O Estado de São Paulo (2020-06-21)

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A12 DOMINGO, 21 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Internacional

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Beatriz Bulla
CORRESPONDENTE / WASHINGTON

Apesar das críticas e dos pedi-
dos de autoridades de saúde
para evitar aglomerações em
razão da pandemia, Donald
Trump retomou ontem os me-
gacomícios para conter a que-
da de popularidade dos últi-
mos dois meses. Diante de
uma multidão – embora lon-
ge das 20 mil pessoas que
eram esperadas – em uma are-
na de Tulsa, no Estado de Ok-
lahoma, ele relançou sua cam-
panha presidencial.
A menos de cinco meses da
eleição, Trump tem um déficit
de pouco mais de 12 pontos por-
centuais em seu índice de popu-
laridade, segundo o site Real
Clear Politics, que calcula a mé-
dia diária de pesquisas – 42,7%
aprovam o desempenho do pre-
sidente, enquanto 54,8% desa-
provam. No portal Five Thirty
Eight, que leva em conta mais
sondagens, 41,4% aprovam e
55,2% desaprovam. Historica-
mente, presidentes que em ju-
nho tinham aprovação abaixo
de 45% não foram reeleitos.
Para reverter a queda, Trump
decidiu retomar o contato dire-
to com os eleitores em comí-
cios como o de ontem, em Tul-
sa, apesar da situação crítica da
pandemia, que avança em 22
dos 50 Estados americanos. O
presidente anunciou que em
breve a campanha passará pe-
los Estados do Texas, Florida,
Arizona e Carolina do Norte.
Mas discursos como o de on-
tem não servem apenas para au-
mentar o entusiasmo dos eleito-
res. Marcado para começar às
19 horas (horário local, 21 horas
em Brasília) de uma noite de sá-
bado, a ideia foi aproveitar o ho-
rário nobre e a cobertura gratui-
ta da mídia nacional, que trans-
mitiu o evento ao vivo.
Nos bastidores, o comício te-
ve também outro objetivo: cole-
tar dados de eleitores para que a
campanha de Trump possa usar
nas eleições de novembro. No
Twitter, o presidente anunciou
que quase um milhão de pes-
soas se inscreveram para partici-
par do evento em Tulsa – a are-
na comporta 20 mil pessoas e o
acesso foi determinado por or-
dem de chegada. Ontem, po-

rém, o BOK Center estava bas-
tante vazio.
As inscrições são importan-
tes, porque inundam o banco
de dados da campanha com in-
formações preciosas, como no-
me, registro partidário, celular,
e-mail e endereço. Brad Parsca-
le, chefe da campanha de
Trump, descreveu o comício de
ontem como “a maior coleta de
dados” de todos os tempos.
Com as informações, os estra-
tegistas do presidente sabem,
por exemplo, que cerca de 15% a
20% das pessoas que compare-
ceram aos comícios de Trump
votaram em apenas uma das
quatro eleições passadas, ou
não votaram. Em dois dos mais
recentes comícios – em New
Jersey e em New Hampshire ,–
mais de 25% das pessoas que se
inscreveram para entrar eram
democratas. Com dados valio-

sos nas mãos, é possível fazer
uma campanha de marketing
mais segmentada e eficiente.
Nos últimos anos, os republi-
canos gastaram US$ 350 mi-
lhões construindo um banco de
dados centralizado de eleito-
res, o que colocou o partido à
frente dos rivais na última elei-
ção presidencial. Em fevereiro
de 2019, os democratas lança-
ram um novo banco de dados,
mas Howard Dean, ex-presiden-
te do Comitê Nacional Demo-
crata, reconhece que ausência
de eventos de campanha preju-
dica a coleta de informações.
Nos últimos três meses, Bi-
den tem recuperado o terreno
perdido. De acordo com asses-
sores do ex-vice-presidente
americano, as campanhas dos
principais rivais democratas
nas primárias compartilharam
suas listas de eleitores e doado-

res, o que triplicou o número de
pessoas registradas no banco
de dados do candidato – acres-
centando 1,2 milhão de novos
nomes apenas na primeira se-
mana de junho.
Até o momento, a melhor or-
ganização de campanha parece
ser a grande vantagem do presi-
dente contra Biden. No mais, to-
dos os outros sinais mostram
que a reeleição corre sério risco


  • e os estrategistas republica-
    nos precisarão mais do que


grandes comícios para mudar a
imagem de Trump, envolvido
em múltiplas crises.
A primeira dificuldade é expli-
car os 120 mil mortos e 2,3 mi-
lhões de infectados pela covid-


  1. Em quatro meses de pande-
    mia, Trump minimizou o vírus,
    rejeitou o uso de máscara e fez
    de tudo para que o país abando-
    nasse o isolamento social, mas
    não conseguiu evitar que os pro-
    blemas sanitários criassem
    uma crise econômica. Além dos
    40 milhões de desempregados,
    o PIB americano deve encolher
    6% este ano, segundo o FMI.
    Outro golpe foi a morte de
    George Floyd, negro assassina-
    do em maio por um policial
    branco em Minneapolis – que
    desatou uma onda de protestos
    raciais nos EUA. Trump optou
    por uma resposta radical, defen-
    dendo a repressão aos manifes-


tantes. A estratégia chegou ao
ponto mais baixo no início de
junho, quando a polícia disper-
sou com violência a multidão
que protestava pacificamente
diante da Casa Branca, para que
o presidente fizesse uma ses-
são de fotos diante de uma igre-
ja segurando uma Bíblia na
mão.
Esta semana, Trump deixou
claro que quer comícios cheios,
que não pretende discursar em
locais vazios ou olhar para uma
fileira de rostos cobertos por
máscaras. Sua equipe de epide-
miologistas, no entanto, garan-
te que a pandemia está longe do
fim. Questionado esta semana
se teria coragem de ir ao comí-
cio de Trump em Tulsa, An-
thony Fauci, principal especia-
lista em doenças infecciosas do
governo, foi seco na resposta.
“É claro que não.”

