O Estado de São Paulo (2020-06-20)

(Antfer) #1

H2 Especial SÁBADO, 20 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


SONIA RACY


DIRETO DA FONTE


Colaboração
Cecília Ramos [email protected]
Marcela Paes [email protected]

Mariane Morisawa
ESPECIAL PARA O ESTADO


Como outras roteiristas de sua
geração, seja Phoebe Waller-
Bridge ou suas amigas Lena Du-
nham e Issa Rae, Michaela
Coel busca inspiração em sua
própria vida. Em Chewing Gum,
usou sua experiência como
adolescente religiosa para fa-
lar do despertar da sexualida-
de. Em I May Destroy You, que
já está disponível na HBO, Mi-
chaela trata do abuso sexual
que sofreu quatro anos atrás.
“Jamais senti medo ou senti
que não deveria contar essa his-
tória”, disse, em entrevista
com participação do Estadão,
via Zoom, direto de Londres.
Era uma noite de muito traba-
lho, com prazo apertado para
entregar um dos episódios de
Chewing Gum – Coel chega a es-
crever por 40 horas seguidas,
“sem fazer xixi ou levantar, até
as pernas ficarem inchadas”.
Mas, naquela noite, ela decidiu
fazer uma pausa e encontrar
amigos. De volta à sua escrivani-
nha, sentindo-se meio fora de
órbita, teve um flash de um ho-
mem desconhecido. A cena apa-
rece quase sem diferenças em I
May Destroy You,
em que ela inter-
preta Arabella.
Em vez de rotei-
rista, a persona-
gem é a escritora
de um livro de su-
cesso que tenta
dar um segundo
passo em sua carreira.
“Eu tendo a escrever a partir
da realidade. É instintivo”, dis-
se. “Mas eu fico me perguntan-
do se nesse caso foi minha ma-
neira de me desassociar de algo
traumático. Dando um passo pa-
ra trás, pude entender e proces-
sar a uma distância segura.” Pa-
ra ela, escrever I May Destroy
You foi catártico. “Eu faço tera-


pia e não acho que tenha sido
uma substituta”, afirmou.
“Mas foi uma montanha-russa
de emoções. É muito recom-
pensador poder escrever uma
história baseada no passado,
sentir toda a dor,
mas também per-
ceber que estou
aqui no presen-
te, podendo sen-
tir a dor do passa-
do, ou seja, que
eu sobrevivi àqui-
lo. É uma sensa-
ção maravilhosa.”
Sua determinação de mostrar
a realidade faz com que a série
tenha detalhe que não se costu-
ma ver na televisão, principal-
mente no caso de personagens
femininas, como sexo durante
o período menstrual e idas ao
banheiro. “O banheiro se tor-
nou muito importante para
mim quando estava escrevendo

porque é um espaço privado, e a
série inteira é sobre a violação
desse espaço privado”, expli-
cou. “Será que você queria que
aquela porta fosse aberta? Al-
guém forçou a porta quando es-
tava fechada?”, questionou ela.
Apesar de lidar com um assun-

to doloroso, a série não é um
drama do começo ao fim. Sua
estrutura é toda fragmentada,
uma espécie de enigma a ser de-
cifrado. O espectador faz desco-
bertas do que aconteceu e de co-
mo lidar com o que houve junto
com a personagem. Flashbacks

também mostram outros aspec-
tos da vida de Arabella que, co-
mo a maioria dos jovens, gosta
de se divertir com seus amigos
Terry (Weruche Opia), uma
atriz aspirante, e Kwame (Paa-
pa Essiedu), e de namorar. Há
também muito humor. “Em ca-

da elemento de dor, o humor
simplesmente aparece, sem
convite. É parte de mim. Não
sei como escrever sem um pou-
co de humor.”
É dona de uma voz particular.
Filha de imigrantes de Gana, pa-
ra onde seu pai voltou, foi cria-
da pela mãe, que conseguiu se
formar em enfermagem traba-
lhando como faxineira em Lon-
dres. Quando estava crescen-
do, não via pessoas como ela na
TV. Seu contato com as artes
veio das aulas gratuitas aos sába-
dos no teatro perto da escola.
Depois, apaixonou-se pela dan-
ça do grupo de hip-hop Boy
Blue e decidiu que, como eles,
queria contar histórias. “Sem-
pre tive uma fé cega, nunca
achei que não ia dar certo”, dis-
se ela, que atribui isso à sua reli-
giosidade – ela se tornou cristã
aos 18, mas abandonou a igreja
por não aceitar suas visões so-
bre homossexuais. Hoje, ela es-
creve, produz e dirige seus pró-
prios trabalhos, chefiando uma
equipe inteira. “A ficha caiu
quando vi que aquelas pessoas
reunidas ali confiavam em
mim. Isso dá muito medo. Per-
cebi que tinha de ouvir muito,
porque, quando eu falasse, ti-
nha de ser importante.”
Michaela Coel pode ser o es-
pelho para muitas meninas ne-
gras, de famílias de imigrantes e
classe trabalhadora. E, quem sa-
be, ajudar as pessoas a se sentir
menos sozinhas, ainda mais nes-
se momento. “Eu sinto estar fa-
lando para as partes de nós que
sabem que em algum momento
de nossas vidas fomos injustiça-
dos”, disse. “Alguém nos rou-
bou nosso consentimento, ou ti-
rou vantagem, nos explorou.
Quero encorajar todos que se
sentem assim a encontrar uma
maneira de dormir à noite – por-
que, às vezes, a dor e a raiva po-
dem impedir. Algo em mim es-
pera que as pessoas entendam
que elas merecem uma boa noi-
te de sono e que devem buscar
isso acima de tudo.”

