O Estado de São Paulo (2020-06-21)

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 21 DE JUNHO DE 2020 Internacional A


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Tulsa e os vários pecados do racismo


l]
PAUL
KRUGMAN

THE NEW YORK TIMES

Q


uando Donald Trump agen-
dou um comício em Tulsa, en-
viou um sinal de aprovação
aos supremacistas brancos. A data es-
colhida, dia 19, era o Juneteenth, um
dia comemorado pelos negros para
marcar o fim da escravidão. E Tulsa foi
o local do massacre de 1921, um dos
incidentes mais mortais da ofensiva
para negar aos negros a liberdade.
Dizem que a campanha de Trump
não entendeu o significado da data,
mas não acredito. O presidente, com
má vontade, adiou a manifestação em
um dia, mas isso foi certamente por-
que ele e seu círculo mais próximo fo-
ram surpreendidos pela força da rea-
ção – assim como foram surpreendi-
dos pelo apoio aos protestos do Black
Lives Matter. Mas vamos falar sobre

Tulsa e como ela se encaixa na história
do racismo nos EUA.
Joe Biden declarou que a escravidão
é o “pecado original” da América. Ele
está certo, é claro. É importante, no
entanto, entender que o pecado não
parou quando a escravidão foi aboli-
da. Se os EUA tratassem ex-escravos e
seus descendentes como verdadeiros
cidadãos, com proteção total da lei, o
legado da escravidão desapareceria
gradualmente.
Os escravos libertados começaram
com nada, mas, com o tempo, muitos
teriam subido, adquirindo proprieda-
des, educando seus filhos e se tornan-
do membros plenos da sociedade. De
fato, isso começou a acontecer duran-
te os 12 anos do período conhecido co-
mo “Reconstrução”, quando os ne-
gros se beneficiaram de alguma coisa
parecida com direitos iguais.
Mas o acordo político que terminou
com a Reconstrução deu poder aos su-
premacistas brancos do Sul, que supri-
miram os avanços raciais. Os negros

que conseguiam adquirir proprieda-
des, descobriam que elas havia sido
desapropriadas, seja por subterfúgios
legais ou à mão armada. E a nascente
classe média negra foi sujeita ao reino
de terror. É aí que Tulsa se encaixa.
Em 1921, a cidade foi o centro de um
boom do petróleo, um lugar para o
qual as pessoas em busca de oportuni-
dades migraram. O local ostentava
uma classe média negra considerável,
centrada no bairro de Greenwood, des-
crito como a “Wall Street negra”. E
esse foi o bairro destruído por uma tur-
ba de fanáticos brancos, que saquea-
ram empresas e casas de negros, ma-
tando centenas (não sabemos quan-
tos, porque o massacre nunca foi in-
vestigado). A polícia, é claro, não fez
nada para proteger os negros. Em vez
disso, se juntou aos manifestantes.
Não é de surpreender que a violên-
cia contra os negros que conseguiram
alcançar algum sucesso econômico de-
sencorajasse a iniciativa. Por exem-
plo, a economista Lisa Cook mostrou

que o número de negros que regis-
tram patentes, que dispararam por vá-
rias décadas após a Guerra Civil, caiu
em face da violência branca. A repres-
são ajudou a impulsionar a Grande Mi-
gração, movimento de milhões de ne-
gros das cidades do Sul para o Norte,
que começou cinco anos antes do mas-
sacre de Tulsa e continuou até 1970.
Mesmo nas cidades do Norte, aos
negros eram negadas oportunidades
de ascensão. Por exemplo, em 1944,
trabalhadores de trânsito brancos na
Filadélfia entraram em greve em pro-
testo contra a promoção de negros.
Mas a discriminação foi menos severa
do que no Sul e era possível esperar
que a saga tivesse terminado com a Lei
dos Direitos Civis, promulgada um sé-
culo após a Emancipação.
Infelizmente, para muitos negros,
as cidades do Norte se tornaram arma-
dilhas socioeconômicas. As oportuni-
dades que atraíram os migrantes desa-
pareceram quando os empregos se
mudaram, primeiro para os subúr-

