O Estado de São Paulo (2020-06-20)

(Antfer) #1

A22 Metrópole SÁBADO, 20 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


FERNANDO


REINACH


O


s sintomas iniciais da infec-
ção por SARS-CoV-2 lem-
bram uma gripe. Isso con-
fundiu epidemiologistas e sistemas
de saúde no início da pandemia.
Eles sabiam de longa data que o ví-
rus da gripe ataca preferencialmen-
te crianças e jovens até os 20 anos e
os adultos são mais resistentes. Já
os efeitos mais severos e os casos de
morte ocorrem principalmente na
população mais velha, a partir dos
65 anos. Ou seja, a suscetibilidade
diminui e a severidade aumenta
com a idade. Essa característica faz
com que a contaminação das crian-
ças nas escolas seja uma das princi-
pais fontes de disseminação do ví-
rus da gripe na população. Foi esse
conhecimento que levou países a
imediatamente fechar escolas na es-
perança de que essa medida ajudas-
se a conter o espalhamento do vírus.

Mas não demorou muito para desco-
brirem que a covid-19 não é uma gripe-
zinha. Epidemiologistas observaram
que poucas crianças abaixo de 15 anos
pareciam ser contaminadas pelo
SARS-CoV-2 e casos graves de covid-
19 entre crianças eram raros. Os casos
aumentavam a partir dos 15 anos e atin-
giam seu máximo a partir dos 25 anos.
Ou seja, a suscetibilidade aumenta
com a idade, o contrário do que aconte-
ce com o vírus da gripe. O que estaria
acontecendo com as crianças?
Esse problema foi em grande parte
resolvido em um estudo cuidadoso e
detalhado em que o progresso da doen-
ça foi comparado em diversas cidades
em que a frequência de crianças entre
os habitantes varia muito. Existem
duas possibilidades para explicar o pe-
queno número de crianças com a doen-
ça. Ou muitas crianças simplesmente
não se infectam (são resistentes ao ví-

rus) ou então elas se infectam, mas não
apresentam sintomas (são assinto-
máticas). Essas duas possibilidades
têm consequências muito diferentes.
Se elas são resistentes, fechar escolas
não faz sentido pois as escolas não são
locais de propagação do vírus. Já se são
assintomáticas, as crianças podem
contrair e transmitir o vírus, e escolas
seriam locais onde, pela a interação en-
tra crianças, o SARS-CoV-2 poderia mi-
grar de um núcleo familiar a outro.
Foi para verificar qual dessas hipóte-
ses é correta (ou uma combinação de
ambas) que um grupo de epidemiolo-
gistas comparou o espalhamento do ví-
rus em cidades com diferentes quanti-

dades de crianças (ou seja, com pirâmi-
des etárias distintas). Entre as cidades
analisadas estão Milão, onde a popula-
ção de crianças é pequena (mediana
das idades de 43, ou seja, metade da
população tem menos de 43 anos), Bir-
mingham com uma mediana de 30
anos e Bulawayo, no Zimbábue, onde
as crianças predominam (metade da
população tem menos de 15 anos de

idade). Você pode imaginar que se nes-
sas três cidades, caso as crianças sejam
resistentes ou assintomáticas, os nú-
meros de casos em cada faixa etária ao
longo do tempo será muito diferente.
Assim os cientistas construíram mode-
los matemáticos que previam o que te-
ria acontecido em cada uma dessas ci-
dades se as crianças fossem resisten-
tes ou se elas fossem assintomáticas.
Os cientistas descobriram que usan-
do os mesmos parâmetros, o modelo
explica o espalhamento do vírus nas
diferentes cidades. Esse modelo que
explica a disseminação do vírus nas di-
ferentes cidades assume que as crian-
ças são parcialmente resistentes ao ví-
rus e, quando infectadas, muitas são
assintomáticas. Como esse modelo ex-
plica o que aconteceu em cidades com
culturas, hábitos e genética distintas,
podemos concluir que os parâmetros
usados nesses modelos explicam co-
mo o vírus interage com as crianças em
todos esses ambientes.
O que eles descobriram, de forma
simplificada, é o seguinte: pessoas
com menos de 20 anos são duas vezes
mais resistentes ao vírus que pessoas
com mais de 20. Ou seja, o vírus tem o
dobro de dificuldade de infectar pes-
soas com menos de 20 anos. Portanto,
há menos casos entre os jovens. Além

