionou a saída do ex-minis-
tro do País ao processo no Su-
premo. “Vivemos em pleno re-
gime de exceção. Quando um
ministro precisa se exilar por
algo que ele falou, imagine o
que resta ao cidadão comum”,
disse a seus 410 mil seguidores
no Twitter. “Agora o Brasil tem

um ministro do governo que
precisa buscar exílio para não
ser preso por falar o que pen-
sa”, afirmou o deputado Luis
Philippe de Orleans e Bragança
(PSL-SP), um dos mais próxi-
mos do presidente.

Sem foro. Como ex-ministro,
Weintraub perde a prerrogati-
va de foro no Supremo Tribu-
nal Federal. Com isso, investiga-
ções contra ele podem ser envia-
das à primeira instância. No en-
tanto, ele pode continuar sen-
do alvo do Supremo, ao menos
por enquanto, no inquérito das
fake news. Nesse caso, porque
há pessoas com foro relaciona-
das, como deputados federais.
Weintraub é um dos alvos do
inquérito das fake news por ter
afirmado, em reunião ministe-
rial, que os onze ministros do
Supremo deveriam ser presos e
se referido a eles como “vaga-
bundos”. Dias depois, já investi-
gado, repetiu que “já disse o
que pensava desses vagabun-
dos” num ato com apoiadores
na Esplanada dos Ministérios.
Ao determinar a liberação da
gravação da reunião, o ministro
Celso de Mello apontou para a
“gravíssima aleivosia” feita por
Weintraub em “um discurso
contumelioso e aparentemen-
te ofensivo ao patrimônio mo-
ral” dos ministros do Supremo.
No entendimento do decano,
as falas caracterizam possível
delito contra a honra (como o
crime de injúria).
O ministro demissionário

tem afirmado que precisava
preservar a segurança da sua fa-
mília como uma das justificati-
vas para deixar o País. A repor-
tagem questionou a Polícia Fe-
deral, a Procuradoria-Geral da
República, e o próprio Wein-
traub, por meio do Ministério
da Educação, e não há informa-
ções até o momento de que o

ex-ministro tenha pedido in-
vestigação sobre ameaças a si e
a familiares. A PF e o MEC dis-
seram que só Weintraub pode-
ria responder. A PGR ainda não
respondeu.
O senador Fabiano Contara-
to (Rede-ES) protocolou on-
tem no Suprem oum pedido pa-
ra que o passaporte do ex-mi-

nistro Weintraub seja apreen-
dido para evitar que ele saia do
país enquanto é investigado pe-
la Corte.

lCultura
O presidente Jair Bolsonaro no-
meou o ator Mário Luís Frias co-
mo secretário especial de Cultu-
ra, no lugar de Regina Duarte. A
nomeação foi publicada em edi-
ção extra do Diário Oficial da
União (DOU), ontem à noite.

Desembargadora nega
recurso de emissora do
Rio Grande do Sul, que
não pode exibir matéria
sobre fraude em auxílio

lTransição
O secretário de Alfabetização,
Carlos Nadalim, ligado ao escri-
tor Olavo de Carvalho, era o prin-
cipal cotado para assumir a pas-
ta, mas enfrenta resistência em
parte do governo.

l ‘Exaltados’

Weintraub no BID é
derrota de Guedes

A segunda instância da Justiça
do Rio Grande do Sul manteve
ontem a proibição à veiculação
de uma reportagem da RBS TV,
afiliada da TV Globo no Estado.
A matéria jornalística investiga
eventual recebimento indevido
do auxílio emergencial do gover-
no federal por algumas pessoas
no Rio Grande do Sul. A RBS TV
informou que avalia quais medi-
das deve tomar agora. Entida-
des que representam a impren-
sa repudiaram a tentativa de
censura prévia.
A proibição foi determinada
em 15 de junho, quando o juiz
Daniel da Silva Luz, da comarca

de Espumoso (RS), concedeu li-
minar para impedir a veicula-
ção da reportagem. Ao atender
ao pedido de uma mulher, que
seria citada na matéria, ele im-
pediu a televisão de “publicar”,
“vincular” ou trazer à tona re-
portagens que envolvam a auto-
ra da ação.
Ainda de acordo com a deci-
são, o descumprimento da deci-
são vai acarretar o pagamento
de R$ 50 mil de multa.
Ontem, a desembargadora
Maria Isabel de Azevedo Souza,
da 19.ª Câmara Cível do Tribu-
nal de Justiça, indeferiu efeito
suspensivo pedido pela rede de
TV e manteve a liminar do juiz
de Espumoso. Ainda falta o jul-
gamento do mérito do recurso
pelo órgão colegiado do TJ.

Repúdio. Associações que re-
presentam as empresas jorna-
lísticas repudiaram a decisão ju-

dicial. Em nota conjunta publi-
cada na última segunda-feira, a
Associação Brasileira de Emis-
soras de Rádio e Televisão (A-
bert), a Associação Nacional de
Editores de Revistas (Aner) e a
Associação Nacional de Jornais
(ANJ) afirmam que a liminar
contra a RBS TV “impede o ple-
no exercício do jornalismo pelo
Grupo RBS” e que ela privilegia
o interesse individual, da auto-
ra da ação, em detrimento do
direito da coletividade. “A liber-
dade de imprensa e de expres-
são são direitos assegurados
constitucionalmente aos cida-
dãos brasileiros”, diz a nota.
A Associação Brasileira de Jor-
nalismo Investigativo (Abraji)
afirmou que “censura prévia é
inconstitucional e representa
ameaça à democracia”. Em no-
ta, a entidade diz que “pedir à
Justiça censura prévia sobre jor-
nalistas e publicações ou solici-
tar a retirada de conteúdo afron-
tam direitos garantidos pelo ar-
tigo 5.º da Constituição, como a
livre expressão do pensamento
e da atividade intelectual”.
A Associação Gaúcha de
Emissoras de Rádio e Televisão
(Agert) afirmou que espera que
“tal decisão seja reformada pe-
lo Poder Judiciário”.

TJ mantém censura


prévia a reportagem


da RBS TV


Ex-ministro da Educação quer liderar militância digital


Weintraub deve seguir


na defesa de Bolsonaro,


se projetar como líder da


direita e analisa disputar


eleições em 2022


Por determinação


judicial, grupos distintos


não podem mais realizar


manifestações no mesmo


horário na avenida


“Sabe-se que os ânimos dos
diferentes grupos estão
exaltados (...) em razão do
contexto político, econômico
e sanitário do País.”
Randolfo Ferraz de Campos
JUIZ

Justiça define ‘rodízio’


para atos pró e contra


Bolsonaro na Paulista


Pág. B

SERGIO LIMA/AFP-18/6/

Para bolsonaristas,


Weintraub tem


de ‘fugir’ do País


Influenciadores dizem que cargo no Banco Mundial é estratégia


para ex-ministro, alvo de inquérito no Supremo, não ser preso


Mudança. Weintraub anunciou anteontem saída do MEC para assumir cargo internacional
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