O Estado de São Paulo (2020-06-20)

(Antfer) #1

A20 SÁBADO, 20 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


FONTE: BRASIL.IO INFOGRÁFICO/ESTADÃO

EVOLUÇÃO

0 A 5 5 A 50 50 A 500 500 A 2.500 2.500 A 15 MIL ACIMA DE 15 MIL

14 DE MARÇO
100 CASOS

4 DE ABRIL
10 MIL CASOS

23 DE ABRIL
50 MIL CASOS

3 DE MAIO
100 MIL CASOS

30 DE MAIO
500 MIL CASOS

19 DE JUNHO
1 MILHÃO DE CASOS

NENHUM CASO

● Em alguns Estados, capitais tiveram explosão de casos no início, mas doença agora tem alta em municípios menores

AVANÇO NO INTERIOR

Amazonas
100%

75

50

25

0
DIA 1 DIA 120

São Paulo
100%

75

50

25

0
DIA 1 DIA 120

Pernambuco
100%

75

50

25

0
DIA 1 DIA 120

Rio de Janeiro

100%
75

50

25

0
DIA 1 DIA 120

DADOS ATÉ
O DIA 93

DADOS ATÉ
O DIA 98

DADOS ATÉ
O DIA 97

DADOS ATÉ
0 DIA 112

FONTE: MONITORACOVID-19 INFOGRÁFICO/ESTADÃO

% DE CASOS NA CAPITAL % DE CASOS NO INTERIOR

Giovana Girardi


O Brasil superou ontem a
marca de 1 milhão de infecta-
dos com o novo coronavírus.
Passados 114 dias desde o pri-
meiro caso, hoje praticamen-
te toda a população brasileira
está em risco de exposição ao
vírus. Somente o Estado de
São Paulo soma mais de 200
mil casos. A covid-19 já che-
gou a 85% dos municípios do
País (4.742), que respondem
por 98% de toda a população,
de acordo com levantamento
do projeto de transparência
de dados Brasil.io.
Desde 26 de fevereiro, o País
já somou 1.038.568 contamina-
ções (55.209 nas últimas 24 ho-
ras) e 49.090 mortes (1.221 rela-
tadas ontem), conforme o le-
vantamento do consórcio de
veículos de imprensa formado
por Estadão, G1, O Globo, Ex-
tra, Folha e UOL com as Secreta-
rias Estaduais de Saúde. O con-
sórcio surgiu quando o governo
sugeriu mudar a sistemática de
divulgação de dados – ontem, o
ministério também relatou 1 mi-
lhão de infectados.
O número, porém, é inferior
ao real, por subnotificação. Es-
tudo epidemiológico conduzi-
do pela Universidade Federal
de Pelotas, com modelo pareci-
do com o de uma pesquisa elei-
toral, observou a ocorrência de
6 pessoas infectadas para cada
uma oficialmente identificada.
O dado é válido para as 133 cida-
des onde foi feita a pesquisa,
pondera o epidemiologista Pe-
dro Hallal, coordenador do es-
tudo, e não deve ser extrapola-
do para o País. “Mas certamen-
te já estamos na casa dos mi-
lhões. Podem ser 5, 6, 9.”
A epidemia vem há algumas
semanas se interiorizando e já
se propaga mais rápido nessas
regiões do que nas capitais, co-
mo revelou o Estadão no início
de junho. Outro levantamento,
feito a pedido da reportagem pe-
lo grupo MonitoraCovid-19, da
Fiocruz, mostra que em Esta-
dos como São Paulo, Pernambu-
co e Amazonas, cujas capitais
explodiram de casos logo no co-
meço da pandemia, o interior
agora já registra mais novos ca-
sos por dia do que as cidades de
São Paulo, Recife e Manaus.
Até quarta-feira, de acordo
com o monitoramento, 70,51%
dos municípios com até 10 mil
habitantes já tinham casos de
covid-19. Entre aqueles com 10
mil a 20 mil habitantes, eram
91%, e praticamente todas as ci-
dades maiores que isso já ti-


nham registro da doença. “Nós
já passamos de 1 milhão de ca-
sos, mas em algumas cidades a
epidemia está chegando só ago-
ra – como no Centro-Oeste”,
afirma Diego Xavier, epidemio-
logista do Instituto de Comuni-
cação e Informação em Saúde
da Fiocruz. “Ainda é só o come-
ço e não sabemos onde vai pa-
rar”, diz.
O pesquisador alerta para o
risco de isso acontecer ao mes-
mo tempo em que há relaxa-
mento das medidas de isola-
mento, o que deve levar a uma
segunda onda de casos nas capi-
tais. “A saúde funciona em rede,
não de forma isolada. Não é por-
que um município está com
poucos casos que pode reabrir.
Os pacientes das cidades meno-
res vão procurar atendimento
nas maiores. Se a doença subir
de novo nas capitais, com a che-
gada ao interior, os pacientes
de lá vão precisar dos hospitais
das cidades grandes, e o risco de
as redes colapsarem é real.”