Pressionado por múltiplas crises e resultados ruins em pesquisas, presidente ignora alerta de especialistas e promove aglomeração


em arena de Tulsa, no Estado de Oklahoma, que vem registrando recordes diários de novos casos de coronavírus nos últimos dias


Presidente


demite principal


promotor de NY


TULSA, EUA


Poucas horas antes de o presi-
dente Donald Trump subir on-
tem ao palco do BOK Center,
em Tulsa, no Estado de Oklaho-
ma, a campanha levou um sus-
to. Seis membros da equipe do
presidente, que trabalhavam
nos preparativos do evento, tes-
taram positivo para a covid-19.
“Em razão dos protocolos de
segurança, a equipe da campa-
nha é testada para o covid-19 an-
tes dos eventos”, informou, em
comunicado, Tim Murtaugh, di-
retor de comunicações da cam-
panha republicana. “Seis mem-


bros da equipe avançada testa-
ram positivo em centenas de
testes realizados, e os procedi-
mentos de quarentena foram
imediatamente implementa-
dos.” Murtaugh garantiu que ne-
nhum funcionário contamina-
do ou “qualquer pessoa em con-
tato imediato com eles” estaria

no comício.
Trump foi informado sobre
as infecções pouco antes de em-
barcar para Tulsa. Segundo
duas fontes ligadas à Casa Bran-
ca, citadas pelo New York Times ,
o presidente ficou irritado com
o fato de a notícia ter chegado à
imprensa.

A notícia aumentou ainda
mais a preocupação de que o
evento possa desencadear um
novo surto de covid-19 na cida-
de, uma das mais afetadas do
Estado. Na sexta-feira, a Justiça
de Oklahoma rejeitou um pedi-
do para obrigar o uso de másca-
ras durante o comício.
A Casa Branca disse que os
participantes teriam a tempera-
tura checada e máscaras seriam
distribuídas para todos – embo-
ra o uso não tenha sido obrigató-
rio. Na entrada, pouco antes de
o comício começar, muitos des-
cartaram imediatamente as
máscaras que recebiam e pou-
cos usaram proteção dentro da
arena.
Autoridades sanitárias, po-
rém, disseram que as medidas
não impediriam a dissemina-
ção do vírus e não identifica-
riam portadores assintomáti-
cos da covid-19. As pessoas que
reservaram ingressos para o co-
mício foram obrigadas a concor-
dar com um termo que os proí-
be de processar a campanha do
presidente ou os organizadores
do evento caso contraiam o co-
ronavírus. / NYT e AFP

Trump retoma campanha eleitoral para


tentar reverter queda de popularidade


l Segurança

WASHINGTON

O secretário de Justiça dos
EUA, William Barr, anunciou
ontem que Donald Trump demi-
tiu o principal promotor fede-
ral de Manhattan, que investiga-
va casos ligados a seus aliados
mais próximos. A saída de Geof-
frey Berman, do Distrito Sul de
Nova York, aprofunda a crise
do Judiciário e aumenta os ques-
tionamentos sobre a indepen-
dência dos órgãos de aplicação
da lei nos EUA.
Trump demitiu Berman de-
pois que ele se recusou a renun-
ciar, na noite de sexta-feira. O
procurador e sua equipe estive-
ram à frente de investigações
de corrupção no círculo íntimo
de Trump, incluindo o caso do
ex-advogado do presidente, Mi-
chael Cohen – ele foi preso, mas
libertado recentemente em ra-
zão da pandemia. Berman tam-

bém conduzia investigações so-
bre o atual advogado do presi-
dente, Rudolph Giuliani, ex-pre-
feito de Nova York.
A disputa revela até onde
Trump está disposto a chegar
para se desfazer de servidores
públicos que ele considera “des-
leais”. O caso também provo-
cou uma nova crise no Departa-
mento de Justiça, envolvendo
um de seus cargos mais presti-
giosos, no momento em que
Barr vem sendo acusado de
abrir mão de sua independência
para se submeter a interferên-
cias políticas.
O expurgo de funcionários
públicos se intensificou após o
Senado ter absolvido Trump no
processo de impeachment, em
fevereiro. Em seis semanas, o
presidente americano demitiu
cinco inspetores-gerais que ocu-
pavam cargos estratégicos de
supervisão do governo – quatro
dos cinco foram anúncios feitos
na noite de sexta-feira, para cha-
mar menos atenção da impren-
sa. Todos os funcionários demi-
tidos haviam feito algum tipo
de denúncia que desagradou a
Casa Branca. / NYT e AFP

Antes de comício, 6 assessores


são diagnosticados com covid-


Em risco. Donald Trump discursa em Tulsa, no Estado de Oklahoma: comparecimento foi bem abaixo do esperado pela campanha do presidente

WIN MCNAMEE/AFP

“Temos de voltar ao
normal. Temos de voltar a
viver nossas vidas. Não dá
para continuar assim por
mais tempo”
Donald Trump
PRESIDENTE DOS EUA

Campanha. Trump e comitiva durante embarque para Tulsa

Funcionários da


campanha de Trump


foram afastados e


não participaram de


evento em Tulsa


DOUG MILLS/NYT
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