O Estado de São Paulo (2020-06-21)

(Antfer) #1

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A16 Metrópole DOMINGO, 21 DE JUNHO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


462
mil

PESTE NEGRA
(1347 A 1671)
150 milhões
de mortos

GRIPE ESPANHOLA -
INFLUENZA H1N
(1918-1920)
100 milhões

2ª GUERRA MUNDIAL
(1939-1945)
80 milhões

1ª GUERRA MUNDIAL
(1914-1918)
20 milhões

HOLOCAUSTO
(1939-1948)
6 milhões

HIV/AIDS
(ATÉ 2016))
35 milhões

GRIPE
ASIÁTICA
(1956 E 1958)

2 milhões

1,5 milhão

1 milhão

300 mil

226 mil

200 mil

150 mil

101 mil

65 mil

55 mil

50 mil

47 mil

GRIPE RUSSA
(1889-1890)

GRIPE DE
HONG KONG
(1968 E 1969)

SECA NA
ETIÓPIA
(1983)
TSUNAMI NA
INDONÉSIA
(2004)
TERREMOTO
NO HAITI
(2010)
BOMBA
ATÔMICA /
HIROSHIMA E
NAGASAKI
(1945)
GUERRA DO
IRAQUE
(2009-2019)
VÍTIMAS DE
VIOLÊNCIA NO
BRASIL (2017)
VERÃO RUSSO
(2010)

GUERRA DO
PARAGUAI
(1864 E 1870)
VÍTIMAS DE
ARMA DE
FOGO NO
BRASIL (2017)

50.


COVID-19 NO
BRASIL
(20/6/2020)**

COVID-
NO MUNDO
(20/6/2020)*
8,7 milhões de infectados

1 milhão de infectados

FONTES: *UNIVERSIDADE JOHNS HOPKINS E
**CONSÓRCIO DE VEÍCULOS DE IMPRENSA

As mortes em tragédias
da humanidade
Em epidemias, guerras e
desastres naturais

COMPARAÇÃO

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

COVID-19: A


TRAGÉDIA DO


SÉCULO 21


Mortes provocadas pela pandemia superam violência,


catástrofes e doenças campeãs em letalidade


Ricardo Brandt

Em três meses, a covid-19 ma-
tou no Brasil mais do que ou-
tras doenças, catástrofes natu-
rais, tragédias e mazelas urba-
nas, como a violência – proble-
ma endêmico no País. Com
50.058 mil vítimas até ontem
e com a transmissão do coro-
navírus em crescimento acele-
rado, a pandemia se consolida
como uma das piores crises sa-
nitárias da história.
O Estadão reuniu dados do
Sistema de Informações sobre
Mortalidade (SIM), do Ministé-
rio da Saúde, de 1996 a 2020, e de
catástrofes, como guerras, aten-
tados, tempestades, enchentes
e outras pandemias e epidemias
para comparar o tamanho da
atual tragédia. O rastro de letali-
dade da covid-19 supera o deixa-
do por armas de fogo, acidentes
(de trânsito, aéreos e maríti-
mos), doenças que protagoniza-
ram epidemias recentes da histó-
ria, como a aids e a dengue, e até
mesmo por enfartes.
“E ainda não chegamos nem
na metade da covid-19”, afirma o
virologista Maulori Curié Ca-
bral, professor do Departamen-
to de Virologia, do Instituto de
Microbiologia da Universidade
Federal do Rio (UFRJ). Ele afir-
ma que ainda é cedo para fazer
comparações.
“Ainda estamos no começo da
doença, em fase de curva achata-
da, em que não se sabe quando e
como vai acabar a pandemia. De-
pois que terminar é que podere-
mos ver o total de mortes e com-
parar”, afirma Cabral. Especialis-
tas têm apontado ainda indícios
de subnotificação de mortes em
algumas regiões do País, motiva-
da pela falta de testes e atraso
nos diagnósticos.
Descoberta em Wuhan, na
China, em dezembro de 2019, a
covid-19 chegou ao Brasil prova-
velmente no fim de janeiro. O
primeiro caso oficial de um brasi-
leiro contaminado pelo corona-
vírus Sars-CoV-2 foi registrado
em 26 de fevereiro. Em quase
quatro meses, já há mais de 1 mi-
lhão de infectados – equivalente
a 0,5% da população brasileira. A
primeira morte foi registrada
em 17 de março: um morador de
São Paulo, de 62 anos, com ou-
tros problemas de saúde.
Desde então, já morreram
mais pessoas em decorrência de
covid-19 que por algum tipo de
isquemia no coração, como en-