Níveis. “O País está em vários
momentos da epidemia, depen-
dendo do Estado onde se olha e,
mesmo dentro do Estado, cada
cidade pode estar de um jeito.
Os Estados Unidos cometeram
o erro de falar que a curva do
país estava caindo porque os ca-
sos de Nova York estavam em
queda, mas os outros Estados
estavam subindo”, complemen-
ta Marcia Castro, professora de
Demografia e chefe do Departa-
mento de Saúde Global e Popu-
lação da Universidade Harvard.
Xavier cita a situação do Esta-
do de São Paulo, que iniciou o
processo de reabertura no iní-
cio de junho, mas tem batido re-
cordes de casos e óbitos nos últi-
mos dias. O interior, que res-
pondia por 10,75% dos casos há
dois meses, agora já responde
por 27% do total. Cidades como

as da região de Barretos, no nor-
te do Estado, tiveram forte au-
mento de casos, e o governo de-
cidiu rebaixá-las para a fase 1 do
plano, a mais restritiva. Mas os
prefeitos recorreram à Justiça
para manter o comércio aberto.
Mesmo com o indeferimento,
pessoas estão indo às ruas.
“No estágio em que o Brasil
está, era para estarmos com por-
tas fechadas. Mas estamos em
reabertura gradual, desafiando
o vírus, promovendo o encon-
tro de infectados e pessoas sus-

cetíveis”, diz Hallal. “Precisava
ter uma ‘gordurinha’ para absor-
ver esse aumento que vai ocor-
rer. Municípios que são referên-
cia não podem pensar só neles”,
afirma Marcia.
Para a epidemiologista Maria
Amélia Veras, do Departamen-
to de Saúde Coletiva da Faculda-
de de Ciências Médicas da San-
ta Casa, o Brasil chegar a 1 mi-
lhão de casos era algo esperado
considerando as “característi-
cas do nosso modo de viver e de
lidar com a doença”. Por modo

de viver ela se refere às milhares
de habitações que abrigam mui-
tas pessoas, sem condições de
isolamento ou até hábitos de hi-
giene. “São populações que vi-
vem a necessidade de conquis-
tar o pão a cada dia, não têm
segurança alimentar, de mora-
dia. É um contingente muito
grande submetido a condições
que são muito desfavoráveis pa-
ra o controle de doença de trans-
missão respiratória, que exige
que um coletivo se comporte de
uma determinada maneira –
não somente as pessoas de mo-
do individual”, afirma.
Mas isso é só uma parte da
história. “O Brasil respondeu
mal enquanto país ao não ter
um entendimento da gravidade
do problema, ao não dar uma
resposta coordenada adequa-
da”, complementa Maria Amé-
lia. As mensagens contraditó-
rias passadas em um primeiro
momento pelo Ministério da
Saúde e pelo presidente Jair Bol-
sonaro, e a disputa com gover-
nadores e prefeitos, só piorou a
capacidade de resposta.
Olhando em retrospectiva, é
fácil ver exatamente o momen-
to em que o Brasil perdeu o con-
trole da doença. A curva de ca-
sos no País evoluiu no início da
pandemia de modo lento, prati-
camente na horizontal. Quase
todo o País tinha parado, com
Estados e municípios decretan-
do quarentena. Foi assim até o
fim de abril. Nas semanas se-
guintes, a curva se inverteu, as-
sumiu comportamento mais
vertical, o que indica a velocida-
de na transmissão da doença.
A mudança de ritmo ocorreu
pouco tempo após Luiz Henri-
que Mandetta, forte defensor
do isolamento social, deixar o
cargo de ministro da Saúde, em
16 de abril. Quando foi exonera-
do, após conflitos com Bolsona-
ro, havia cerca de 30 mil casos
confirmados no País. Seu suces-
sor, Nelson Teich, ficou no car-
go por menos de um mês. Em 15
de maio, data de sua saída, já
eram 220 mil os contaminados.
Daí, foi preciso pouco mais de
um mês até 1 milhão. A pasta
hoje está sob comando interino
do general Eduardo Pazuello.