bios, depois para o exterior. Chicago,
por exemplo, perdeu 60% dos empre-
go na indústria, entre 1967 e 1987. E,
quando a perda de oportunidades le-
vou a uma disfunção social, muitos
brancos estavam prontos para culpar
as vítimas e dizer que o problema esta-
va na cultura negra – ou, alguns sugeri-
ram, na inferioridade racial.
Esse racismo implícito alimentou a
oposição a programas do governo. Se
perguntarmos por que a rede de segu-
rança social nos EUA é mais fraca do
que a de outros países avançados, a
resposta se resume a uma palavra: ra-
ça. Embora a escravidão fosse o peca-
do original da América, seu legado foi
perpetuado por outros pecados, al-
guns dos quais continuam até hoje. A
boa notícia é que os EUA estão mudan-
do. A tentativa de Trump de usar o anti-
go manual racista o levou a uma queda
nas pesquisas. Seu comício em Tulsa
parece ter saído pela culatra. Ainda es-
tamos manchados pelo pecado origi-
nal, mas podemos estar no caminho
da redenção.

]
É COLUNISTA

Artigo


WASHINGTON


Um juiz federal negou ontem o
pedido do governo de Donald
Trump para impedir a comercia-
lização do livro de John Bolton,
ex-conselheiro de Segurança
Nacional da Casa Branca. Se-
gundo Royce Lamberth, magis-
trado do Tribunal Distrital dos
EUA, a publicação já havia sido
“impressa, encadernada e envia-
da para todo o país”.


Logo após a divulgação da de-
cisão, Trump recorreu ao Twit-
ter para ameaçar seu ex-conse-
lheiro. “Bolton violou a lei e foi
convocado e repreendido por is-
so, com um preço muito alto a
pagar”, tuitou. O presidente ale-
ga que seu ex-assessor colocou
em risco a segurança nacional
dos EUA ao incluir material con-
fidencial no livro.
Em seu livro The Room Where
It Happened (“A Sala Onde Tu-

do Aconteceu”, em tradução li-
vre), que será lançado na terça-
feira, o ex-conselheiro de Segu-
rança Nacional retrata um presi-
dente mal assessorado, fascina-
do por autocratas e obcecado
por sua reeleição, mesmo cor-
rendo o risco de colocar os EUA
em perigo.
Trechos do livro foram divul-
gados nos jornais Wall Street
Journal , Washington Post e New
York Times. Neles, Bolton cita

conversas nas quais Trump de-
monstrou um “comportamen-
to inaceitável que afetou a legiti-
midade da presidência”.
Entre as revelações está um
pedido de ajuda feito por
Trump ao presidente chinês, Xi
Jinping, para vencer a eleição de
novembro. A conversa teria
acontecido durante a cúpula do
G-20, em Osaka, no Japão, em
junho de 2019. De acordo com o
ex-conselheiro, o presidente te-

ria pedido que Xi comprasse pro-
dutos agrícolas americanos pa-
ra que ele pudesse vencer a elei-
ção em Estados-chave dos EUA.
Quem teve acesso à íntegra
afirma que o livro é um retrato
sombrio de um presidente igno-
rante e suscetível a elogios fei-
tos por líderes autoritários que
o manipulam facilmente. Se-
gundo Bolton, Trump não sa-
bia, por exemplo, que o Reino
Unido tinha armas nucleares e

perguntou, certa vez, se a Fin-
lândia fazia parte da Rússia.
Ele diz também que os EUA
estiveram mais perto do que se
imagina de sair da Otan e cita
um bilhete constrangedor do se-
cretário de Estado, Mike Pom-
peo. Em 2018, durante reunião
com Kim Jong-un, Pompeo te-
ria escrito para Bolton uma
mensagem criticando Trump.
“Ele só fala bobagem”, dizia o
bilhete. / NYT e AFP

Juiz libera livro de ex-conselheiro da Casa Branca


Governo americano tentava impedir lançamento das memórias de John Bolton, que revelam momentos constrangedores de Trump

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