farte, entre janeiro a maio de
2019: 46,5 mil, segundo dados do
Ministério da Saúde. Doenças re-
lacionadas ao sistema circulató-
rio, como enfartes, AVCs e hiper-
tensão arterial são a principal
causa de morte no País.
A covid-19 causou mais víti-
mas no Brasil em 95 dias que as
armas de fogo mataram em


  1. Naquele ano houve o
    maior número de ocorrências
    do tipo nas últimas três décadas:
    foram 48,4 mil óbitos (inclui as-
    sassinatos e suicídios). A violên-
    cia é um dos problemas sociais
    que mais preocupam a popula-
    ção, tanto pela agressão quanto
    pela imprevisibilidade.
    Em comparação com as mor-
    tes em acidentes de trânsito, aé-
    reos e navais (30 mil, em 2019), a
    covid-19 matou quase o dobro.
    Tanto as mortes por armas quan-
    to os acidentes são classificados
    como óbitos motivados por
    “causas externas”, no registro
    de letalidade no Brasil. Isso é:
    não provocadas por doenças.
    As causas externas formam o
    quarto grupo com mais óbitos
    do País: 140 mil no ano passado.
    Entram na classificação, tam-
    bém, a violência policial, agres-
    sões, conflitos, explosões, mor-
    tes em hospitais por complica-
    ções, entre outras. Se somar-
    mos, para comparação, as víti-
    mas fatais desse grupo de março
    a junho do ano passado – perío-
    do aproximado da pandemia
    atual –, foram 46 mil óbitos. Me-
    nos, portanto, do que a covid-
    no mesmo período.


Grandes tragédias. No Brasil,
a soma das mortes de 17 tragé-
dias recentes não chega nem per-
to do que a covid-19 matou. Jun-
tas, elas vitimaram 3.537 pes-
soas. A conta reúne os mortos
soterrados com os rompimen-
tos de barragens em Brumadi-
nho (2019) e Mariana (2015); os
de quatro acidentes aéreos –
dois da TAM em Congonhas
(1996 e 2007), da Gol (na Serra
do Cachimbo, em 2006) e do ti-
me da Chapecoense (na Colôm-
bia, em 2016); os de três desliza-
mentos e das enchentes, no Rio
(2011), em Caraguatatuba
(1967) e Santa Catarina (2008);
os dos desabamentos, incêndios
e explosões dos edifícios Joelma
(1974) e Andraus (1972), da Boa-
te Kiss (2014), do Gran Circus
(1961), da Vila Socó, em Cuba-
tão (1984) e do Plaza Shopping
(1996); do naufrágio do Bateau

Mouche (1989) e no massacre
do Carandiru (1992).
Nos últimos quatro anos, 1,
milhão de pessoas morreram
anualmente no País. A principal
causa foram doenças do apare-
lho circulatório: 360 mil em
2019, em que entram enfartes,
problemas decorrentes de hiper-
tensão arterial, AVCs, entre ou-
tras. O grupo dos tumores, do
câncer, está no segundo lugar, se-
guido pelas doenças respirató-
rias – em que entram as pneumo-
nias e as gripes, como a influen-
za tipo H1N1. Foi essa última
que protagonizou a pior pande-
mia gripal da história, em 1918,
que ficou conhecida como a “gri-
pe espanhola” – que não foi origi-
nada e difundida pela Espanha,
apesar do nome.
No ano passado, enfartes ma-
taram 116 mil – um terço do total
de óbitos do grupo de doenças
do aparelho circulatório. Mas se
isolar o total de casos de janeiro
a junho, são 56,8 mil óbitos em
seis meses, quantidade que a co-
vid-19 deve ultrapassar antes de
fechar o quarto mês no País.