lEm tempos de covid-19,
começa hoje, totalmente onli-
ne, o desfile da Fashion
Weekend Kids em Casa. Organi-
zado por Ana Cury.

lA Colgate-Palmolive ajuda
na campanha #SafeHands da
OMS, ensinando a lavar mãos
e produzindo sabonetes emba-
lados. Das 25 milhões de uni-
dades doadas pelo mundo, 1,7
milhões ficarão no Brasil.

l Obras de 40 artistas serão
vendidas hoje, pelo Insta-
gram @acaoarteafago, por
R$ 300 cada uma. A arrecada-
ção irá socorrer famílias da
comunidade de Vila Apareci-
da, na Zona Sul de SP, por
meio da ONG Afago.

RESPONSABILIDADE


SOCIAL


Blog: estadão.com.br/diretodafonte Facebook: facebook.com/SoniaRacyEstadao Instagram: @colunadiretodafonte

POLAROID
Quarentena para Cris Arcangeli
virou tempo de desenvolver
projetos. Além da Maratona de
Empreendedorismo online –
iniciativa de arrecadação de
alimentos – a empresária criou um
braço de venda direta de produtos
de beleza durante a pandemia. A
ideia é dar a oportunidade para
quem ficou desempregada durante
essa crise da covid-19 de obter uma
renda extra.

Verde


A Formula E lançou em suas pla-
taformas digitais o documentá-
rio And We Go Green – isto é, se-
remos verdes.

O filme, que estreou no Festival
de Cannes de 2019, dirigido por
Fisher Stevens e produzido
por Malcolm Venville e Leo-
nardo DiCaprio, usa imagens
de bastidores de competição de
carros elétricos mostrando ser
possível construir um Planeta
mais sustentável.

Raio X


A Sociedade Brasileira de Radio-
logia Intervencionista e Cirur-
gia Endovascular promoveu es-
ta semana, a primeira Sobrice
Solidária, doando 200 cestas
básicas para Brasilândia. Seu
presidente, Marcos Menezes,
espera outras contribuições.

Bolsonaro será...


A proibição do uso de cloro-
quina nos EUA, pela Anvisa
local, esta semana, pegou o
governo Trump de calças...
longas. Segundo dados ofi-
ciais americanos, foram com-
prados pelo governo Trump


  • e estão em estoque – nada
    menos que... 66 milhões de
    comprimidos.


E no Brasil? Assessoria do Mi-
nistério da Saúde informou
que adquiririam 3 milhões de
comprimidos da Fundação
Oswaldo Cruz e um milhão
do laboratório do Exército.

Do total, 2,9 milhões já fo-
ram distribuídos.

Trump amanhã?


E mais: o ministério sem minis-
tro – o general Eduardo Pa-
zuello ainda é interino – diz
que estão “intensificando a pro-
dução da cloroquina nos labo-
ratórios brasileiros e fazendo
contatos internacionais para
trazer ao Brasil o princípio ati-
vo da hidroxicloroquina, hoje
em falta em todo o mundo”.

Lá e cá


A Assembleia paulista publi-
cou ato no Diário Oficial,
quarta-feira, que autoriza a
retomada dos trabalhos, ago-
ra online, de 10 CPIs paradas
por conta da covid-19.

Entre elas, a da fake news.

Lá e cá 2


Pelo que se apurou, a retoma-
da foi ‘incentivada’ pelo resul-
tado da ‘batida’ da PF na
Alesp, dia 27 de maio, quando
apreendeu-se computadores
no gabinete de Douglas Gar-
cia – o deputado (PSL) foi in-
cluído no inquérito do STF.

Douglas ainda é membro da...
CPI estadual da fake news.

A DOR EXPOSTA EM


DANIELA RAMIRO/ESTADÃO

Guto Lacaz define brincando a forma como passa o período de isolamento social: cárcere privado.
“Minha família me proíbe de sair”, ri. Nesse momento triste, o artista tenta arrumar formas de passar
pela situação da melhor maneira. “Bons filmes, novas ideias e o sol da manhã, tornaram esses dias
suportáveis. Gosto também de observar as trajetórias dos insetos e as plantinhas que nascem entre
as pedras do quintal. Quem diria que um vírus fosse parar o Planeta no auge da cultura digital?”

ELA TAMBÉM SE


INSPIROU EM SUA


VIDA PARA FAZER


‘CHEWING GUM’


IARA MORSELLI/ESTADÃO

LAURA RADFORD/HBO

Caderno 2


Em ‘I May Destroy You’, a roteirista britânica Michaela


Coel trata do abuso sexual que sofreu quatro anos atrás


SÉRIE


Estrela. Também atriz, Michaela Coel vive Arabella e diz que foi recompensador escrever a história e perceber que sobreviveu
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