O Estado de São Paulo (2020-06-21)

(Antfer) #1

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A10 Política DOMINGO, 21 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


J. R.


GUZZO


O


Brasil não é, positivamente,
um país para distraídos. A
verdade que vale hoje pode
não estar valendo nada amanhã – e
se o sujeito não presta muita aten-
ção nas mudanças súbitas que fa-
zem o certo virar errado e o errado
virar certo vai acabar andando fora
do passo. Até outro dia, quando ha-
via por aqui algo chamado Opera-
ção Lava Jato e os corruptos viviam
no medo de acordar com o cambu-
rão da Polícia Federal na sua porta,
era exigida das autoridades públi-
cas, como se exige de um muçulma-
no diante de Alá, uma obediência

cega, surda e muda ao “direito de defe-
sa”. Hoje, quando a grande atração em
cartaz é o combate ao que se considera
ameaças à democracia, e quem está
aflito com a PF são os suspeitos de
extremismo de direita, o que se cobra
da Justiça é o contrário – vale passar
por cima da lei e de seus detalhes incô-
modos para punir tudo o que possa ser
descrito como “fascismo”.
Trocaram os polos da pilha – de ne-
gativo para positivo e vice-versa. O
primeiro dos dez mandamentos, nos
tempos de Lava Jato, era: é preciso
combater a corrupção, sim, mas des-
de que as leis sejam respeitadas em

suas miudezas mais extremadas. O
problema do Brasil, na época, não era
o saque ao erário e a punição dos la-
drões; era a possibilidade de haver o
mais delicado arranhão em qualquer
direito dos acusados. Muito melhor
deixar um culpado sem castigo do
que correr o mínimo risco de punir
alguém se não for cumprido tudo o
que as milhões de leis em vigor no
país oferecem em sua defesa. O pri-
meiro mandamento, hoje, é o oposto:
não se pode ficar com essa história de

“cumprir a lei” ao pé da letra, pois “a
democracia tem de estar acima de tu-
do”. Os direitos dos acusados não
vêm mais ao caso.
Onde foram parar os “garantistas”?
Você talvez ainda se lembre deles:
eram os ministros do STF, advogados

de corruptos milionários e toda uma
multidão de juristas amadores que acu-
savam a Lava Jato de desrespeitar o
direito de defesa, exigiam que suas de-
cisões fossem anuladas e pediam puni-
ção para o juiz Sérgio Moro e os procu-
radores da operação. O ministro Gil-
mar Mendes chamou a Lava Jato de
“operação criminosa” e acusou a PF da
prática de “pistolagem”. Também dis-
se que “a República de Curitiba é uma
ditadura de gente ordinária” e que a
Lava Jato foi “uma época de trevas”. O
presidente do STF, Antônio Dias Tof-
foli, acusou a operação de “destruir
empresas”. Seu colega Marco Aurélio
Mello disse não queria ser substituído
por Moro quando se aposentasse.
Temos agora, o episódio dessa mo-
ça que se descreve como “ativista” de
direita e foi presa por um mínimo de
cinco dias sob a acusação de atentar
contra a Lei de Segurança Nacional.
Sara xingou a mãe do ministro Alexan-
dre de Moraes; disso não há dúvida.
Mas desde quando xingar a mãe de

ministro ameaça a segurança do
Brasil, ou de qualquer país? O cri-
me, aí, se a Justiça assim o decidir, é
o de injúria, previsto no artigo 140
do Código Penal. Não pode ser ou-
tro – e para ele a lei não prevê prisão
temporária de cinco dias, nem de
mais e nem de menos. Conclusão:
extremistas de direita devem ter
menos direitos que extremistas de
esquerda, ou que delinquentes de
outros tipos.
Da mesma forma, há muito escân-
dalo porque o grupo de Sara foi sol-
tar rojões na frente do STF. Mas nin-
guém achou que a segurança nacio-
nal foi ameaçada quando picharam
de vermelho o prédio da ministra
Cármen Lúcia, dois anos atrás, em
Belo Horizonte – ou quando mani-
festantes “a favor da democracia” e
“contra o fascismo” jogam pedra na
polícia, destroem propriedade e to-
cam fogo em bancas de jornal. O
que se condena, no Brasil de hoje,
não é o que foi feito. É quem faz.