disso, entre os que contraem o ví-
rus, só 21% dos jovens entre 10 e 19
anos manifestam sintomas. Já nas
pessoas com mais de 70, 69% apre-
sentem os sintomas da covid-19. A
conclusão é de que crianças e jovens
são parcialmente resistentes e, em
grande parte, assintomáticas.
A descoberta demonstra, como
explicam os autores, que fechar es-
colas não é um fator importante pa-
ra conter o espalhamento do vírus
como imaginado inicialmente. Tam-
bém demonstra que controlar o es-
palhamento do vírus nas escolas é
muito difícil pois a grande maioria
das crianças infectadas não apresen-
ta sintomas apesar de transmitir a
doença. Essa descoberta vai dar mui-
ta dor de cabeça aos governantes
que têm a responsabilidade de deci-
dir se mantêm as escolas fechadas
ou abertas nos próximos meses.

]
MAIS INFORMAÇÕES: AGE-DEPENDENT
EFFECTS IN THE TRANSMISSION AND CON-
TROL OF COVID-19 EPIDEMICS. NATURE
MEDICINE
HTTPS://DOI.ORG/10.1038/S41591-020-
0962-9 (2020)

É BIÓLOGO

Além da temperatura, da oxige-
nação no sangue e da frequên-
cia cardíaca, a voz pode se tor-
nar um parâmetro para ajudar a
identificar mais rapidamente
pacientes com suspeita de co-
vid-19. Por meio da análise da
fala, pesquisadores apoiados pe-


la Fapesp pretendem detectar a
insuficiência respiratória, um
dos principais sintomas da
doença. O projeto, batizado de
Spira – sigla de Sistema de De-
tecção Precoce de Insuficiência
Respiratória por meio de Análi-
se de Áudio –, está sendo desen-
volvido com apoio do Hospital
das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de
São Paulo (HC-FM-USP).
“A ideia é identificar pela voz
se uma pessoa que está falando
ao telefone ou na frente da tela
de um computador, por exem-

plo, apresenta um nível de insu-
ficiência respiratória que indi-
que a necessidade de ir imedia-
tamente para um hospital para

ser avaliada por uma equipe
médica”, disse à Agência Fa-
pesp Marcelo Finger, professor
do Instituto de Matemática e Es-

tatística (IME) da USP e coorde-
nador do projeto.
Para desenvolver o sistema,
os pesquisadores criaram um
programa para coletar grava-
ções de frases como “o amor ao
próximo ajuda a enfrentar o co-
ronavírus com a força de que a
gente precisa”, lidas por pacien-
tes com covid-19 internados no
Hospital das Clínicas. As amos-
tras de voz coletadas serão com-
paradas com as de pessoas sem
a doença para identificação de
padrões diferentes por progra-
mas baseados em inteligência
artificial.
Por meio de técnicas de
aprendizado de máquina, como
de redes neurais, o sistema
aprenderá a identificar se uma
pessoa apresenta insuficiência

respiratória pela quantidade de
pausas, respirações e outros pa-
drões presentes na voz ao profe-
rir uma sentença, por exemplo.
Ao constatar que a pessoa apre-
senta insuficiência respirató-
ria, o sistema emitirá um alerta
para o profissional de saúde
que está monitorando o pacien-
te remotamente entrar em con-
tato com ele ou com seu acom-
panhante para encaminhá-lo a
um hospital.

Triagem. “A ideia é que o siste-
ma facilite o trabalho de tria-
gem dos pacientes pelas equi-
pes médicas, principalmente
no momento atual, em que o sis-
tema de saúde está sobrecarre-
gado”, afirma Finger. / ELTON
ALISSON, AGÊNCIA FAPESP