Trabalho árduo
“Foi um renascimento. Consegui me
recuperar da doença graças a Deus e aos
médicos. Foi um trabalho de todos, que
me deu a segunda chance de viver.”
Sylvio Romero Cavalcanti,
ENGENHEIRO NO RECIFE, DE 73 ANOS

Desigualdade
“As mortes em casa que a gente atende
são todas nas periferias. Você não vê
isso em bairros da classe média alta. As
classes pobres estão mais expostas.”
Não identificado a pedido dele,
MÉDICO DO SAMU EM SÃO PAULO

A morte por covid-19 entra em
uma categoria específica na clas-
sificação internacional de cau-
sas de óbito. Doença infecciosa
viral, ela acomete nos quadros
graves o sistema respiratório –
grupo que é o terceiro maior mo-
tivo de falecimentos no País: 161
mil vítimas, em 2019. As gripes e
as pneumonias são um subgru-
po e provocaram 84 mil mortes.
Dez anos atrás, elas mataram
53 mil – em 2009 foi registrada a
pandemia do H1N1, apelidada
inicialmente de gripe suína, que
se iniciou no México. O vírus era
da mesma família que o da gripe
espanhola, de 1918.
A pandemia da covid-19 deve
marcar o início do século 21, as-
sim como a gripe espanhola mar-
cou o começo do século 20 e ou-
tras epidemias definiram suas
eras. Fases da história de catás-
trofe, despovoamento e trans-
formação social, movidas pela
reação humana por sobrevivên-
cia. “Epidemias sempre ocorre-
ram na história da humanidade,
com impacto na vida cotidiana
das populações. Uma das lições
é a colaboração e a coordenação,
da liderança na condução dessa
grande tarefa de controlar o sur-
to da pandemia e, principalmen-
te, solidariedade entre grupos,
países e regiões”, diz a epidemio-
logista Maria Rita Donalisio Cor-
deiro, do Departamento de Saú-
de Coletiva da Faculdade de
Ciências Médicas da Universida-
de de Campinas (Unicamp).
Para ela, a desigualdade social
impulsiona a propagação da co-
vid-19. Com a expansão do coro-
navírus dos centros para perife-
rias, áreas onde vivem popula-
ções vulneráveis, há aceleração
na velocidade de disseminação.

Crise histórica. A peste negra,
ou peste bubônica, é considerada
a maior tragédia sanitária da his-
tória. No longínquo século 14,
uma bactéria do rato transmitida
para o homem, pela pulga, dizi-
mou pouco mais de 20% da popu-
lação – foram mais de 70 milhões
de mortos entre 1347 e 1351. É
mais do que muitas guerras e tra-
gédias da humanidade. No Brasil,
mortes causadas pela doença, de
1899 a 1907, foram decisivas para
a criação da Fiocruz, no Rio, e do
Instituto Butantã, em São Paulo.
No Brasil, a taxa de letalidade
em casos graves de covid-19, que
são os testados atualmente, está
em 5,2% e indica uma possível
falha no enfrentamento à epide-
mia: a falta de identificação dos
casos, avaliam cientistas e médi-
cos infectologistas. Nesse pata-
mar, se metade da população
brasileira (algo em torno de 105
milhões de pessoas) fosse infec-
tada pelo coronavírus de uma
vez, 5,4 milhões morreriam. / R.B

OUTRA


PANDEMIA


DE INÍCIO


DE SÉCULO


Mundo em transformação


“Não tenho dúvidas de que essa epidemia é o grande


marco do século 21. Ela nos mostra a vulnerabilidade


do nosso modelo de desenvolvimento.”


Nísia Trindade, SOCIÓLOGA E PRIMEIRA MULHER A PRESIDIR A FIOCRUZ EM 120 ANOS

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