Bolsonarismo consegue resistir ao coronavírus?


l]
CARLOS PEREIRA
AMANDA MEDEIROS
FREDERICO BERTHOLINI

Eventos como a pandemia
podem estremecer apoio
ao presidente, principalmente,
nos eleitores que perderam
parentes ou amigos

E-MAIL: [email protected]
J.R. GUZZO É JORNALISTA E ESCREVE
AOS DOMINGOS

J


á se passaram quase 90 dias des-
de que as medidas de isolamento
social tiveram início. Após esses
três meses distante de amigos, fami-
liares, trabalho e escola, seria mais do
que natural observar sinais de cansa-
ço com o distanciamento social.
Para piorar a situação, muitos bra-
sileiros perderam o emprego e vá-
rios empresários têm sofrido enor-
mes prejuízos financeiros, com ris-
cos reais de quebra de seus negó-
cios. O IBRE FGV estima uma redu-
ção em torno de 10% da atividade
econômica nesse período. A proje-
ção para o PIB deste ano é de -6,4% e
do desemprego é de 18,7%.
Diante deste cenário, era de se es-
perar redução drástica do apoio da
população às medidas de isolamen-
to social. Entretanto, de forma mui-
to similar aos resultados obtidos na
primeira rodada da pesquisa de opi-
nião (realizada entre 28/3 e 4/4), a
segunda rodada da pesquisa, tam-
bém realizada com o apoio do Esta-
dão entre 28/5 a 5/6, mostrou que a
maioria dos brasileiros (82% da nos-
sa amostra de 7.020 pessoas em to-
dos os estados brasileiros) continua
a dar apoio total ou parcial ao isola-
mento social.
A maior parte dos respondentes
de esquerda, centro-esquerda e cen-
tro continuam sendo favoráveis ao
isolamento social. A avaliação do de-
sempenho do presidente na pande-
mia foi ainda mais negativa entre es-
ses eleitores. Os respondentes de
centro-direita também aumenta-
ram o apoio ao isolamento e passa-
ram a avaliar ainda mais negativa-
mente o desempenho de Bolsonaro.
Por outro lado, os eleitores de direi-
ta reduziram expressivamente o
apoio ao isolamento e reduziram a
avaliação negativa da performance
de Bolsonaro.
Com exceção de uma parcela dos
eleitores de direita, a polarização po-
lítica parece ter enfraquecido no
Brasil com a covid-19. A maioria dos
eleitores da centro-direita e segmen-
tos expressivos da direita apoiam o
isolamento social e têm um posicio-
namento crítico à performance de
Bolsonaro durante a pandemia.

Que “direita” é essa?. Sugerimos a
existência de dois grupos principais
de eleitores de Bolsonaro. Um gru-
po, que denominamos de identitá-
rios, seria mais orgânico/coeso e
ofertaria suporte ao governo porque
acredita no projeto político e nos va-
lores conservadores do presidente.
O outro grupo, denominado prag-
mático, ofertaria um apoio mais cir-
cunstancial ao governo na medida
em que Bolsonaro fosse capaz de pro-
porcionar o que lhes interessa: políti-
cas econômicas liberais, combate à
corrupção e contenção do petismo.
Para examinar mais de perto as
diferenças nesses, convidamos os
respondentes a escolher entre qua-
tro pares de candidatos hipotéticos
à Presidência em 2022, cada um de-