José Maria Tomazela


O movimento voltou às
praias do litoral norte de São
Paulo ontem, quando a re-
gião ultrapassou a marca de
mil pessoas infectadas pelo
novo coronavírus. Na maio-
ria das cidades, as faixas de
areia foram reabertas e os
quiosques já funcionam. As
praias estavam fechadas para
banhistas desde o fim de mar-
ço. Os quatro municípios da
região somam 1.003 casos e 36
mortes pelo vírus. Em um
mês, o número de óbitos au-
mentou 400%, mesmo com a
taxa de isolamento acima da
média estadual – 53%, ante
46% do Estado nesta sexta.
A prefeitura de Caraguatatu-
ba publicou decreto na quinta-
feira, permitindo o funciona-
mento de bares, restaurantes e
quiosques por seis horas diá-
rias, duas a mais que o permiti-
do pelo plano estadual de rea-
bertura. A medida inclui salões
de beleza e academias de gi-
nástica. A prefeitura informou
que seus técnicos concluíram
que abrir o comércio durante
quatro horas, como manda o
Plano São Paulo, causa mais
aglomeração do que em horário
mais longo. As lojas de rua
abrem das 11 às 17 horas e as de
shoppings, das 14 às 20 horas,
com limitação de 20% da capaci-
dade. Os estabelecimentos po-
dem abrir duas horas antes para
atender idosos.
Os quiosques de praia foram


autorizados a montar até dez
mesas para quatro pessoas,
com 1,5 metro de distância. Ho-
téis e pousadas funcionam com
limite de 40% na ocupação.
“Nossa prioridade continua
sendo preservar vidas e por isso
estipulamos horários diferen-
ciados para evitar aglomera-
ções”, explicou o prefeito Agui-
lar Junior (MDB). Caraguatatu-
ba registrava ontem 309 infecta-
dos e 22 mortes por covid-19.
Em São Sebastião, com 455 ca-
sos e cinco mortes, a prefeitura
liberou atividades ao ar livre, in-
cluindo as praias. O turismo
náutico foi autorizado com me-

tade da lotação das embarca-
ções. Academias de ginástica e
escolas de natação podem aten-
der com personal. Os restauran-
tes, inclusive quiosques, funcio-
nam de segunda a sexta-feira,
das 11 às 15 horas, com 30% da
capacidade. O self-service con-
tinua vetado. Hotéis e pousadas
já podem receber hóspedes até
a metade da lotação.
A prefeitura de Ubatuba rea-
briu as praias para esportes
aquáticos. Os quiosques tam-
bém voltaram a atender por deli-
very e à la carte, mas sem a colo-
cação de mesas na faixa de
areia. Os hotéis ainda não po-
dem receber hóspedes – o retor-
no está previsto para 1.º de ju-
lho. O comércio em geral abre
de segunda a sexta-feira, até as
19 horas. “Estamos seguindo os
protocolos sanitários do gover-
no estadual”, disse o prefeito
Delcio Sato (PSD). A cidade
tem 107 casos positivos e sete
óbitos pelo coronavírus.
O secretário de Desenvolvi-
mento Regional do Estado, Mar-
co Vinholi, representante do
Conselho Municipalista no co-
mitê estadual da covid-19, disse
que o governo de São Paulo indi-
ca o cumprimento da fase deter-
minada pelo Centro de Contin-
gência para resguardar a vida da
população. “Mesmo com boas
taxas de isolamento, as ativida-
des com maior risco de contá-
gio, como bares e restaurantes,
poderão produzir um efeito de
crescimento da pandemia nos
municípios”, afirmou.

Sistema busca identificar


a covid-19 pela voz


E-MAIL: [email protected]

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Alerta máximo
Abertos apenas serviços essenciais, como
supermercados e farmácias
Controle
É permitida a abertura de shoppings e do comércio
de rua, com protocolos
Flexibilização
Também podem abrir bares, restaurantes, salões
de beleza e barbearias

FA S E

1

FA S E

2

FA S E

3

PLANEJAMENTO

Panorama do Estado de São Paulo – visão por Departamento
Regional de Saúde (DRS)
FASE 1 FASE 2 FASE 3

SÃO PAULO

GRANDE
SÃO PAULO

CAMPINAS

PIRACICABA
BAURU

RIBEIRÃO
PRETO

BARRETOSFRANCA

SÃO JOÃO
DA BOA
VISTA

SOROCABA

PRESIDENTE
PRUDENTE

ARAÇATUBA

SÃO JOSÉ
DO RIO PRETO

MARÍLIA

TAUBATÉ

REGISTRO

BAIXADA
SANTISTA

ARARAQUARA/
SÃO CARLOS

Em 27/5

Em 10/6

FONTE:GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO INFOGRÁFICO/ESTADÃO