Mundo. Além do Brasil, só os
Estados Unidos ultrapassaram
essa marca. Lá a evolução foi
mais rápida. O primeiro caso foi
registrado no dia 21 de janeiro.
Eles superaram 1 milhão de ca-
sos em 28 de abril e 2 milhões
em 10 de junho. Os EUA chega-
ram a 2,185 milhões ontem, com
mais de 118 mil mortos.

Para os especialistas ouvidos pe-
lo Estadão, não só o Brasil co-
meçou o relaxamento das medi-
das de isolamento social no mo-
mento errado, quando a curva
ainda está na ascendente, como
não tomou as medidas necessá-
rias para evitar novos surtos.
“Praticamos um distanciamen-
to brando que diminuiu a veloci-
dade da pandemia, mas não foi
suficiente para derrubar o nú-
mero de casos. E agora reabri-


mos, o que vai elevar o número
de casos e óbitos. Não fizemos a
primeira onda passar e já vamos
entrar na segunda”, comenta o
biólogo Paulo Inácio Prado, do
Instituto de Biociências da USP
e membro do Observatório Co-
vid-19 BR.
“O debate público foi toma-
do por uma polarização que fez
o distanciamento parecer um
fim em si. Ele é só um meio para
passarmos com segurança à fa-
se em que a vigilância desse con-
ta. A analogia seria primeiro
combater um grande incêndio
para depois passar à fase de con-
trolar pequenos focos”, afirma.
A fase de abertura, dizem os pes-
quisadores, depende fortemen-
te de um sistema de vigilância

com busca ativa de casos suspei-
tos, isolamento dessas pessoas,
testagem e rastreamento de
seus contatos.
Marcia Castro, do Departa-
mento de Saúde Global e Popu-
lação da Universidade Harvard,
e a epidemiologista Maria Amé-
lia Veras, que também
compõem o observatório, de-
fendem que o Brasil tem os ins-
trumentos para fazer isso com
toda a rede de atenção básica do
País formada pelos agentes co-
munitários da saúde da família,
mas não lançou mão desse re-
curso. “A maneira como o gover-
no brasileiro incorporou a rede
de serviços que já existia foi mui-
to precária. Os agentes comuni-
tários de saúde podiam estar

atuando como o que está sendo
chamado aqui em Boston (onde
fica a Escola de Saúde de Harvard,
nos EUA) de ‘detetives covid’.

Essas pessoas foram contrata-
das para rastrear os contatos de
infectados com o coronavírus”,
afirma Marcia.

“Mas no Brasil já temos esses
agentes. Eles moram nas comu-
nidades, conhecem as pessoas,
têm a confiança delas. Só preci-
sariam ter treinamento sobre
como lidar com a covid-19, para
fazer coleta de sangue, receber
equipamento de proteção”, con-
tinua a especialista. “Se isso ti-
vesse sido feito, eles poderiam
fazer busca ativa de idosos, indi-
car onde há casas com sem aces-
so à água, onde tem casas com
muitos moradores e que não po-
dem fazer isolamento. E, acima
de tudo, poderiam estar ras-
treando os contatos, coisa que
não estamos fazendo. No mo-
mento em que as cidades estão
reabrindo, isso seria importan-
te para ajudar na vigilância de
novos casos. Eles teriam condi-
ções de detectar o momento
em que as pessoas começam a
ter os primeiros sintomas.” / G.G.

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É o que apontam os dados do consórcio da imprensa; o Estado de São Paulo ultrapassou 200 mil registros. Levantamento dos relatos


municipais, feito pelo projeto de dados Brasil.io, indica que 98% da população do País está em áreas onde já circula o novo coronavírus


Para especialistas, faltaram medidas para evitar novos surtos


Compra de testes pelo governo federal trava. Pág. A21 }


“O perigo de reabrir quando
ainda há ocupação alta nos
hospitais é haver nova onda
na capital ao mesmo tempo
em que a demanda se torna
mais alta, com pacientes de
outros municípios, que
dependem da capital para
ter acesso a leito.”
Márcia Xavier
ESPECIALISTA EM SAÚDE GLOBAL
DA UNIVERSIDADE HARVARD

País passa de 1 milhão de infectados e


a covid-19 já está em 85% das cidades


Metrópole


TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO–11/6/

Os agentes de saúde da


família, por exemplo,


poderiam ter sido usados
para fazer a busca ativa


de infectados


Shopping. Reabertura ocorreu em curva ainda ascendente
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