les representando agendas polares: 1.
Visão de mundo (conservadora com
apego a valores morais e da família vs.
Progressista com ênfase nos direitos
das minorias); 2. Pauta (inclusão so-
cial vs. combate à corrupção); 3. Políti-
ca econômica (desenvolvimentista vs.
liberal); e 4. Partidos (proposta de go-
vernar com ou sem aliança com os par-
tidos políticos).
Os eleitores de centro-direita e de
direita que avaliam positivamente a
performance do presidente valorizam
mais a pauta de costumes e são bastan-
te conservadores. Preferem que seu
candidato à Presidência em 2022 go-
verne sem alianças com os partidos,
priorize a luta contra a corrupção, de-
fenda uma menor participação do esta-
do na economia e lute a favor de valo-

res conservadores baseados na moral
e na família. Aqueles que o avaliam mal
são menos extremos em todas as di-
mensões e valorizam as políticas eco-
nômicas liberais acima de qualquer ou-
tro aspecto.
Como seria o comportamento elei-
toral dos respondentes que se autode-
nominam de centro-direita e direita
na eleição em 2022? Consolidamos as
respostas em três grupos: 1. Com certe-
za ou muito provavelmente votaria em
Bolsonaro; 2. Reelegeria o presidente
para evitar a vitória o PT ou de outro
candidato de esquerda; e 3. Não vota-
ria em Bolsonaro de jeito nenhum.
A maioria dos eleitores votaria em
Bolsonaro seja por convicção identitá-
ria (38%), seja por pragmatismo estra-
tégico para evitar a vitória da esquerda

(40%). O maior contingente desses
eleitores, especialmente os identitá-
rios convictos, são conservadores nos
costumes e a favor de uma menor pre-
sença do Estado na economia. Os que
votariam em Bolsonaro para evitar a
esquerda, respondentes mais progres-
sistas, preferem candidatos que defen-
dam os direitos de minorias a pautas
morais e familiares. Já os eleitores de
centro-direita e de direita que apresen-
tam uma maior rejeição a Bolsonaro
(22%) são majoritariamente progres-
sistas nos valores e costumes e liberais
na economia.

“Medo da morte” vs. identidade:
quem ganha?. Na primeira rodada da
pesquisa identificamos que a proximida-
de dos respondentes a pessoas contami-

nadas pelo novo coronavírus (medo
da morte) aumentava o apoio de elei-
tores de centro-direita e de direita ao
isolamento social. Além disso, o me-
do da morte atenuava as expectativas
de prejuízos financeiros como decor-
rência da diminuição da atividade
econômica.
A proporção de pessoas que decla-
ram conhecer alguém infectado pe-
la covid-19 aumentou substancial-
mente em relação aos dados coleta-
dos na primeira rodada. Era de apro-
ximadamente 35% (17% desenvolve-
ram a covid-19 no estágio leve e 18%
no estágio mais grave, dos quais 7%
vieram a óbito). Já na segunda roda-
da, o medo da morte subiu para 71%
(32% no estágio leve e 39% no está-
gio mais grave, dos quais 20% vie-
ram a falecer).
Será que a maior exposição a ca-
sos de covid-19 interfere na decisão
de voto dos eleitores de centro-di-
reita e direita para presidente? Esti-
mamos o impacto da proximidade
de pessoas contaminadas pela deon-
ça na probabilidade de eleitores con-
servadores votarem em Bolsonaro
nas eleições de 2022.
Os resultados sugerem que a pro-
ximidade do “medo da morte” e a
expectativa de prejuízo econômico
reduzem significativamente as chan-
ces desses eleitores votarem em Bol-
sonaro em 2022. Por outro lado,
quanto mais conservador e antipar-
tido forem esses eleitores, maiores
serão as chances de votarem na ree-
leição do presidente. Embora essas
variáveis tenham efeitos opostos, o
impacto substantivo de ser conser-
vador é muito maior do que o medo
da morte. Em outras palavras, ter
proximidade com alguém que mor-
reu de covid-19 reduz em torno de
20% as chances do eleitor de direita
e centro-direita votar em Bolsona-
ro. Contudo, possuir a identidade
conservadora com o presidente po-
de garantir quase 90% de apoio des-
se eleitor à reeleição do capitão re-
formado do Exército.
Esses resultados sugerem que a
identidade que as pessoas desenvol-
vem com um determinado grupo ge-
ra um senso de pertencimento e de
segurança para os membros do gru-
po. Por esse motivo, as pessoas ten-
dem a usar suas identidades como
lentes protetoras que reduzem as
chances de os valores do grupo se-
rem reavaliados. Como já ampla-
mente documentado na literatura
de psicologia social, fortes vínculos
identitários ativam os igualmente
fortes mecanismos psicológicos de
defesa, distorcendo, evitando e/ou
negando informações factuais que
ameaçam a identidade social do indi-
víduo, e nesse caso, do eleitor.
Contudo, alguns eventos, como a
pandemia, exercem tamanha in-
fluência sobre a vida dos indivíduos,
que membros do grupo, especial-
mente os menos identitários, po-
dem ver suas crenças abaladas. Ou
seja, conexões identitárias podem
não ser mais suficientes para justifi-
car a aderência do indivíduo ao gru-
po, tornando-se maleáveis. Nesses
momentos, os custos de mudança
diminuem e, com isso, aumentam
sensivelmente as chances de alguns
membros pragmáticos do grupo des-
garrarem ao considerar outras alter-
nativas eleitorais.