SÃO PAULO

GRANDE
SÃO PAULO

CAMPINAS

PIRACICABA
BAURU

RIBEIRÃO
PRETO

BARRETOSFRANCA

SÃO JOÃO
DA BOA
VISTA

SOROCABA

PRESIDENTE
PRUDENTE

ARAÇATUBA

SÃO JOSÉ
DO RIO PRETO

MARÍLIA

TAUBATÉ

REGISTRO

BAIXADA
SANTISTA

ARARAQUARA/
SÃO CARLOS

Em 19/6

SÃO PAULO

GRANDE
SÃO PAULO

CAMPINAS

PIRACICABA
BAURU

RIBEIRÃO
PRETO

BARRETOSFRANCA

SÃO JOÃO
DA BOA
VISTA

SOROCABA

PRESIDENTE
PRUDENTE

ARAÇATUBA

SÃO JOSÉ
DO RIO PRETO

MARÍLIA

TAUBATÉ

REGISTRO

BAIXADA
SANTISTA

ARARAQUARA/
SÃO CARLOS

lEm Ilhabela, com 132 casos e
dois óbitos, o acesso às praias foi
liberado para a prática esportiva,
mas de forma individual ou, no
máximo, em dupla. As marinas
voltaram a funcionar. Bares, res-
taurantes, lanchonetes e salões
de beleza funcionam desde a se-
gunda. A abertura para turistas
está prevista para 1.º de julho.
Ilhabela adotou medidas restri-
tivas mais rigorosas, o que expli-
caria os menores índices de co-
vid-19. A prefeitura ainda barra a
entrada de turistas, mas liberou
o acesso de proprietários de ca-
sas de veraneio e pessoas da fa-
mília, entre terça e quinta.

Por meio da análise da


fala, pesquisadores


apoiados pela Fapesp


pretendem detectar a


insuficiência respiratória


Campinas e


Sorocaba vão


fechar comércio


Casal de idosos se recupera da covid-19. Pág. A23 }


Crianças e jovens são
parcialmente resistentes e, em
grande parte, assintomáticos

Ilhabela prevê


turistas só em julho


INGRID ANNE/PREFEITURA DE MANAUS–21/5/2020

Atendimento. Análise de dados utiliza inteligência artificial

Prefeituras do interior paulista
reagiram de formas diferentes à
reclassificação de regiões anun-
ciada nesta sexta-feira pelo go-
verno estadual frente à pande-
mia do novo coronavírus. Rebai-
xada à faixa vermelha, a de
maior restrição, a prefeitura de
Registro anunciou que vai à Jus-
tiça para continuar na faixa la-
ranja. Já a prefeitura de Campi-
nas, que foi advertida sobre o
risco de rebaixamento, mas con-
tinua na faixa laranja, decidiu fe-
char o comércio a partir de se-
gunda-feira. O Plano São Paulo
rebaixou também a região de
Marília para a faixa mais restri-
ta, mas a prefeitura não preten-
de fazer a mudança, só ampliar
a fiscalização. A prefeitura de
Sorocaba, advertida sobre o ris-
co de regressão da laranja para a
vermelha, fechará o comércio.
A região de Registro foi rebai-
xada da fase laranja para a ver-
melha, a mesma que ocupava há
duas semanas. A cidade-sede
tem 229 casos e 7 óbitos pelo
coronavírus – há um mês eram
53 casos e 4 mortes. O prefeito
de Registro, Gilson Fantin
(PSDB), disse que vai à Justiça
para impedir a volta. “Fomos
surpreendidos com essa reclas-
sificação estadual para a faixa
vermelha. Já mobilizamos a Se-
cretaria de Assuntos Jurídicos
para buscar na Justiça uma limi-
nar que mantenha Registro e to-
da região na faixa laranja. Te-
mos documentos oficiais que
mostram que, nos últimos dez
dias, permanecemos com 30%
de ocupação de leitos de enfer-
maria e 20% dos leitos de UTI.”
O prefeito de Campinas, Jo-
nas Donizette (PSB), mesmo
sem ter sido ainda notificado pe-
lo comitê, decidiu baixar decre-
to fechando o comércio de rua e
dos shoppings por uma sema-
na, a partir de segunda-feira. “É
a atitude mais acertada pelo al-
to índice de ocupação de leitos
e para salvaguardar a vida das
pessoas. O momento exige iso-
lamento maior.” / J.M.T.

Com mil casos,


litoral norte reabre


praias e quiosques


Para secretário estadual, atividades com maior risco de contágio,


como bares e restaurantes, podem levar a mais registros


As crianças e a covid- 19

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