]
CARLOS PEREIRA, PROFESSOR TITULAR,
FGV EBAPE, RIO DE JANEIRO

AMANDA MEDEIROS, PROFESSORA, FGV
EBAPE, RIO DE JANEIRO

FREDERICO BERTHOLINI, PROFESSOR AD-
JUNTO, DEP. CIÊNCIA POLÍTICA UNB

O que se condena, no
Brasil de hoje, não é o
que foi feito. É quem faz

Pesos e medidas


Intenção de votos

O PRESIDENTE E A COVID-

Progressista

LIBERAL

PREFERÊNCIA DE POLÍTICA ECONÔMICADESENVOLVIMENTISTAConservador

Não votaria de jeito nenhum
em Bolsonaro

LIBERAL

DESENVOLVIMENTISTAProgressista Conservador

Só votaria em Bolsonaro se o
opositor fosse de esquerda ou do PT

Progressista

LIBERAL

DESENVOLVIMENTISTA Conservador
PREFERÊNCIA DE VISÃO DE MUNDO

Votará em Bolsonaro
provavelmente ou com certeza

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

Avaliação dos eleitores

Apoio a isolamento social

CONCORDA

EM PORCENTAGEM

INDIFERENTE
DISCORDA

POSITIVA
NEUTRA
NEGATIVA

POSITIVA
NEUTRA
NEGATIVA



RODADA









Política de isolamento

ESQUERDA

CENTRO-ESQUERDA

CENTRO-DIREITA

DIREITA

CENTRO

99
93

98
97

85
88

12
10

74
70

25
27

57
38

41
59

Avaliação de Bolsonaro

ESQUERDA

CENTRO-ESQUERDA

CENTRO-DIREITA

DIREITA

CENTRO

99
89

98
97

12
20

79
77

23
48

14 63
48

14 23
31

62
65

Avaliação dos governadores

ESQUERDA

CENTRO-ESQUERDA

CENTRO-DIREITA

DIREITA

CENTRO

41 34 25
82 14

51 31 18
92

48
83

26 26
13

44
66

23 33
29

19 54
42

28
53

PARTIDOS

PAUTA VALORES
POLÍTICA
ECONÔMICA

PARTIDOS PAUTA POLÍTICA VALORES
ECONÔMICA

AVALIAM MAL
25,

17,

32,

24,

AVALIAM BEM
23,
18,

26,

31,
2

1

0







+ Antipartidos + Anticorrupção + Liberal + Conservador

+ Alianças + Social + Desenvolvimentista + Progressista

2

1

0







+ Antipartidos + Anticorrupção + Liberal + Conservador

+ Alianças + Social + Desenvolvimentista + Progressista

EM PORCENTAGEM

22% 40% 38%


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